terça-feira, 21 de janeiro de 2020

A inauguração do gasoduto russo-turco


Bruno Veillard | CEIRI

No dia 8 de janeiro deste ano (2020) o Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, e o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, reuniram-se na cidade de Istambul para a cerimónia oficial de inauguração do gasoduto Turkish Stream. O planeamento do gasoduto durou alguns anos e sofreu um leve revés em 2015 com o episódio da queda do avião de combate russo pelos turcos. Todavia, o incidente não inviabilizou o projeto o qual foi retomado em 2017 já com a construção da linha.

A principal linha do gasoduto possui 930 Km de extensão, e compreende 230 Km em águas marítimas russas e 700 Km em águas marítimas turcas. O Turkish Stream conecta o gás natural da cidade russa de Anapa, no Krai de Krasnodar, a cidade turca de Kiyikӧy, na província de Kirklareli, por debaixo do Mar Negro. A partir de Kiyikӧy inicia-se uma extensão da linha a qual estende-se por 69 Km até o centro de distribuição na cidade de Lüleburgaz, e por mais 145 Km até a cidade de Ipsala, na fronteira turco-grega.

O gasoduto russo-turco possui 2 operadores: a empresa Gazprom, que é a responsável pela seção onshore e offshore do lado russo; e a BOTAŞ, a empresa responsável pela seção onshore turca. Com custo estimado em 11,4 bilhões de euros (aproximadamente, US$ 12,6859 bilhões, ou R$ 52,1913 bilhões, conforme a cotação de 14 de janeiro de 2020), o projeto levou 1 ano e 3 meses para ser concluído, e tem capacidade total de fornecer até 31,5 bilhões de m³ de gás natural.

A Federação russa é uma das maiores exportadoras de gás natural para o continente europeu e abastece parcela considerável desse mercado energético, todavia, diversos Estados da própria Europa e inclusive os Estados Unidos tendem a rechaçar a expansão comercial do gás russo. A grande razão para o discurso dos opositores é a dependência que o país comprador poderia adquirir dos russos, e possíveis tentativas de interferência em assuntos internos desses últimos na realidade política regional.

Em relação a cerimónia de lançamento do gasoduto, o jornal Gazeta.Ru apresentou a declaração do Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, o qual disse: “Este é um sistema único e sem precedentes em seus parâmetros de transmissão de gás em alto mar. Vivemos em um mundo complexo. Na região em que estamos há tendências para uma exacerbação da situação. Mas a Turquia e a Rússia mostram exemplos completamente diferentes – interação e cooperação em benefício de nossos povos e de toda a Europa”.




O jornal Izvestia trouxe a declaração do Chefe do Departamento do Instituto de Pesquisa Energética da Academia Russa de Ciências, Vyacheslav Kulagin, sobre a questão do monopólio do gás russo, o qual mencionou a tendência de diminuição do fluxo de gás em trânsito pelos gasodutos europeus. Kulagin salientou: “Em breve, não mais que 20 a 25% do gás será entregