Uma análise estratégica da
conjuntura. Como a esquerda deixou de enfrentar o capital no terreno dos
projetos de mundo, da cultura e da formação política e se limitou à disputa
institucional. Por que isso leva à derrota certa
Maurício Abdalla | Outras
Palavras
“Saul vestiu Davi com sua própria
armadura, colocou-lhe na cabeça um capacete de bronze, revestiu-o com a sua
couraça, e pôs a espada na cintura dele, sobre a armadura. Em vão Davi tentou
andar, pois nunca tinha usado nada disso. Então falou a Saul: «Não consigo nem
andar com essas coisas. Não estou acostumado». Tirou tudo, pegou o cajado,
escolheu cinco pedras bem lisas no riacho e as colocou no seu bornal. Depois
pegou a funda e foi ao encontro do filisteu.[…] Enquanto o filisteu se aprumava
e se aproximava de Davi pouco a pouco, Davi correu depressa para se posicionar
e enfrentar o filisteu. Davi enfiou a mão no bornal, pegou uma pedra, atirou-a
com a funda e acertou na testa do filisteu. A pedra afundou na testa do
filisteu, que caiu de bruços no chão. Assim Davi foi mais forte que o filisteu,
apenas com uma funda e uma pedra: sem espada na mão, feriu e matou o filisteu”
(1Sm 17, 38-40.48-50).
Uma lição de estratégia
Todos conhecem a história do
jovem pastor de ovelhas israelita que derrotou um guerreiro gigante, experiente
e fortemente armado usando apenas uma funda. A luta de Davi contra Golias é
sempre evocada como metáfora para a possibilidade de alguém ou um grupo mais
fraco vencer adversários grandes e poderosos. Contudo, na maioria das vezes,
ela só é usada como narrativa motivacional ou, no contexto religioso, apenas
para dizer que Deus ajuda e dá a vitória aos que creem. Mas há, também, uma
lição estratégica fundamental embutida na história que pode ser bastante útil
para ajudar a pensar nossa ação na atual conjuntura mundial.
Sob um olhar não teológico, o
grande ensinamento da vitória do jovem pastor sobre o guerreiro gigante está na
maneira como ele conseguiu derrotá-lo. Quando Davi decidiu enfrentar
Golias, o rei Saul o equipou com armadura e armas de guerra tradicionais, equivalentes
às que usavam o filisteu e todos os soldados nas batalhas. Porém, sob o peso
daquele equipamento, Davi, que era pastor e não soldado, não conseguiu sequer
andar. Sabiamente, o jovem preferiu abdicar das armas e armaduras tradicionais
para usar o instrumento de ataque que ele manejava com mais destreza: a funda e
as pedras que, em seu ofício de pastoreio, usava para proteger o rebanho de
predadores como leões e ursos.
Golias era considerado invencível
tanto pelos israelitas, quanto pelos filisteus, pois eles só concebiam a luta
contra o gigante com o uso das armas convencionais. Portanto, só o venceria
quem se igualasse a ele em força, qualidade da armadura e destreza no manuseio
das armas ofensivas e defensivas tradicionais: lança, espada, couraça, elmo,
armadura e escudo. Na ausência de alguém assim, ninguém o derrotava.
Davi, porém, teve outra concepção
de luta. O caminho não seria disputar força com o inimigo no seu contexto de
batalha, onde a derrota seria certa. No seu contexto, o gigante venceria tanto
o mais destemido israelita que quisesse vingar sua nação dos insultos dos
filisteus, quanto o mais piedoso crente em Javé, o que mostra que a lição maior
da história não repousa apenas sobre um ato de coragem ou fé. Embora ambas não
tenham faltado a Davi, não foi por elas que ele saiu vencedor. De maneira
perspicaz, Davi deslocou a luta para um contexto de ação que neutralizou a
superioridade da força e das armas do gigante e que lhe permitiu usar suas
habilidades de pastor de forma eficaz.
Em um combate convencional, Davi
seria derrotado por dois motivos. Primeiro porque o peso dos equipamentos de
guerra, com os quais não estava acostumado, eliminaria toda sua mobilidade e
capacidade de luta. Ao invés de ser um meio que facilitaria a vitória, a
armadura e as armas tradicionais e equivalentes às que Golias usava anularia
suas habilidades. Segundo, porque a destreza e força do inimigo no uso dessas
armas eram superiores e jamais seriam igualadas por Davi, mesmo que ele se
esforçasse o máximo e conseguisse suportar seu peso. Ou seja, além do inimigo
ter a vantagem inicial, o combate convencional imobilizaria o jovem israelita e
impediria seu progresso. Era, portanto, um contexto duplamente desvantajoso.
Assim, a única chance de vitória
baseava-se em três ideias gerais: impedir a aproximação do inimigo para evitar
o combate corpo a corpo, não permitir o prolongamento da luta e derrotar o
inimigo à distância. Isso eliminaria a possibilidade de que o gigante usasse
suas armas e sua força. Essas ideias gerais constituíram a estratégia de
Davi. Para colocá-las em prática, a tática utilizada foi recusar as
armas tradicionais, pois elas o colocavam em uma insuperável condição de
inferioridade, e usar a funda, uma arma que ele conhecia e manejava muito bem.
Portanto, o que deu a vitória ao
jovem pastor sobre aquele que consideravam invencível não foi apenas seu
ímpeto, coragem e fé, mas a estratégia e a tática utilizadas. Davi foi ao
encontro de Golias com sua roupa de pastor, um cajado, uma funda e as pedras no
bornal. Sua arma era simples, mas além de ter peso suportável, tratava-se de um
instrumento que ele sabia usar com destreza e que já demonstrara eficácia
contra animais ferozes que ameaçavam os rebanhos que estavam sob seu cuidado. E
o seu uso era fundamental para concretizar sua estratégia.
Por ser um texto bíblico, a
vitória é, obviamente, interpretada como um sinal da predileção de Deus pelos
israelitas. Mas, apesar disso, a vitória do jovem pastor sobre o gigante é
narrada sem adicionar qualquer interferência divina ou sobrenatural na ação.
Davi venceu Golias por ter sido capaz de neutralizar as forças e a ação do
adversário e de potencializar a sua própria força com uma decisão sábia e fora
do padrão tradicional das batalhas militares.
A luta dos explorados e oprimidos
em todo o mundo, principalmente nos países periféricos, sempre foi a luta dos
fracos contra gigantes poderosos e bem armados. A história registra vitórias e
derrotas, mas, no geral, enfrentamos poderes que muitos julgam invencíveis e
cuja dominação é planetária. Com que força eles dominam? Qual o seu contexto de
batalha em que nós estamos sendo derrotados? Conseguiríamos derrotá-los em uma
luta “corpo a corpo” no contexto em que eles têm vantagem? Como poderíamos
refletir sobre estratégias e táticas de lutas fundadas não apenas na coragem e
vontade de lutar, mas na eficácia de nossa ação em relação às forças do gigante
e nas armas que, mesmo não tendo o mesmo poder que as do inimigo, sabemos
manejar com destreza?
O primeiro passo nessa reflexão é
saber quem é o “Golias” que enfrentamos, quais são suas armas e seu contexto de
luta e onde está fundada a vantagem que tem sobre nós.
O aspecto visível imediato da
conjuntura
A conjuntura brasileira atual nos
apresenta um quadro desesperador. Sob o aspecto visível imediato temos
o seguinte cenário. Um parlamentar insignificante, que passou 27 anos na Câmara
dos Deputados falando asneiras, destilando ódio e preconceito e representando
ideias radicalmente contrárias a todos os avanços conquistados pela sociedade
brasileira desde o fim da ditatura militar, tornou-se presidente da República
em uma eleição que sucedeu um golpe de Estado – no estilo dos “golpes suaves”,
que têm caracterizado a nova estratégia de derrubada de governos utilizada
pelas potências ocidentais.
Seu governo tem representado o
que há de pior na sociedade e, embora caótico nos aspectos intelectual, ético,
cultural, administrativo e político, tem sido bastante competente e eficaz
(mais do que qualquer outro anterior) para tornar o país absolutamente submisso
aos interesses do setor financeiro e da indústria de petróleo, à geopolítica
estadunidense, à ganância de ruralistas, garimpeiros, madeireiros e outros
destruidores da natureza, ao empresariado nacional de mentalidade escravocrata
e à indústria de armamentos. Isso se dá porque enquanto o presidente, seus
filhos e ministros protagonizam um teatro tragicômico na mídia e redes sociais,
o governo real, mais discreto e pragmático, é exercido pelo ministro da
economia Paulo Guedes, fiel servidor dos interesses dos setores capitalistas
mais gananciosos e inescrupulosos.
Adicionalmente, revelou-se que as
milícias que agem criminosamente no Rio de Janeiro – tendo recentemente se
aliado ao narcotráfico – possuem íntimas relações com a família do presidente e
têm sido beneficiadas há anos com a presença dos Bolsonaro na política. O lado
mais violento, assassino e equipado do crime organizado conquistou agora
presença no Poder Executivo Nacional. Suspeita-se, inclusive, da participação
do clã Bolsonaro na morte da vereadora Marielle Franco.
O presidente e todo seu
ministério, naquilo que falam e fazem, representam uma afronta constante aos
valores republicanos, à ética da coisa pública, aos direitos humanos e das
minorias, à ciência, à educação, aos princípios civilizatórios básicos e à
própria racionalidade que, às duras penas e sem pleno sucesso, tentou-se
imprimir na política desde o iluminismo europeu.
Surpreendentemente, o Parlamento
e o Judiciário parecem ignorar que um presidente incapacitado, com relações
íntimas com as milícias, com sintomas explícitos de sociopatia e inclinação
ditatorial está no cargo destruindo a República e a democracia e dando a seus
filhos um status de “família real”. Embora com alguns recentes conflitos e
rachas em sua base de sustentação no Congresso e em seu próprio partido, as
coisas fluem como se estivéssemos em um período normal da política, abalado
apenas por algumas diferenças de ideias, interesses, disputas partidárias,
conflito de egos e coisas menores.
A mídia comporta-se de maneira
ambígua. Enquanto a Rede Globo e o Grupo Folha (proprietário da Folha de São
Paulo, portal UOL, dentre outros veículos) partem para um ataque pessoal contra
o presidente, outras empresas de comunicação lhe dão a sustentação necessária
para impedir que a população perceba o fosso em que nos metemos. Mesmo a
oposição da Globo e da Folha é derivada de conflitos momentâneos de interesses.
As críticas só atingem o lado superficial do governo, permanecem no plano de uma
guerra privada ocasional contra a pessoa do presidente e não ultrapassam
algumas denúncias e chacotas. Já as medidas que entregam o Brasil à rapina dos
rentistas, petrolíferas, ruralistas, garimpeiros e proprietários do capital,
enquanto destroem o sistema público de previdência, aniquilam a capacidade de
gestão do Estado sobre a sociedade e a economia, retiram todos os direitos dos
trabalhadores e sacrificam a soberania nacional, são aplaudidas e defendidas
pelos veículos das empresas dos Marinho e dos Frias. Apesar de muitos se
sentirem satisfeitos com a oposição parcial desses veículos, não será por essa
mídia que a população irá às ruas contra o atual governo, como foi no tempo dos
governos petistas.
Esse, porém, é o aspecto visível
imediato – e, mesmo assim, só o é para aqueles que têm um mínimo de
consciência crítica com relação à conjuntura política. Mas o visível pode nos
enganar. Se o problema for reduzido ao evento extraordinário de uma eleição de
resultado ruim, que levou, por acidente, um protoditador desequilibrado ao
poder, pode parecer que a solução está em uma próxima eleição presidencial em
que o erro seja “corrigido” com a eleição de alguém melhor. O fenômeno do
lulismo, ampliado com a libertação do ex-presidente Lula de seu cárcere injusto,
pode contribuir com essa visão reducionista do problema e adiar as ações para
2022.
Ao pensarmos assim, não
dimensionamos a força do gigante que temos de enfrentar e acabamos optando por
lutar no contexto de batalha que o favorece e no qual estaremos sempre em
desvantagem: o campo eleitoral e da ocupação do Estado. E seguiremos derrotados,
pois esses campos nos sufocam e impedem nosso progresso em outro contexto de
luta que nos seria mais favorável, onde poderíamos lutar com armas que
realmente sabemos manejar. Precisamos, portanto, saber o que se encontra por
trás do visível imediato e em que se fundamenta, realmente, a vantagem do
inimigo. Analisar a conjuntura não é apenas descrever o visível, mas
compreender, de forma sintética, quais fatores determinam o plano
conjuntural. Esses fatores nem sempre estão conectados diretamente às notícias
da conjuntura e, por isso, precisam ser resgatados nas análises.
Identificar o inimigo: que
gigante enfrentamos?
O processo que culminou no golpe
que precedeu as eleições presidenciais de 2018 é um dos fatores determinantes
da conjuntura atual. Não se pode simplesmente ignorá-lo como algo passado e
superado. Na verdade, o bolsonarismo foi um efeito colateral de todo o processo
que culminou com a destituição da presidente Dilma e a total submissão do
Brasil aos interesses do capital internacional e local.
Mas o golpe de 2016 também foi
resultado particular de uma guerra de maior duração. Nessa guerra, novos
armamentos e formas de batalha entraram em cena e novos terrenos se tornaram
estratégicos para serem conquistados. O golpe só foi possível porque sua consecução
envolveu o controle das instituições republicanas, da mídia e, principalmente,
da subjetividade social. A ausência do uso da violência e a reação quase nula
da sociedade comprovam o sucesso da investida do inimigo e a eficácia das
estratégias atuais de dominação – que se revela também na passividade com que
assistimos à destruição do país pelo governo Bolsonaro.
Os eventos de 2016 não podem ser
analisados como lances isolados da política local passíveis de serem revertidos
pelo investimento pesado nas próximas eleições, por meio de alianças amplas,
candidaturas, campanhas bem estruturadas etc. As forças envolvidas na
preparação e execução do golpe não são ingênuas e tampouco estão inclinadas a
aceitarem decisões democráticas ou resultados eleitorais. Quando colocamos a
realidade brasileira no contexto da conjuntura latino-americana e mundial,
vemos que há aspectos comuns mesmo dentro de particularidades, e um desses
aspectos é a rejeição pesada, organizada e violenta a qualquer resultado da
democracia formal que embargue os interesses do capital. Honduras, Paraguai,
Venezuela, Bolívia e o próprio Brasil, apenas para citar os casos
latino-americanos, nos mostram exatamente isso.
Portanto, o inimigo está além e é
maior do que se pode enfrentar no terreno político institucional. Tampouco se
trata de uma simples luta de classes entre patrões e empregados, que se trava
nas relações de trabalho diretas e locais ou na disputa pelo Estado como
território estratégico para a tomada de poder. Trata-se de uma guerra, iniciada
há mais de 3 décadas, entre uma minoria da sociedade mundial, que conseguiu
concentrar o maior volume de capital da história, e o restante da população do
planeta – mesmo que a maioria desse restante não perceba que está, quer queira
ou não, em um dos lados nessa guerra.
A hegemonia no campo do capital
está nas mãos dos rentistas, bancos, empresas e pessoas que vivem apenas de
fazer seu dinheiro gerar mais dinheiro, sem necessidade de investimentos em
produção e emprego. Os mecanismos que criaram para fazer seu capital render o
máximo e com riscos mínimos tornaram a economia complexa, caótica e dependente
do endividamento e submissão dos Estados nacionais, mas são eles que permitem a
maior acumulação e concentração de renda da história do capitalismo. Ladislau
Dowbor chamou a atual fase do capitalismo de “era do capital improdutivo” 1 e
Thomas Piketty revelou os meandros da acumulação irracional de renda,
viabilizada pelo capitalismo mundial desregulamentado.2
O dinheiro que se multiplica nas
operações com títulos das dívidas públicas nacionais e que se beneficia da
evasão fiscal e lavagem de dinheiro por meio de empresas off-shore em
paraísos fiscais tem origem mista em ações legais (operações financeiras,
comércio, produção e serviços) e ilegais (principalmente o tráfico de armas e
drogas, falsificações, tráfico de pessoas, tráfico de vida selvagem, exploração
da prostituição etc.).3
As legais exploram sem
piedade seus trabalhadores e trabalhadoras, destroem o ecossistema para gerar
produtos comercializáveis e massacram populações locais. Adicionalmente, não
pagam os impostos que deveriam pagar por usarem a infraestrutura do país e pela
responsabilidade social que lhes cabe, pois, além de se beneficiarem dos
paraísos fiscais,4 pressionam
os governos nacionais a limitarem a cobrança de impostos ao mínimo.5 Os
montantes estratosféricos advindos das atividades produtivas e de serviços não
são reinvestidos em produção e salários, não retornam à sociedade por meio de
impostos e nem contribuem com ações que possam preservar o ecossistema: vão
direto para as contas de uma parcela irrisória da população para reproduzir-se
de maneira improdutiva por meio de operações financeiras que endividam os
cidadãos e os Estados.
As atividades lucrativas ilegais produzem
centenas de milhares de mortes anuais relacionadas ao uso e tráfico de drogas,
guerras civis e criminalidade alimentadas pelo tráfico de armas, entre outras
coisas decorrentes de atividades clandestinas de alto risco. Mas seus lucros
são “lavados” e se misturam aos legais no sistema de autorreprodução das
fortunas pela via financeira.6
Trata-se, portanto, de um
dinheiro que, como disse Marx, “nasce escorrendo sangue e lama por todos os
poros, da cabeça aos pés”.7 Nas
mãos dos agentes financeiros, esse dinheiro se mescla e se multiplica de forma
assustadora, sem um correlato na produção de riqueza real.8 Para
sua reprodução, investem em títulos da dívida pública e controlam os Estados
(pela intervenção na política) para que ofereçam juros vantajosos, aplicações
livres de riscos e impostos, legislação favorável, fiscalização mínima e
retorno garantido. Assim, criam um dreno que suga os recursos dos
estados-nacionais (por meio do endividamento interno e pagamento de juros) e
acabam com as possibilidades de atendimento público às necessidades dos setores
mais pobres e vulneráveis da sociedade. Os proprietários desse capital formam
uma classe poderosíssima que têm em comum o interesse na manutenção do sistema
econômico mundial que os alimenta. Para isso, precisam controlar a política de
cada um dos países, definir as leis e interferir na gestão do orçamento público
de acordo com suas metas.
Outro setor poderosíssimo, que
também depende da submissão e da perda de soberania dos estados-nação, são os
que enriquecem com a exploração e comércio de petróleo e gás. O setor movimenta
centenas de bilhões de dólares por ano e as empresas petrolíferas lideram, abaixo
dos bancos, seguradoras e setor automotivo, o ranking da revista Forbes das
maiores e mais lucrativas empresas do mundo.9 Seus
lucros dependem fundamentalmente da disponibilidade das reservas a serem
exploradas, da sua influência sobre a legislação fiscal e ambiental nos países
que possuem esses recursos e da perda de soberania e controle dos
estados-nacionais sobre suas riquezas minerais. Por isso, a intervenção na
política local dos países produtores de petróleo e gás é absolutamente
estratégica para esse setor, o que explica seu apoio a guerras, golpes de
estado e a grupos de oposição a governos de esquerda ou nacionalistas em
qualquer país onde haja reservas de petróleo e gás natural.10
A necessidade que os setores
hegemônicos do capitalismo mundial têm de controlar os estados-nacionais fez
tomar força uma ideologia e um projeto mais radical do que o neoliberalismo que
conhecemos desde a década de 80. Trata-se do “anarcocapitalismo”, uma ideologia
elaborada por Murray
Rothbard a partir das ideias ultraliberais de Ludwig Von Mises, que
demoniza o Estado e propõe a sua total destruição em nome do vale-tudo do
mercado e da privatização de todas as esferas da vida social.11
A pequena parcela que corresponde
a 1% da população planetária e que concentra mais riqueza do que os 99%
restantes é o Golias do capital que sai das fileiras do exército filisteu para
amedrontar e desafiar qualquer um que queira questionar seu domínio. O
capitalismo não se resume a ele (assim como Golias não era o único filisteu),
mas, por ser mais forte e mais bem armado que todos os outros, é ele que
desafia, amedronta e intimida os que ousam lutar contra o sistema, mesmo
aqueles que defendem um capitalismo “mais moderado” ou com maior presença do
Estado. Sem enfrentar esse gigante jamais ganharemos a guerra.
Portanto, temos aí o nosso
principal inimigo. Toda a conjuntura local, respeitando todas as particularidades
e desafios próprios de cada país e de cada momento político, tem seu sentido
vinculado ao domínio desse gigante e à sua necessidade de controlar e destruir
os estados-nacionais, a fim de continuarem alimentando suas fortunas à custa do
empobrecimento e morte dos seres humanos e da destruição da Mãe Terra.
Precisamos, então, conhecer suas armas e estratégias para compreendermos as
nossas derrotas e os caminhos possíveis para a vitória.
O bolsonarismo é um epifenômeno
de um fenômeno maior
No caso brasileiro, a
incapacidade de articulação, coerência e entendimento da realidade demonstrada
pelo presidente eleito em 2018, ao mesmo tempo em que seu governo supera todos
os outros na competência para a destruição do Estado e para fazer as reformas
ultraliberais, mostra que não é ele o responsável pela conjuntura que estamos
vivendo. Ele é consequência, refugo, efeito colateral de uma dominação que foge
até à sua própria capacidade de entendimento e que pode perfeitamente
descartá-lo sem que isso comprometa a hegemonia do capitalismo rentista e da
indústria de petróleo e seu controle sobre o Estado.
As ações que sustentam a
dominação atual vêm de longa data, conforme veremos adiante, mas receberam
novas e potentes tecnologias auxiliares e foram intensificadas nas últimas
décadas como parte da estratégia dos “golpes suaves” nos países
latino-americanos. Elas foram fundamentais para que o golpe de 2016 fosse
bem-sucedido no Brasil. Porém, como consequência, deixou-nos em um pântano
político, ético e social.
Em resumo, a estratégia do golpe
suave pressupõe a manipulação e o controle das consciências para criar um clima
de oposição contra os governos que pretende derrubar.12 No
caso do Brasil, as políticas sociais dos governos petistas, sua ampla aprovação
pela maioria da sociedade e o carisma pessoal do ex-presidente Lula impediam
que a manipulação das notícias e a criminalização do PT se revertessem em
prejuízos eleitorais para o partido e favorecessem um candidato da direita mais
palatável aos setores hegemônicos do capital. Tiveram, então, que reforçar a
dose do veneno aplicado às consciências, investindo contra tudo que pudesse se
relacionar aos governos petistas. Nesse pacote entraram os direitos humanos e
das minorias, as políticas sociais compensatórias e todas as bandeiras sociais,
inclusive as que compunham o ideal liberal clássico. Alimentaram, assim, as
ideias fascistas e o ódio social a tudo que pudesse ser relacionado à esquerda,
mesmo às ideias e valores que pertencem à própria modernidade e que foram
defendidas por pensadores e líderes liberais.13
A dose excessiva do veneno,
potencializada com o uso inteligente e planejado das mídias digitais para a
formação do inconsciente coletivo, embora tenha possibilitado a destituição da
presidente Dilma sem reações da sociedade, não se reverteu em intenção de votos
favoráveis à direita tradicional, mas resultou no crescimento do
fundamentalismo, intolerância, obscurantismo e fascismo na criação de uma nova
extrema-direita nacional. Tratava-se, no entanto, de um espírito difuso, não
conectado a uma liderança política carismática (como Hitler ou Mussolini na
Europa) ou a um movimento organizado (como o Partido Nacional-Socialista alemão
ou o Partido Nacional Fascista italiano). Na falta de uma liderança política ou
partido que canalizassem esse espírito em um movimento coeso, apareceu a figura
de Bolsonaro, como uma espécie de boneco de Judas às avessas (pois, ao invés de
malhado foi exaltado) para fazer esse papel. O PSL e sua legião de políticos
esdrúxulos surfaram na mesma onda e fizeram a segunda maior bancada da Câmara
dos Deputados Federais.
Sem opções melhores na política,
visto que nenhum outro candidato conseguia fazer frente à popularidade de Lula
(que, mesmo preso, era o maior cabo eleitoral das eleições de 2018), os setores
hegemônicos do capitalismo decidiram apostar no que tinham à disposição e
sustentaram a eleição de Bolsonaro, conseguindo emplacar Paulo Guedes no
controle da economia.
Hoje, enquanto o atual presidente
faz o papel de um bufão com humor de mau gosto e ensaia a organização de um movimento
protofascista com seu novo partido (Aliança Pelo Brasil), o Golias do capital
abocanha o país por meio do ministro da economia e de um Parlamento cuja
maioria ou é submissa aos mesmos interesses ou não tem competência para debater
os problemas nacionais e suas soluções. O resultado disso é a aprovação de
todas as medidas de ajuste fiscal, destruição do Estado, aniquilação da
previdência pública, supressão de direitos dos trabalhadores, entrega das
reservas do pré-sal, privatizações, ataque ao serviço público, perdão de
dívidas bilionárias, isenções fiscais vultosas, segurança de não se taxar as
grandes fortunas, taxação da pobreza, afrouxamento das leis e fiscalização
ambientais, restrição do orçamento e desvinculação de receitas para manter o
sistema de transferência de recursos públicos para o sistema financeiro.
Para os donos do capital, o
resultado das eleições foi positivo. Para o restante da população, além dos
prejuízos econômicos, a investida resultou no crime organizado no poder, na
possibilidade de formação de uma ditadura com ares fascistas e no aumento dos
casos de violência por intolerância e preconceito cometidos pela polícia e os
autointitulados “cidadãos de bem”.
Nesse quadro, precisamos entender
que, mesmo diante de um aparente caos, há fatores estruturais que determinam a
realidade presente e que permanecem independentemente da conjuntura
político-eleitoral. Esse é o principal inimigo que temos que identificar e
cujas armas precisamos conhecer para pensarmos nossa estratégia. A figura tosca
do atual presidente da República, seus filhos sociopatas, seus ministros
caricatos e obscurantistas e a bizarrice dos parlamentares (principalmente os
do PSL) são fenômenos graves e dolorosos, mas passageiros. Isso não significa
que não devam ser enfrentados, pois sua presença no poder traz consequências
terríveis para a sociedade, tanto no plano das medidas concretas adotadas,
quanto no plano dos valores e ações sociais. Preconceito, ódio, violência,
intolerância, racismo e fundamentalismo religioso se fortalecem e se convertem
em ações quando seus expoentes ocupam os poderes estatais. Por isso, a luta
contra o atual governo e os parlamentares que o sustentam é fundamental. Mas
não são eles o “Golias” a ser derrotado.
Para além do visível imediato da conjuntura
Uma pergunta recorrente que tem
sido feita pelas organizações populares, partidos de esquerda, movimentos
identitários e setores progressistas das igrejas é “como chegamos a esse ponto
no Brasil?”. Parece-me, porém, que na maioria das vezes a indagação está
dirigida especificamente ao fenômeno do bolsonarismo. Mas, analisando o quadro
latino-americano, a pergunta deve ser formulada de forma ligeiramente
diferente: “o que está por trás do bolsonarismo e do avanço da extrema direita
que hoje se mescla com o fundamentalismo religioso cristão, não só no Brasil,
mas em outros países da América Latina?”
O setor hegemônico do capitalismo
do século XXI, embora já em crescimento na década de 1970, começou a ganhar
suas configurações atuais a partir de meados década de 1980. Seu domínio foi
pensado no contexto de um mundo em processo de globalização econômica que
exigia uma geopolítica diferente da que marcou o período da Guerra Fria. No
final daquela década, a destruição do bloco socialista já era uma realidade
irreversível e o mundo experimentava o triunfo da economia de mercado.14
As novas tecnologias de produção,
informatização e comunicação possibilitaram um sistema integrado de economia
que tendia à financeirização, seguindo o movimento cíclico do capitalismo
descrito por Arrighi, no qual o capitalismo especulativo supera o produtivo
após um período em que a acumulação e expansão materiais da economia chegam a
seu limite.15 As
grandes corporações econômicas transnacionais, que determinavam a política dos
países que compunham a tríade dominante no mundo em fase avançada de
globalização (EUA, União Europeia e Japão), apressavam-se para reconfigurar as
relações geopolíticas e constituir um novo sistema de dominação sobre as
economias dos países do Sul. Foi o período do Consenso de Washington, que, em
1989, escreveu e impôs a cartilha econômica a ser seguida pelas economias
dependentes.
A ideologia predominante nesse
período foi o neoliberalismo, que propagava a perfeição do mercado e a redução
do Estado ao mínimo de intervenção na sociedade, reduzida à definição da
política econômica que atendesse às demandas do mercado e à ação para minimizar
os conflitos sociais decorrentes da crescente desigualdade que podia ameaçar a
fluidez da engrenagem econômica.16
Na América Latina, a liderança
dos EUA precisava ser remodelada e as ameaças à sua supremacia deveriam ser
debeladas de forma eficaz. O Governo de Ronald Reagan (1981-1989) consolidou a
nova política, iniciada na década anterior, na qual o poder mundial foi
transferido, de forma definitiva, da arena política para o campo das
corporações e suas entidades representativas. Isso não significa que a esfera
econômica transnacional tenha parado de depender do poder político dos
estados-nação para impor seus interesses sobre o mundo, mas sim que o lócus das
decisões que direcionariam a ação dos Estados havia sido transferido totalmente
da esfera interestatal para a esfera das corporações privadas transnacionais.17
Foi nesse contexto que a CIA
realizou, nos anos 1980, as reuniões na cidade de Santa Fé, Novo México, nas
quais se elaboravam as estratégias de ação dos governos estadunidenses para a
manutenção de seu domínio sobre a América Latina. As conclusões dessas reuniões
foram publicadas com o nome de “Documentos de Santa Fé”. As análises
estratégicas contidas nesses documentos são extremamente esclarecedoras para a
compreensão de como a dominação foi pensada em uma perspectiva de longo prazo e
de um império permanente. O texto apresenta a proposta de deslocamento do foco
de atuação da intervenção estadunidense nos países latino-americanos da esfera
eleitoral para a conquista da sociedade civil, por meio da formação de uma
subjetividade social adequada aos seus propósitos.
O Documento de Santa Fé II,
de 1988,18 oferece-nos
uma lição de pensamento estratégico e revela as ações de médio e longo prazos
pensadas pelos estrategistas políticos estadunidenses para garantir e perpetuar
o domínio sobre a América Latina. Sem conhecer esses movimentos do inimigo, as
armas que decidiu utilizar e o contexto de batalha no qual que ele optou por se
mover, dificilmente poderemos pensar, também estrategicamente, as contra-ações
necessárias e os passos para se derrotá-lo.19
Os autores do Documento de Santa
Fé II foram o cientista político L. Francis Bouchey, à época presidente do Conselho
de Segurança Interamericana (CSI), uma extinta entidade da direita
estadunidense surgida da Liga Mundial Anticomunista e que se tornou a
principal conselheira e influenciadora dos governos Reagan e George Bush pai;20 Roger
W. Fontaine, escritor e jornalista de direita, especialista em relações
internacionais e em estudos sobre América Latina, ex-consultor da CSI e da
missão dos EUA na OEA; David C. Jordan, diplomata, professor universitário
especialista em estudos sobre América Latina e ex-embaixador dos EUA no Peru; e
o tenente-general Gordon Summer Jr., graduado em ciências políticas,
ex-embaixador dos EUA para a América Latina e ex-secretário de estado de
Reagan. Ou seja, eram todos figuras chaves da diplomacia estadunidense.
As ideias contidas no documento
definiram as relações internacionais dos EUA para a América Latina nas décadas
posteriores. A intenção declarada dos autores pode ser encontrada na conclusão:
Os EUA e o sistema interamericano
se deparam com tremendos problemas na América Latina. […] Santa Fé II é uma
estratégia para o ataque a esses problemas e para a promoção de democracia,
liberdade e oportunidade econômica através da região numa tomada de
posição, ao invés de uma mera postura de resposta (p. 29; grifos meus).
Ou seja, os EUA deveriam assumir
uma postura proativa para assegurar seu controle sobre o continente, por meio
de uma estratégia mais eficaz e, ao mesmo tempo, mais sutil e de longo prazo,
como veremos adiante. Sua orientação ideológica neoliberal não foi escondida,
conforme o documento deixa explícito:
O Documento de Santa Fé II dá
atenção particular à economia […] Estatização, gigantismo do aparato
burocrático e nacionalizações são desaprovados, enquanto a formação de um
mercado de capital nacional, a remoção do controle governamental na economia e
a privatização das companhias estatais são encorajadas (p. 29-30).
Os autores ainda falam na “da
defesa dos méritos da empresa privada, em oposição ao capitalismo estatal” como
algo a ser promovido pelo governo dos EUA em nossos países. Nota-se aí que não
se trata mais de uma guerra entre países e sim de uma guerra movida pelos
interesses das corporações econômicas que controlavam a política estadunidense
contra a soberania de nossas nações.
Porém, ao invés de investir
apenas na eleição de políticos afinados com seus interesses, os estrategistas
de Santa Fé percebiam a necessidade de ir além da interferência no processo
eleitoral. De forma perspicaz, como convém ao pensamento estratégico, eles
entenderam que havia outro campo de batalha em que precisavam lutar para
seguirem vitoriosos: o campo subjetivo. Perceberam que seus inimigos – as
forças emancipatórias latino-americanas que cresciam nas organizações de base
dos movimentos sociais, na formação de um campo intelectual crítico, no
trabalho de conscientização política da população e dos formadores de opinião e
na ação das Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica – estavam
avançando nesse terreno estratégico e os EUA precisavam dar uma resposta:
[…] O problema subjacente é um
problema cultural: a luta sobre qual é a natureza do melhor regime. A questão,
portanto, não são só as formas e processos eleitorais. A atenção dada aos
processos eleitorais desvia a atenção de outros requisitos essenciais para
a democracia.21 Há
uma tendência dos defensores da democracia, nos EUA, a defender eleições, esquecendo
outras questões fundamentais (p. 7; grifos meus).
Por isso, o documento pretendia
Oferecer uma estratégia que vá
além de apenas garantir um sistema eleitoral, e, se isso for seguido pela
próxima administração,22 poderá
trazer estabilidade para as hoje estremecidas e instáveis situações políticas
dos países da América Latina. Especificamente, isso significa dar apoio às
organizações independentes dentro das sociedades latino-americanas, educar o
povo, e lutar contra o marxismo e outras forças políticas e culturais
estatizantes (pg. 29; grifos meus).
Havia, portanto, uma ação na
América Latina que ameaçava seriamente o domínio do capitalismo e da hegemonia
estadunidense. Tratava-se de uma ação tão eficaz que foi reconhecida pelos
melhores estrategistas dos EUA e mereceu uma reação organizada e pesada para
anular sua força. E que ação era essa? Aqui se situa a parte central do
documento que nos oferece um duplo esclarecimento: primeiro, sobre que tipo de
ação se constituía em ameaça real para os propósitos do capital (e não era o
avanço das esquerdas nas eleições…); segundo, nos faz entender os rumos que
nossa sociedade tomou nas décadas que sucederam à elaboração do documento.
Note-se que eles se referem a “educar o povo” e lutar contra “o marxismo e
outras forças políticas e culturais” que viam como ameaça.
Após uma breve exposição sobre o
que interpretam do pensamento gramsciano, os autores do documento afirmam:
Os métodos marxistas e os
intelectuais marxistas poderiam realizar [a mudança do regime] dominando a
cultura da nação, processo que requeria uma forte influência na religião,
nas escolas, nos meios de comunicação de massa, e nas universidades. Para os
teóricos marxistas, o método mais eficaz para criar um regime estatista num
ambiente democrático era através da conquista da cultura da nação […].
É nesse sentido que a Teologia da
Libertação deve ser entendida: ela é uma doutrina política disfarçada de crença
religiosa, tendo a característica de ser contra o papa e a livre-empresa, com
objetivo de enfraquecer a independência da sociedade frente ao controle do
Estado. […] Assim, vemos que a inovação da doutrina marxista se insere em
um fenômeno cultural e religioso de longa duração.
O ataque não é dirigido apenas a um
ou dois componentes da cultura. Ele é eficaz porque dirigido a uma frente ampla
que procura redefinir o todo da cultura numa nova terminologia; assim como o
catolicismo é redefinido pelos teólogos da libertação, a arte é transformada,
os livros são reinterpretados, os currículos são retificados. A investida da
penetração cultural na América Latina é seguida pelos teóricos marxistas que
são educadores em escolas e universidades.
A ascendência da esquerda sobre
grande parte dos meios de comunicação de massa na América Latina também deve
ser entendida nesse contexto. Nenhuma eleição democrática pode mudar a
caminhada contínua na direção do regime estatista se a “indústria de criar
consciência” está nas mãos de intelectuais estatistas. Os meios de comunicação
de massa, as igrejas e as escolas continuarão a transformar as formas
democráticas em estatismo, se os EUA e os recém estabelecidos governos
democráticos não encararem isto como uma luta de regime. A cultura social e o
regime têm de ser moldados para proteger a sociedade democrática (p. 10; grifos
meus).
Essa parte é extremamente
esclarecedora. Os autores do documento identificaram no crescente trabalho de
formação e organização das bases populares, na religião libertadora e no
crescimento da consciência crítica no meio acadêmico uma ameaça real e
definiram o seu contexto de batalha como “conflito de baixa intensidade”:
Muitos dos regimes
latino-americanos estão se deparando com o que foi identificado por Washington
como conflito de baixa intensidade (LIC). O termo é usado para descrever uma
forma de combate que inclui operações psicológicas, desinformação,
contrainformação, terrorismo e subversão cultural e religiosa (p. 18).
Consequentemente, deveriam
deslocar sua ação para esse novo contexto, no qual, a julgar pela sua análise,
as forças emancipatórias estavam em vantagem. Ao contrário do Golias filisteu,
o gigante do capital havia antecipado o poder da “funda de Davi” e tomou
providências para não ser atingido mortalmente na testa por uma pedrada certeira.
Diferentemente das análises
academicistas, cujo interesse é apenas a narrativa e interpretação da situação,
a análise estratégica procura conhecer a realidade para guiar a ação futura. O
que é dito na teoria é uma chave para se compreender a prática que a sucedeu.
Consequentemente, a identificação do problema pelos estrategistas de Santa Fé
foi seguida de um pacote de propostas táticas que foram implementadas pelos
governos estadunidenses posteriores. Dentre as muitas propostas apresentadas no
documento, duas merecem destaque:
O desenvolvimento da política
cultural é básico para a sustentação, pelos EUA, do esforço latino-americano
para desenvolver a cultura democrática. O esforço gramsciano para minar e
destruir a tradição democrática através de subversão ou corrupção das
instituições que dão corpo e mantêm aquela tradição deve ser combatido.
Fortalecer o orçamento da USIA, tendo esse problema em vista, deve ser a
principal prioridade. A USIA é a nossa agência para a guerra cultural (p.
12; grifos meus). 23
As instituições públicas e
privadas americanas devem envolver-se na educação dos meios de
comunicação e dos líderes comunitários sobre a natureza da estratégia de
conflito do marxismo-leninismo, adaptado pelos nacionalistas aos desafios do
subdesenvolvimento. O casamento entre comunismo e nacionalismo na América
Latina acarreta o maior perigo tanto para a região quanto para os
interesses americanos (p. 19; grifos meus).
A partir da década de 90,
iniciada dois anos após a redação do Documento de Santa Fé II, vimos crescer no
Brasil o neopentecostalismo de origem estadunidense, tanto por meio da
multiplicação e fortalecimento de igrejas evangélicas, quanto pelo crescimento
de movimentos espiritualistas da Igreja Católica. Todos receberam aportes
financeiros e midiáticos para seu crescimento e divulgação. Nessa época,
tomaram força, além das igrejas evangélicas neopentecostais, a Renovação
Carismática Católica, a Canção Nova e outros movimentos espiritualistas
católicos, com amplo apoio da mídia corporativa – que fez, inclusive, os
“padres cantores” adquirirem status de celebridades pop. Hoje, lidamos com
o crescimento vertiginoso do fundamentalismo cristão evangélico nas periferias
e com movimentos cismáticos de oposição ao papa Francisco dentro da Igreja
Católica por seu pontificado mais aberto a um cristianismo libertador. O
crescimento do fundamentalismo religioso e o apoio dos neopentecostais (evangélicos
e católicos) à extrema direita e às ideias ultraliberais não podem ser
interpretados apenas sob a luz de fatores sociopsicológicos: foram também
resultados de uma ação planejada.
Em outro campo, nas
universidades, o marxismo e o pensamento vinculado à tradição
crítico-emancipatória foi perdendo espaço rapidamente para as teorias
pós-modernas.24 O
pensamento crítico, com inspiração marxista e ampliado pelas reflexões das
teorias emancipatórias latino-americanas (teologia da libertação, pedagogia do
oprimido, pedagogia histórico-crítica, filosofia da libertação, etc.) viu seu
espaço ocupado pelo relativismo pós-moderno e os autodenominados “estudos pós-críticos”,
que reivindicam a superação das teorias emancipatórias “contaminadas” pelo
“paradigma da modernidade”, em nome de um relativismo acrítico, da descrença em
qualquer transformação estrutural e global da sociedade e da redução da
emancipação a questões de ordem subjetiva e cultural.25 Também
essa “mudança de paradigma” não pode ser compreendida apenas como fruto da
desilusão de intelectuais com o paradigma crítico-emancipatório.
Essas teorias viriam, mais tarde,
a embasar alguns novos movimentos identitaristas, para os quais as causas
relacionadas às minorias (mulheres, negros, etnias oprimidas, LGBTs) – que
passaram a fazer parte das pautas de movimentos emancipatórios críticos por
força da luta dos movimentos feministas e negros de esquerda – poderiam (e para
alguns até deveriam) desvincular-se da luta pela transformação das bases
econômicas da sociedade e abrir mão da solidariedade de classe entre as vítimas
de opressão – o que gerou divisões e conflitos dentro dos próprios movimentos
sociais e grupos emancipatórios.26
No interior do que muitos hoje
chamam de “as novas formas de luta”, há grupos e formas de abordagem das
temáticas que devem ser vistos com precaução e boa dose de suspeita,
principalmente quando são apoiadas e financiadas com recursos de bancos
internacionais e entidades como a Open Society (pertencente ao
megainvestidor George Soros) e fundações como a Ford, Rockefeller, Bill &
Melina Gates e outras. Com o avanço das pautas identitárias e a sua vinculação
com as propostas de transformação social e grupos de esquerda, a iniciativa
privada, atendendo ao chamado do Documento de Santa Fé II,27 percebeu
que não poderia contar apenas com o dinheiro estatal para ganhar a guerra
cultural nesse campo e decidiu aportar também parte de seus bilhões para ONG’s,
sites e grupos identitaristas, desde que não tivessem relações com a esquerda
tradicional (de preferência que a criticassem), com ideias marxistas ou com a
crítica radical à economia capitalista.28
Essa ação do inimigo provocou uma
grande confusão no campo da esquerda, principalmente entre os mais jovens, pois
lidou com questões caras à ação emancipatória que começaram a ganhar força na
década de 90. Os movimentos feministas, negros e, mais recentemente, LGBTs,
expuseram o fato de que o patriarcado, o racismo e questões relacionadas a
gênero são elementos culturais que precisam ser transformados e que não tiveram
a prioridade e atenção que mereciam nas lutas políticas até os anos 1980. As
elaborações teóricas críticas nesses campos propõem que patriarcado e racismo
são conceitos gerais que se encarnam historicamente em uma realidade
determinada por um sistema econômico e ganham concreticidade na configuração de
classes que esse sistema determina. Não se pode compreender o capitalismo nos
países periféricos sem a escravização do negro nas Américas, o racismo, o
etnocentrismo, a questão indígena e o papel destinado à mulher na dinâmica da
exploração. E vice-versa: a situação dos que são vítimas desse tipo de
opressão, embora envolva elementos culturais e subjetivos que ultrapassem a
questão econômica, recebeu uma determinada configuração em consequência da
maneira como o sistema a utilizou em benefício da exploração econômica.
Os movimentos negros e feministas
existem há décadas e há uma ampla elaboração teórica em várias áreas das
ciências humano-sociais fundada na perspectiva de raça, gênero e etnia. A
maioria desses movimentos, na história, tem suas origens entrelaçadas com a
luta socialista e anticapitalista e são resultados da percepção de que há
opressões específicas no interior da classe trabalhadora, que diferenciam a
exploração entre os próprios dominados e que precisam ser tratadas por lutas
específicas, sem renunciar à compreensão da necessidade de superação do
sistema.
Dentro da heterogeneidade que
hoje caracteriza os diversos movimentos, situam-se certos grupos
identitaristas, muitos apoiados por fundações estrangeiras e com ampla
visibilidade midiática e editorial, que abandonaram a reflexão sobre o
patriarcado e o racismo conectada ao sistema. Tornaram-nos temas genéricos e
conceitos que existem por si sós, independentes das configurações materiais da
sociedade, conforme convém às teorias pós-marxistas. Como resultado, para essa
visão, o machismo e o racismo passam a ser problemas apenas dos “homens” e dos
“brancos” individualizados e compreendidos indistintamente. Estes passam a ser
os inimigos e não a cultura que os reproduzem e o sistema que os
envolvem em sua lógica. Visto dessa forma, não se percebe, inclusive, que o
próprio sistema se tem apropriado desses temas a seu favor, pois é capaz de, estrategicamente,
adaptar-se às novas necessidades da dominação. Os donos do capital perceberam
que podem também influenciar a formação da subjetividade social nesse campo e
ganhar mulheres, negros, indígenas e população LGBT para seu ideal ultraliberal
e apresentá-lo como solução também para seus problemas.
O problema surge quando a
concepção liberal dos temas identitários, talvez pela sua ampla difusão pela
mídia, sites, livros etc. (possibilitada pelo aporte financeiro das fundações
citadas) se confunde, muitas vezes, com as próprias pautas. Daí decorre, por um
lado, que muitos acabem pensando que a adesão à luta pelas causas identitárias
significa necessariamente a defesa incondicional de qualquer ideia relacionada
a elas e, por outro, que quaisquer críticas a certas ideias (e não às pautas)
sejam rebatidas como se fossem dirigidas às causas identitárias em si mesmas.29 Com
isso, criam-se fissuras e divisões dentro dos movimentos emancipatórios, que
são multigenéricos e multirraciais.
A dificuldade de se lidar com
essa questão nasce da incapacidade de se fazer distinção entre, de um lado, a
pertinência das causas e o valor histórico dos movimentos identitários (tanto
os mais antigos quanto os que se organizam sob novas formas e expressões) e, de
outro, a penetração invisível do ideário liberal e pós-moderno que tem dominado
alguns grupos. A crítica a uma forma de se conceber a luta (principalmente quando
feita por homens brancos) pode ser facilmente confundida com a postura branca e
masculina dominadora. Porém, de maneira alguma se trata de fazer qualquer
questionamento à importância dos temas identitários ou dos grupos que os têm
como eixo, mas de questionar uma maneira específica de se tratar a
questão – questionamento, ademais, feito no interior dos próprios movimentos.30 Enquanto
essas questões permanecerem um “tabu” e motivos de divisões na esquerda, os
estrategistas do sistema comemorarão a eficácia de sua ação.
Em síntese, a estratégia definida
pelo “quartel-general” dos filisteus no limiar da década de 1990 previa duas
frentes: avançar no território estratégico que, segundo eles, estava dominado
pelo inimigo e, ao mesmo tempo, aniquilar as defesas do adversário destruindo
suas armas e gerando divisões entre seu exército (na linha do “dividir para
conquistar”, um dos mais antigos e eficazes princípios estratégicos).
As recentes tecnologias de
informação digital e o uso das redes sociais de forma cientificamente planejada
em vista de fins bem definidos potencializaram ao máximo essa estratégia do
Golias do capital. Sua força tornou-se assustadora na tomada do território
estratégico da consciência social, gerando irracionalismo, fundamentalismo,
visões distorcidas e invertidas da realidade, crescimento da intolerância e do
espírito fascista. Mas não podemos pensar essas tecnologias sem entender os
objetivos para os quais são utilizadas. Caso contrário, tenderemos a
interpretá-las como se elas, por si mesmas, fossem a nova forma de dominação e,
consequentemente, não entenderemos seu verdadeiro papel nessa guerra.
Davi largou a funda…
Por outro lado, ao mesmo tempo em
que o sistema colocava em marcha suas ações planejadas de conquista da
subjetividade social, a esquerda, os movimentos sociais e mesmo os setores
progressistas das igrejas, descuidadamente e carente de percepção estratégica,
abandonaram gradativamente o território estratégico que ocupavam, não
construíram defesas e deixaram o campo aberto para a penetração do inimigo.
Coincidiu que, na mesma década de 1990, a priorização da disputa eleitoral e da
gestão dos espaços de poder conquistados passou a absorver todas as energias
dos partidos e movimentos emancipatórios.
O resultado não poderia ser
outro. Quando abandonamos um território estratégico sem deixar defesas sólidas
construídas, é quase um convite para a invasão do inimigo. A maioria dos que
lutavam pela transformação do sistema passaram a preencher todo seu tempo e
canalizar todas as energias nas eleições e ocupação do poder institucional e
deixaram de lado o trabalho de educação popular, organização das bases, estudo
e produção teórica crítica sobre a realidade. A consciência social, deixada ao
sabor da mídia corporativa e das redes sociais, foi conquistada pelos que
queriam a manutenção da ordem e o estabelecimento do mercado como único
princípio definidor das relações entre os seres humanos e destes com a
natureza. O campo que os estrategistas de Santa Fé viam como obstáculo para
seus objetivos se converteu em ameaça para nossos propósitos.
Hoje, como consequência, vemos
esse território subjetivo dominado por ideias ultraconservadoras, protofascistas
e pelo fundamentalismo religioso e totalmente suscetível aos ataques
psicológicos e informacionais da mídia corporativa e dos meios digitais. A
ameaça que movimentos sociais e governos de esquerda, centro-esquerda e
nacionalistas podem representar para os interesses do Golias do capital pode
ser facilmente debelada com a manipulação da sociedade civil. O controle desse
campo pode se converter em votos ou mobilizações que favoreçam os políticos e
movimentos de direita, facilitando golpes (suaves ou militares) ou eleições que
mudem os rumos da política e da economia dos países para submetê-los às
exigências do mercado.
Depois de várias décadas de
influência planejada na sociedade civil, para a qual se destinou vultosos
recursos, não é de se admirar que parte significativa da população venha a
apoiar alternativas de direita ou extrema-direita, que atualmente se mesclam
com o fundamentalismo religioso neopentecostal. Os casos brasileiro e boliviano
recentes mostram apenas a que ponto pode chegar a intensificação dessa
estratégia. Bolsonaro e Jeanine Áñez são apenas resultados visíveis (talvez não previsíveis para
o sistema, mas, de qualquer forma, aceitáveis) de uma estratégia de longo prazo
que a esquerda não percebeu.
Como retomar a funda?
Na ânsia de respostas sobre as
causas da tragédia política do Brasil, tem sido comum a busca pela autocrítica
e correção de erros passados cometidos pelos partidos de esquerda, movimentos
sociais, igrejas progressistas e intelectuais críticos. É certo que conhecer os
erros e procurar corrigi-los é atitude fundamental para todos que querem
avançar de forma mais eficaz. Porém, pode haver exageros e equívocos quando se
faz a autocrítica isolada da análise estratégica. Nunca podemos esquecer que
estamos em luta contra um inimigo e que nem tudo o que acontece tem apenas
causas endógenas. Ou seja, nem tudo é produto de erros internos ou de ações
equivocadas, pois, ao mesmo tempo em que nos movimentamos e agimos, há um
inimigo muito competente e poderoso atuando no sentido contrário e buscando
anular a efetividade de nossas ações. Nem tudo o que fizemos, mesmo que
tenhamos sido derrotados, pode ser descartado como erro.
Pensar estrategicamente exige a
análise dos movimentos do adversário, a fim de se pensar as contra-ações que
visem proteger nossa tática das tentativas de anulação perpetradas pelo
inimigo, suprimir seus efeitos, corrigir equívocos e reforçar acertos. Não se
trata de buscar, sempre, um recomeço do zero diante de cada batalha perdida.
Uma pequena metáfora nos ajuda a
entender isso melhor. Imaginemos que nossa missão seja montar um castelo com
cartas de baralho. Planejamos empilhá-las cuidadosamente, de maneira que se
equilibrem e se sustentem. Na metade do trabalho, um inimigo, para evitar que
atinjamos o objetivo, liga um ventilador a uma certa distância, fazendo com que
o vento impossibilite o equilíbrio das cartas. O que devemos fazer?
Primeiro, precisamos avaliar a
situação que provocou o fracasso de nossa empreitada. Se a avaliação for guiada
pela ideia de que tudo o que ocorre é fruto apenas de decisões e ações
equivocadas de nossa parte, sem considerar a ação contrária do inimigo, pode-se
chegar à conclusão de que o problema está apenas na maneira que escolhemos para
construir o castelo. Pode resultar daí o abandono da ação de empilhar e
equilibrar as cartas, seguida da tentativa de se pensar maneiras totalmente
diferentes de se atingir o objetivo. As críticas e a rejeição à maneira
“tradicional” de se montar o castelo, nesse caso, poderão dar o tom de nossos
discursos e reflexões teóricas e, a seguir, surgirão centenas de ideias sobre a
necessidade de “novas formas” de ação – a maior parte delas, senão todas,
carentes de apontamentos práticos para o que seriam essas novas formas.
Se é um erro obtuso continuar na
tentativa de montar o castelo de cartas da mesma forma sem considerar o
ventilador colocado pelo inimigo, é igualmente errado acreditar que apenas uma
nova forma de se montá-lo poderá solucionar o problema do vento nas cartas.
O correto, nesse exemplo, seria:
a) tentar desligar o ventilador do inimigo ou, caso não seja possível ou não
tenhamos forças suficientes para tanto, b) criar uma barreira de proteção para
que o vento não atinja as cartas. Caso a montagem tradicional do castelo tenha
dado resultados favoráveis em outras ocasiões (sem o ventilador) e nada indique
que ela seja ineficaz, o esforço deve se concentrar na anulação da tática
do inimigo e não necessariamente no abandono da forma de se fazer o que já
foi feito. Claro que se pode pensar em alternativas que aprimorarem o modo de
montagem, mas abandonar uma ação que se mostrou correta em diversas ocasiões,
sem considerar as ações do inimigo em sentido contrário, é um erro profundo.
Portanto, qualquer autocrítica
deve evitar converter-se em lamentação catártica, rejeição em bloco do passado
disfarçada de “abertura para o novo” ou exercício livre, muitas vezes
inconsequente, de teorização sobre “novidades redentoras” e “novos paradigmas”.
A necessidade de uma contra-ação do inimigo a uma ação estratégica nossa
revela, na verdade, o acerto e a eficácia da ação executada. Pois,
caso ela fosse ineficaz, bastaria a ele deixá-la ocorrer, sem necessidade de
envidar tantos esforços para anulá-la. Para usar uma terminologia do pugilismo,
se foi aí que ele sentiu o golpe, é aí que devemos golpear com mais
intensidade.
Essa é uma importante chave de
leitura da realidade quando se considera que estamos em uma disputa contra um
inimigo inteligente, poderoso e que age constantemente. Ela nos ajuda,
inclusive, a nos conhecer melhor, renovar as ações, abrirmo-nos para novidades,
incorporar conhecimentos e recursos que não existiam no passado, mas também a
evitar “modismos discursivos”. Como nos movemos no terreno dos projetos, é
muito fácil cairmos na tentação do “melhor discurso” no lugar da “melhor
estratégia” – e o anúncio do “novo” sempre contribui para a estética
discursiva. Porém, para citar uma frase de Pedro Ribeiro de Oliveira: “nem tudo
que é bom é novo e nem tudo que é novo é bom”.
O que, para nós, poderia ser
comparado à “funda de Davi” foi aquilo que provocou o medo e a reação do
Golias: a conquista gradual e permanente do território estratégico da
subjetividade social. A pedra ia na direção certa rumo à testa do gigante, até
que ele a interceptasse. Portanto, a questão estratégica central é: como
retomar o território perdido? Se aceitamos a centralidade desse objetivo
estratégico, todas demais ideias e propostas devem ser pensadas nessa direção.
Antes de apresentar algumas
proposições para debate e crítica – o que será feito em 5 pontos a seguir –,
precisamos ser realistas e ter consciência de que não são possíveis ações de
curto prazo que se contraponham aos efeitos de uma estratégia de longo prazo
bem executada. Estamos em um momento que exige o abandono do imediatismo (sem
largar o esforço de ações que minimizem os efeitos do problema) e a retomada da paciência
histórica. Por mais dura e triste que seja a realidade, o desespero e a ação
imediatista não contribuem para a busca de soluções adequadas. A história teve
momentos piores.
A mística e o cultivo da utopia são
elementos imprescindíveis para a formação da consciência histórica e de ação de
longo prazo, como nos mostram os movimentos emancipatórios surgidos na América
Latina inspirados na Teologia da Libertação e a formação de um campo evangélico
crítico pela Teologia da Missão Integral. A versão secular da mística
transformadora tem sido sempre trabalhada por movimentos como o MST. Seja pela
mística religiosa e a utopia de um Reino de Deus, seja pela mística
secular e a utopia do socialismo, o reforço desse plano é pré-condição para a
elaboração e aceitação de estratégias não imediatistas.
Mas, como vimos, não foram apenas
o ímpeto e a fé de Davi que o fizeram vencedor, embora sem eles Davi não se teria
lançado ao desafio. Por isso, precisamos pensar objetivos estratégicos que se
transformem em ações. Consciente da complexidade da tarefa, deixo algumas
modestas sugestões, para críticas, aperfeiçoamentos ou contestações. É preciso,
ao menos, começar por algum lugar.
1) Deslocar-se do contexto de
batalha no qual o gigante é mais forte.
Já foi demonstrado pela história
recente do Ocidente que a disputa eleitoral na limitada democracia capitalista
favorece a quem tem dinheiro e o controle da mídia. Consequentemente, o poder
dos parlamentos, que deliberam por maioria, é sempre dos que possuem o poder
econômico. Parlamentares de esquerda fazem a diferença, pelas denúncias,
projetos apresentados, interlocução com a sociedade civil etc., mas, por serem
minoria, não conseguem ter, de fato, poder de definir a ação legislativa. Sem
desconhecer os avanços possíveis e a necessidade de ampliar a representação das
classes populares nesse poder, não podemos esconder o fato de que sempre
perdemos nas batalhas maiores nesse campo.
Por outro lado, o deslocamento do
poder da esfera política para a econômica deixa pouca margem de ação
transformadora para quem ocupa o Poder Executivo. A força dos ataques na esfera
econômica globalizada limita a capacidade de ação do Executivo e o impele a
inúmeras capitulações e concessões ao mercado. No modelo de presidencialismo de
coalisão, como o do Brasil, a necessidade de maioria no parlamento força o
Executivo a jogar com as regras da política viciada e corrupta. Adicionalmente,
o poder da mídia sobre a avaliação popular dos governos também limita a
continuidade e permanência no poder das forças mais progressistas ou contrárias
ao reino absoluto do mercado.
Muitos optaram por lutar com as
armas do gigante no contexto de batalha político-eleitoral e do exercício do
poder institucional, o que significou aliar-se aos inimigos, aceitar seus
recursos e permitir que as regras viciadas do jogo, que conduzem à corrupção,
fossem usadas sob o pretexto da justificação dos meios pelos fins.31
Resulta daí que o contexto de
batalha das eleições e gestão das parcelas de poder conquistadas, sem a
contrapartida da luta em outros contextos, é sempre favorável ao gigante. É uma
luta com as armas do inimigo, cujo peso não suportamos, e, por isso, sucumbimos
e acumulamos derrotas.32
Continuar reduzindo nossa
estratégia de luta ao contexto de batalha que favorece o adversário é desperdiçar
nossas forças, sem contar o já mencionado problema do abandono do território
estratégico sem construção de defesas. Isso não significa deixar de dar
importância ao processo eleitoral ou à gestão de parcelas do poder em benefício
da população mais vulnerável. Significa apenas que o foco das ações
deve deslocar-se desse campo para outro contexto de luta. Da mesma forma que a
vitória de Davi não veio do uso das armas que Saul lhe queira emprestar, nossa
salvação não virá das “próximas eleições”.
2) Reconquistar a subjetividade
social pelas bases.
O contexto de batalha que já se
mostrou favorável às classes populares é o da formação crítica da subjetividade
social que se converteu em movimentos e ações concretos. A formação e
organização das bases da sociedade civil, a influência na academia e no campo
da educação e produção teórica e a vivência libertadora das religiões alertaram
os estrategistas de Santa Fé para o risco que a conquista desse território
representava. Se foi aí que o adversário “sentiu o golpe”, é aí que devemos
bater mais.
No passado recente, mesmo no
contexto de uma ditadura militar explícita, a conquista da consciência social
se fez pela educação popular, produção teórica-crítica nas universidades,
comunicação popular, Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), pastorais
populares, trabalhos formativos dos movimentos sociais etc. Foi uma ação que
deu resultados concretos e grande parte dos movimentos organizados e militantes
políticos que ainda hoje estão em ação são seus produtos diretos. Basta fazer
uma análise da nossa história pessoal ou das pessoas mais antigas que ainda
hoje compõem esses movimentos.
Algumas análises, baseadas apenas
em uma avaliação endógena da situação atual, anunciam o “esgotamento” dessa
estratégia ou atribuem o presente quadro de derrotas à sua suposta inadequação.
Penso que isso seria o mesmo que ignorar o ventilador da metáfora que usei
anteriormente. As práticas e as teorias a elas relacionadas, que muitos julgam
esgotadas em sua realização, foram, na verdade, abortadas antes de
mostrarem seu pleno resultado. Além da contra-ação do inimigo, como já foi
assinalado, houve um abandono dessa estratégia ainda em seu momento de
crescimento prático e de acúmulo teórico. Poucos militantes que iniciaram sua
vida política após a década de 90 conhecem a riqueza das experiências e dos
materiais teóricos produzidos no campo da educação popular, seja no campo
religioso popular ou dos movimentos sociais. Resgatar essa práxis é
possível e necessário.
Obviamente, não se pode repetir as
estratégias com as mesmas táticas, sem levar em consideração as mudanças
objetivas e subjetivas da realidade atual. Porém, suas orientações,
metodologias, objetivos e experiências bem-sucedidas, desde que passem por um
processo de adequação à realidade, são ainda concretizáveis.
Ao se propor uma reconquista da
base subjetiva da sociedade, deve-se também compreender criticamente seu
contexto subjetivo atual e as novas formas de sociabilidade que desenvolvem.
Aqui entram discussões que, pela amplitude e profundidade, fogem aos limites do
presente (e já longo) texto. Mas é possível, ao menos, enunciá-las.
As classes populares
latino-americanas são profundamente religiosas. Qualquer ação que vise
conquistar a subjetividade popular que desconheça ou despreze o fenômeno
religioso tem poucas condições de êxito. As populações mais vulneráveis não
recorrem ao neopentecostalismo por imposição dos estrategistas do capital, mas
pela necessidade de vivenciar uma dimensão de suas vidas. O sistema apenas
oferece o atendimento à demanda de acordo com seus objetivos e o usa para
atingi-los. Torna-se fundamental compreender e saber trabalhar de maneira
adequada e crítica esse elemento essencial da subjetividade popular que tem
sido apropriado pelo neopentecostalismo católico e evangélico dentro da
estratégia do sistema.
O combate ao fundamentalismo e à
captura dos sentimentos religiosos da população por formas alienantes de
vivência da fé não pode ser feito pela negação da religiosidade, pelo sarcasmo
e ridicularização dos seguidores de seitas, pelas atitudes que escandalizam
(que, em gíria militante, têm sido chamadas de “lacração”) etc. Trata-se de um
desafio para a Teologia da Libertação e para a Teologia da Missão Integral
oferecer uma vivência religiosa que atenda, ao mesmo tempo, a procura do
espiritual e a formação da consciência crítica.
O campo da cultura também é
estratégico. Para avançar nesse plano, é preciso um conhecimento crítico da
cultura popular, que saiba diferenciá-la da cultura de massas e dos produtos da
indústria cultural e identificar seus pontos de interseção. Nem tudo que vem
“da periferia” é cultura produzida e massificada “pela periferia”. Apenas
incorporar ou valorizar quaisquer produtos culturais apropriados, processados e
massificados pela indústria cultural – que costumam vir carregados, inclusive,
de diversos valores que combatemos – só porque se reproduzem “na periferia” não
contribui para a conquista dessa importante parte do território subjetivo.
Tampouco podemos desprezá-los ou rejeitá-los de forma elitista – não é disso
que se trata. Importa saber como trabalhar e promover a cultura popular, em
diálogo principalmente com a juventude e suas formas de manifestação cultural,
sem, contudo, perder a dimensão crítica da análise desses fenômenos e da
produção de valores e concepções de mundo que se opera por meio deles.
As maneiras de organização das
bases sociais também nos apresentam novidades. Além de mudanças na estrutura
organizativa tradicional mostrada pelos “coletivos” temáticos (mudança na forma),
há também os grupos que se unem em torno da prática econômica alternativa
(mudança de conteúdo). As experiências da economia solidária, produção
associativa, autogestão e outras práticas de produção coletiva da vida e de
cuidado com o ambiente são realidades crescentes. Porém, nem sempre criam,
espontaneamente, a consciência crítico-social ou fazem correlação de sua
prática com a estrutura socioeconômica. Por isso, são ainda espaços em disputa.
Conhecê-las, integrá-las, reforçá-las, criá-las e teorizar sobre elas também
são importantes ações estratégicas dentro do objetivo geral de retomar o
território subjetivo pelas bases.
3) Trabalhar a dimensão teórica
Conforme foi visto, o documento
de Santa Fé II trata a produção intelectual crítica e sua influência no meio
acadêmico como ameaças. O plano teórico também é um campo de disputa na
sociedade, pois, visto que ação humana é sempre consciente, não existe prática
sem uma compreensão teórica (mesmo que difusa) da realidade sobre a qual se
age. A ação humana é, como disse Marx, práxis, uma unidade entre
consciência e ação. Tanto os autores do Santa Fé II como as estratégias
descritas por Rothbard para o predomínio da concepção anarcocapitalista preveem
o domínio do ambiente acadêmico e da produção teórica. 33
Por outro lado, a inconsistência
das elaborações teóricas pós-modernas – que se tornaram modas no ambiente
acadêmico e se apresentam como as novas e únicas abordagens capazes de lidar
com as transformações do mundo – tem gerado práticas militantes que rejeitam ou
não conseguem compreender os nexos entre as micro-opressões e a estrutura
sistêmica do capitalismo. A deficiência do instrumental teórico
analítico-interpretativo tem consequências na nossa capacidade de interpretação
coerente do mundo e cria também dificuldades na ação transformadora.
Não podemos negar, no entanto,
que as mudanças no mundo trouxeram algumas realidades e desafios que não podem
simplesmente ser compreendidas à luz do que já se tem elaborado no campo da
tradição teórica crítica de inspiração marxista ou nas teorias emancipatórias
elaboradas nos países periféricos. As teorias devem responder às questões que
surgem em cada época. Por exemplo, é ainda um problema teórico importante a
vinculação das teorias críticas de transformação social centradas na economia
com os problemas específicos das opressões de raça, gênero e etnia. Mas, como
ainda vivemos, no plano do tempo estrutural (o tempo da longa duração dos
sistemas econômicos), sob o império do capitalismo, não podemos descartar as
teorias que desvendaram a lógica e os mecanismos desse sistema, possibilitaram
a compreensão de sua relação com os planos objetivo e subjetivo de nossa
existência e especularam sobre os caminhos possíveis para sua superação.
Por isso, a tarefa de elaboração
teórica e de pensar a emancipação de maneira adequada ao nosso tempo é também
um imperativo da militância no plano intelectual. E isso não pode reduzir-se à
publicação de inúmeros artigos acadêmicos em revistas especializadas, cujo
número de leitores é assustadoramente pequeno, para aumentar os quantitativos
que medem a produtividade dos professores universitários. Trata-se de uma ação
de conquista de mentes. As universidades formam professores, jornalistas,
comunicólogos e outros formadores de opinião que tem papel fundamental na
formação da subjetividade social. Não é à toa que tanto a CIA quanto os
mentores do anarcocapitalismo a colocam como elemento fundamental de sua ação.
4) Usar a conquista de parcelas
do poder de forma tática para fortalecer a ação estratégica
Disse anteriormente que o foco da
nossa estratégia não pode estar na conquista e gestão de parcelas do poder
institucional. Agora, porém, é preciso dizer que sua ocupação não deixa de ter
uma grande importância na concretização dos objetivos estratégicos. Contudo,
essa ação deve ser compreendida como tática, ou seja, como instrumento,
meio para se chegar aos objetivos estratégicos. Como tal, os mandatos
parlamentares e as administrações progressistas que compartilham os objetivos
gerais do processo emancipatório podem se colocar a serviço dos movimentos
sociais e contribuir com a conquista da subjetividade social.
As possibilidades são muitas,
algumas já executadas ou em execução. Há mandatos parlamentares que aglutinam
movimentos, associações, grupos de economia solidária, de produtores
agroecológicos, de ambientalistas, ativistas de direitos humanos etc. e
oferecem-lhes oportunidades para o fortalecimento de suas lutas – por meio da
apresentação de leis, apoio institucional para seus eventos, canais de
interlocução com o Executivo etc. – e para a formação da consciência de seus
integrantes.34
A presença no Poder Executivo
precisa ser pensada com mais atenção. Se a ocupação desse espaço não for
entendida plenamente como a presença das classes populares no poder, com todas
as consequências que isso tem para o planejamento e execução das ações
administrativas, e pretender revestir-se com a falsa ideia de neutralidade, de
um “governo de todos”, sua conquista não trará mais benefícios para a
transformação social do que a presença de um “bom político” da direita moderada
poderia trazer.
Os representantes do capital
nunca fazem um “governo para todos”. Eles não demonstram ter escrúpulos para
gerir a máquina pública totalmente de acordo com os interesses exclusivos dos
donos do capital. Sequer se mostram preocupados com os protestos da sociedade
civil, desde que não se transformem em protestos da mídia.
Muitos governos que se pretendem
de esquerda, ao contrário, compraram a ideia de que precisam ser “neutros” e
“governar para todos” (seja lá o que isso signifique em uma sociedade de
classes antagônicas), mesmo em uma história de 500 anos em que o Estado serviu
exclusivamente às elites econômicas. Dessa forma, e com um temor paralisante da
opinião da mídia que só se justifica pela priorização do jogo eleitoral,35 acabam
não utilizando a estrutura da máquina estatal para a formação da consciência
crítica, politização da população, democratização da comunicação,
fortalecimento das organizações e experiências de economia alternativa e outras
ações que poderiam produzir um avanço na consecução da estratégia de retomada
do território perdido da subjetividade social.
Por isso, repensar a ocupação do
poder institucional é elemento fundamental para a consecução do objetivo
estratégico de retomar e avançar sobre o território subjetivo.
5) O desafio da comunicação
digital
Por fim, algumas palavras
precisam ser ditas sobre o que se tem considerado o grande desafio – e, ao
mesmo tempo, se apresentado como o “caminho das pedras” – para a conquista da
subjetividade social: as mídias digitais. Seria excesso de presunção tratar um
tema tão específico e complexo neste texto sem a necessária especialização no
tema, mas algumas breves considerações podem ser colocadas para discussão.
Após seu papel nas eleições de
2018, o uso das redes sociais e de aplicativos de mensagens digitais, principalmente
o Twitter e WhatsApp, tornou-se o centro das preocupações. A sua incrível
eficácia na produção e generalização de visões falsas e distorcidas do mundo,
sua capilaridade (está em todos os celulares, nas mãos de diversas camadas
sociais) e sua força para dar divulgação e credibilidade às falsas notícias
acenderam um alerta. As empresas especializadas em seu uso para fins bem
definidos, no marketing comercial ou na política, tornaram-se poderosas pela
capacidade de analisar dados e criar algoritmos que direcionam ideias e
notícias (falsas ou verdadeiras) de acordo com perfil de cada pessoa para
manipular pensamentos e atitudes. São armas poderosíssimas que merecem uma
especial atenção.
Porém, devemos ter alguns
cuidados na análise desse fenômeno. Primeiro é preciso entender que as mídias
digitais, como o próprio nome já diz, são meios (mídia vem do
latim media, que significa “meios”). Todo meio é usado em função de
um fim. Não podemos confundir os fins com os meios e pensar que a comunicação
digital moderna é um mal em si mesma. O sistema a utiliza para seus fins tanto
quanto utiliza jornais, rádio, TV e a World Wide Web dos primórdios
da Internet. Por outro lado, tampouco podemos pensá-la como a nossa salvação. É
bastante ingênua a crença de que as formas de luta, mobilização e resistência
terão seu novo plano de concretização nas redes sociais virtuais, em função do
que elas possibilitaram na chamada “Primavera Árabe”, ou nas mal compreendidas
“Jornadas de Junho e Julho” no Brasil em 2013.
As mídias digitais são
instrumentos que reproduzem, potencializam e formatam, no plano virtual, o que
acontece no plano objetivo e subjetivo das relações sociais reais. Como
instrumentos e meios, têm um papel relevante, que pode inclusive retroalimentar
as relações reais e dar-lhes características específicas, mas estarão sempre
submetidas à dinâmica das relações sociais concretas, que não nascem no
ambiente virtual, senão que são forjadas em um mundo determinado.
Consequentemente, as transformações no plano da realidade concreta sempre terão
impacto também no mundo virtual.
Em segundo lugar, é preciso
avaliar se realmente temos condições de deslocar o foco de nossas ações para
esse campo. Empresas como a Cambridge Analytica (de Steve Bannon,
mentor da campanha de Trump e consultor da campanha de Bolsonaro) e diversas
outras contam com um arsenal de estudiosos, técnicos, tecnólogos da informação
e volume enorme de recursos financeiros para atuarem de maneira eficaz no mundo
digital. Podemos lutar com essas armas nesse contexto de batalha com nossos
parcos recursos humanos, técnicos, financeiros e de conhecimento? Não seria um
caso em que Davi iria ao encontro de Golias no seu contexto de batalha tentando
arrastar-se sob o peso da armadura, couraça, espada e lança de Saul?
Ou seria melhor pensarmos que,
assim como há uma parcela da população que se encontra suscetível à produção de
“verdades” da mídia digital, há outra sobre a qual elas não têm tanta eficácia?
O que tornou essa outra parcela imune ao bombardeio de fake news e da
ideologia anarcocapitalista e neopentecostal? A base militante dos movimentos
sociais, CEB’s e pastorais sociais e aqueles que estão sob sua área de
influência possuem uma espécie de “anticorpo” que neutraliza a ação do “vírus”.
Isso sugere que a eficácia do uso das mídias digitais para fins opostos aos
nossos depende da subjetividade social que recebe os ataques informacionais.
A TV, em outras épocas, liderava
a formação ideológica da população. Fomos tão capazes de criar suspeitas em
relação a ela que até os adversários, hoje, se utilizam da ideia de que os
meios de comunicação manipulam a realidade. De onde veio a revelação de que a
mídia televisiva propaga valores negativos em novelas e programas e manipula as
notícias em seus telejornais? A força da TV permanece, embora tenha perdido a
liderança para as redes sociais e aplicativos de mensagens, mas foi reduzida
após décadas de críticas e denúncias feitas pelos setores críticos e
organizados da sociedade civil.36 Não
seria um caso possível de se comparar com a barreira que reduziria o efeito do
ventilador em nossa metáfora do castelo de cartas?
Não estaria, também aí, colocada
a necessidade de uma funda para lutar contra a força e as poderosas armas do
gigante? Acredito que, também nesse campo, seria mais adequado e possível
neutralizar sua estratégia do que entrar em uma luta “corpo a corpo” com armas
similares em situação inicial de tremenda (e talvez insuperável) desvantagem.
Apesar de o problema da
comunicação digital não dever, em minha opinião, ser colocado como o eixo da
estratégia, não podemos, de maneira alguma, diminuir sua importância, seus
riscos e possibilidades. Esse é um desafio que cabe aos que podem pensar a
comunicação popular com domínio dos conhecimentos, tecnologias e técnicas desse
campo tão especializado.
“Às barricadas!”
O objetivo deste texto não é mais
do que a convocação para a discussão e o debate sobre questões estratégicas
nestes tempos tão sombrios e desoladores da conjuntura. Embora com algumas
proposições formuladas em forma de imperativos (“devemos”, “é preciso”, “faz-se
necessário”…) não pretendi apresentar nenhuma fórmula ou ditar caminhos como se
fosse portador de algum mapa. Trata-se apenas de uma visão pessoal e limitada
de quem entende que é preciso começar por algum lugar.
Não vejo melhor forma de
conclui-lo do que citar alguns versos da canção que se tornou popular na
Revolução Espanhola de 1936, ¡A las barricadas!
Negras tormentas agitam os ares
Nuvens escuras nos impedem de ver
Mesmo que nos espere a dor e a morte
Contra o inimigo nos chama o dever
[…]
De pé, povo operário, para a batalha,
É preciso derrotar a reação
Às barricadas! Às barricadas!37
Nuvens escuras nos impedem de ver
Mesmo que nos espere a dor e a morte
Contra o inimigo nos chama o dever
[…]
De pé, povo operário, para a batalha,
É preciso derrotar a reação
Às barricadas! Às barricadas!37
*******************
1 DOWBOR,
Ladislau. A era do capital improdutivo. São Paulo: Autonomia Literária,
2017.
2 PIKETTY,
Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
3 O
Fórum Econômico Mundial fez, em 2016, uma estimativa de que as atividades do
crime organizado rendem anualmente cerca de US$ 1 trilhão. O Escritório da ONU
contra Drogas e Crimes estima esse rendimento em US$ 2 trilhões (mais do que o
PIB brasileiro de 2018). Cf. BBC News. As cinco atividades do crime
organizado que rendem mais dinheiro no mundo. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160331_atividades_crime_organizado_fn
4 O
FMI estimou em U$ 800 bilhões o prejuízo mundial anual causado pela evasão
fiscal. Trata-se de dinheiro que poderia tornar-se receita para os Estados
investirem no combate à pobreza, defesa e recuperação do meio ambiente
degradado e serviços públicos de qualidade. Cf. CORREIO BRAZILIENSE. Prejuízo
mundial com paraísos fiscais chega a US$ 800 bilhões, 05/10/19. Disponível em https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/10/05/internas_economia,794922/prejuizo-mundial-com-paraisos-fiscais-chega-a-us-800-bilhoes.shtml.
O volume de recursos da atividade corporativa mundial sem controle e sem
taxação foi estimado, em 2013, entre 21 trilhões a 32 trilhões de dólares, para
um PIB mundial de 73,5 trilhões (Cf. DOWBOR. Idem, p. 83-91).
5 “Em
2018, o governo estima que as perdas com gastos/incentivos tributários cheguem
a R$ 283,5 bilhões, o que representa 4,0% do nosso PIB e cerca de 1/5 da
receita administrada pela Receita Federal no mesmo ano. Para fins comparativos,
este montante seria suficiente para cobrir 9 anos de Bolsa Família,
considerando o valor gasto com o programa em 2018. […] A previsão do governo
para 2019 é de que as perdas de receita atinjam R$ 306,4 bilhões, um incremento
de quase R$ 23 bilhões em relação ao ano passado”. DAMASCENO, Juliana. Quanto
custam os benefícios fiscais no Brasil. Disponível em https://ekonomus.home.blog/2019/02/14/quanto-custam-os-beneficios-fiscais-no-brasil/.
6 Uma
maneira ao mesmo tempo divertida e instrutiva de entender o esquema de lavagem
de dinheiro e evasão fiscal possibilitado pelas empresas off-shore em
paraísos fiscais, bem como a mistura de dinheiro legal e ilegal, é por meio do
filme A lavanderia, dirigido por Steven Soderbergh e disponível no
Netflix. O filme é baseado no caso real de vazamento que ficou conhecido como Panamá
Papers.
7 MARX,
K. O capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 539.
8 Em
fevereiro de 2017, enquanto o PIB mundial girava em torno de US$ 80 trilhões,
as transações em valores monetários somavam cerca de 544 trilhões (DOWBOR,
idem, p. 108-109).
9 Cf.
FORBES. The word’s lagerst public companies. Disponível em https://www.forbes.com/global2000/#7eaf73d5335d.
10 Um
desses grupos é o Estudantes Pela Liberdade (EPL), fundado no
Instituto Charles Koch, vinculado a indústria de petróleo dos irmãos Koch. Os
Koch figuravam, em 2018, na lista dos 10 maiores bilionários do planeta e estão
entre as 26 famílias que juntas detêm mais riqueza do que a metade mais pobre da
população mundial. Cf. ÉPOCA NEGÓCIOS. Quem são os 26 bilionários que têm
a mesma riqueza que metade do mundo. Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Mundo/noticia/2019/01/quem-sao-os-26-bilionarios-que-tem-mesma-riqueza-que-metade-do-mundo.html.
O EPL atuou fortemente na articulação das manifestações pelo impeachment de
Dilma Rousseff e propaga o ultraliberalismo entre estudantes universitários em
diferentes países. Outro exemplo é o American Enterprise Institute (AIE),
um think thank (entidade de estudo e produção de ideias) dos EUA que
nega o aquecimento global e oferece dinheiro a pesquisadores negacionistas do
desequilíbrio climático de vários países. A entidade é financiada pela gigante
petrolífera Exxon Mobil.
11 As
ideias de Rothbard e outras relacionadas ao anarcocapitalismo (também chamado
de “libertarianismo”) podem ser conhecidas pelas publicações disponíveis no
site do Instituto Rothbard: https://rothbardbrasil.com/biblioteca/.
Algumas palavras de Rothbard: “Os libertários veem o estado como o supremo,
eterno e mais bem-organizado agressor das pessoas e da propriedade de grande
parte do público. Todos os estados, em todos os lugares, sejam eles
democráticos, ditatoriais ou monárquicos, sejam eles vermelhos, brancos, azuis
ou marrons.” ROTHBARD, M. Por uma nova liberdade: o manifesto libertário.
São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013, p. 64. Disponível para
download no site citado.
12 Uma
síntese dos passos dos golpes suaves pode ser conferida em GOOBAR, Walter. Manual
de autoayuda para golpes de Estado suaves. Disponível em http://www.waltergoobar.com.ar/notices/view/968/manual-de-autoayuda-para-golpes-de-estado-suaves.html .
13 Ideias
como igualdade de gênero e etnia, tolerância religiosa, laicidade do Estado,
ideais republicanos etc. estavam presentes em pensadores liberais do século
XVIII, como Condorcet, Rousseau, Voltaire, Locke, Montesquieu e outros. A
declaração dos direitos humanos foi obra da burguesia revolucionária francesa.
14 As
mudanças no regime soviético implantadas por Mikhail Gorbachev, conhecidas como perestroika e glasnost (reconstrução
e transparência), começaram em 1986. Segundo Arthur Gonzáles, documentos da CIA
que tiveram o sigilo expirado sugerem que o ex-líder soviético pode ter agido
com apoio da CIA e do bilionário George Soros com a intenção de “aniquilar o
comunismo”. Ver. GONZÁLES, Arthur. Gorbachov se confiesa: “El objetivo de
mi vida fue la aniquilación del comunismo”. Razones de Cuba,
07/07/18. Disponível em http://razonesdecuba.cubadebate.cu/articulos/gorbachov-se-confiesa-el-objetivo-de-mi-vida-fue-la-aniquilacion-del-comunismo/.
15 Arrighi,
Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Rio
de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora Unesp, 1996.
16 Na
definição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, os excluídos seriam a
“areia na máquina”, que deveriam ser ajudados pelo Estado apenas para não
atrapalhar o mercado. CF. FOLHA DE SÃO PAULO. A nova esquerda de FHC.
Entrevista ao Caderno Mais!, 13/10/1996. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/10/13/mais!/9.html.
17 Segundo
Arrighi, “por volta de 1970 […] as empresas multinacionais haviam evoluído para
um sistema de produção, intercâmbio e acumulação, em escala mundial, que não
estava sujeito a nenhuma autoridade estatal e tinha o poder de submeter a suas
próprias ‘leis’ todo e qualquer membro do sistema interestatal, inclusive os
Estados Unidos. A emergência desse sistema de livre iniciativa […] [pode ter]
dado início à decadência do moderno sistema interestatal como lócus primário
do poder mundial (ARRIGHI, idem, p. 74).
18 O
Documento de Santa Fé I é de 1980.
19 Uma
versão em português do documento pode ser encontrada em https://lae.princeton.edu/catalog/80749594-eda6-4e2b-865b-3d178a4072fb?locale=pt-BR#?c=0&m=0&s=0&cv=2&xywh=1773%2C-1235%2C3662%2C4322,
e uma em espanhol pode ser lida em http://www.elcorreo.eu.org/Documento-de-Santa-Fe-II1988?lang=fr.
20 Vários
membros dessa entidade tornaram-se embaixadores dos EUA em países latino
americanos.
21 Quando
o documento fala em “democracia” ou “defensores da democracia”, os termos são
confundidos com “capitalismo liberal” ou “defensores do capitalismo liberal”.
Por isso falam da discussão sobre o melhor “regime”, em contraposição com o
estatismo ou o socialismo.
22 Ou
seja, a administração que veio a ser assumida por George Bush, pai.
23United
States Information Agency (USIA) – Agência de Informações dos Estados
Unidos. Trata-se de “uma agência independente para relações exteriores dentro
do Poder Executivo dos EUA. A USIA expõe e defende a política externa americana
e promove os interesses nacionais dos EUA por meio de uma ampla gama de
programas de informações no exterior. A agência promove o entendimento mútuo
entre os Estados Unidos e outras nações, realizando atividades educacionais e
culturais. A USIA mantém mais de 211 postos em mais de 147 países” (Fonte: https://govinfo.library.unt.edu/npr/library/status/mission/musia.htm).
Sua atuação nos campos da educação, informação, radiodifusão, serviços de
biblioteca etc. foi intensa, e incluía intercâmbios culturais, bolsas de
estudos, parceria com universidades, pesquisas etc. A USIA foi extinta em 1999,
mas suas atividades permaneceram abrigadas em outras agências e secretarias do
Governo dos EUA.
24 Um
documento da CIA, de 1985, revela também que houve uma ação da Agência de
Inteligência estadunidense na promoção de autores pós-modernos e críticos do
marxismo. “Segundo a própria Agência de espionagem, a teoria francesa
pós-marxista contribuiu diretamente para o programa cultural da CIA de
persuadir a esquerda para a direita, ao mesmo tempo em que desacreditava o
anti-imperialismo e o anticapitalismo, criando assim um ambiente intelectual no
qual seus projetos imperiais poderiam ser perseguidos sem serem incomodados
pelo exame crítico sério da intelligentsia. […] Na verdade, seu estudo
sobre a teoria francesa aponta para o papel estrutural que as universidades, as
editoras e os meios de comunicação social desempenham na formação e
consolidação de um ethos político coletivo.” ROCKHILL, Gabriel. Como
a teoria francesa pós-marxista contribuiu com a CIA em desacreditar o
anti-imperialismo e o anticapitalismo. Opera Mundi, 10/03/17. Disponível em https://operamundi.uol.com.br/opiniao/46597/a-cia-le-a-teoria-francesa-sobre-o-trabalho-intelectual-de-desmantelamento-da-esquerda-cultural.
O documento da CIA que se refere à nova intelectualidade francesa pode ser lido
(em inglês) no site da própria Agência: https://www.cia.gov/library/readingroom/docs/CIA-RDP86S00588R000300380001-5.PDF.
25 O
abandono do marxismo também teve como estímulo a implosão do bloco socialista,
simbolizado pela queda do muro de Berlim e dissolução da URSS. Ou seja, o
avanço das teorias pós-modernas encontrou, além de estímulo externo, um terreno
fertilizado pelas desilusões com o “socialismo real”.
26 Ver
sobre isso a entrevista de Asad Haider em KUMAR, Rashmee. Como a política
identitária dividiu a esquerda: uma entrevista com Asad Haider. The Intercept
Brasil, 01/06/19. Disponível em https://theintercept.com/2018/06/01/politica-identitaria-asad-haider/.
27 “As
instituições públicas e privadas americanas devem envolver-se na educação
dos meios de comunicação e dos líderes comunitários sobre a natureza da
estratégia de conflito do marxismo-leninismo…” (cr. citação acima).
28 A
Fundação Ford, por exemplo, recusou-se a manter seu financiamento ao Fórum
Social Mundial quando de sua edição em Mumbai, alegando que puderam “ver maior
colaboração de grupos da esquerda comunista da Índia no fórum”. Ver AZENHA,
Luiz Carlos. Ford, Soros, Gates: A quem servem as megafundações? A
professora Joan Roelofs dá algumas pistas. VIOMUNDO, 17/03/18. Disponível em: https://www.viomundo.com.br/politica/a-quem-servem-as-mega-fundacoes-a-professora-joan-roelofs-da-algumas-pistas.html.
29 Foi
essa confusão, inclusive, que me obrigou a estender a reflexão para além do que
o presente texto exigiria…
30 Ver
sobre isso o artigo crítico ao identitarismo no movimento negro, escrito pelo
coordenador político da Uneafro-Brasil: BARROS, Douglas Rodrigues. Contra o
retorno às raízes: identidade e identitarismo no centro do debate. Le
Monde Diplomatique, 21/02/18. Disponível em: https://diplomatique.org.br/contra-o-retorno-as-raizes-identidade-e-identitarismo-no-centro-do-debate/.
31 Basta
ver quantas ações dos governos de esquerda foram justificadas sob argumento da
“governabilidade” e quantas práticas eleitorais ilícitas foram praticadas em
nome do “jogo eleitoral”.
32 Há
diversas experiências locais bem-sucedidas (em municípios menores do Brasil) em
que a tomada do Poder Executivo é resultado da mobilização de movimentos
sociais e união de práticas alternativas de produção. Há também mandatos
parlamentares que conseguiram aglutinar um campo de poder alternativo e
desenvolver um trabalho de fortalecimento das organizações da sociedade civil.
Porém, essa não é a realidade dos grandes centros, da maioria dos Estados e da
Federação. E isso não é uma particularidade apenas do nosso país.
33 O
principal elaborador do anarcocapitalismo, M. Rothbard, também fala que a
estratégia dos libertaristas deveria ser a conquista da subjetividade social.
Seu livro Por uma nova liberdade: o manifesto libertário, citado
anteriormente, é apenas um manifesto e, embora relevante para compreender os
movimentos do inimigo, não tem a mesma importância do documento de Santa Fé II.
Eis algumas de suas propostas: “uma condição primordial e necessária para a
vitória libertária […] é a educação: a persuasão e a conversão de um grande
número de pessoas para a causa”. “Os libertários […] devem refletir
profundamente, se envolver no meio acadêmico, publicar artigos, periódicos e
livros teóricos e sistemáticos, e participar de conferências e seminários. Por
outro lado, uma mera elaboração da teoria não levará a lugar algum se ninguém
ouvir falar dos livros e dos artigos; daí a necessidade de publicidade,
slogans, ativismo estudantil, palestras, aparições no rádio e na televisão
etc.” “Os jovens nos campi universitários têm tido uma posição de destaque na
ascensão do movimento libertário. […] estes jovens fornecem um campo fértil
para o libertarianismo […], um crescimento que já está sendo alcançado pela
aderência ao movimento de um número crescente de jovens acadêmicos, professores
e estudantes de pós-graduação.” A mídia, também, tem se revelado uma fonte rica
de interesse favorável por este novo credo libertário. (ROTHBARD, Por uma
nova liberdade: o manifesto libertário. p. 349.364).
34 Um
bom exemplo dessas possibilidades foi o mandato do ex-deputado estadual Durval
Ângelo (PT-MG). Além do suporte à diversos movimentos e associações, o mandato
realizou por quase 24 anos o Encontro Anual de Políticos Cristãos, um espaço de
mística e formação para políticos do campo progressista, atualmente viabilizado
pelo mandato do deputado estadual Marquinhos Lemos (PT-MG).
35 Ou
seja, temem desagradar a mídia para não verem sua popularidade reduzir e suas
pretensões eleitorais futuras malograrem.
36 Isso
explica, em parte, a popularidade do Governo Lula e da própria figura do
ex-presidente mesmo após um linchamento televisivo. Usei a TV como exemplo por
ser ainda o veículo tradicional com mais capilaridade e penetração na população
brasileira.
37 Negras
tormentas agitan los aires, nubes oscuras nos impiden ver, aunque nos espere el
dolor y la muerte, contra el enemigo nos llama el deber.[…] ¡En pie pueblo
obrero, a la batalla! Hay que derrocar a la reacción! ¡A las barricadas! ¡A las
barricadas!
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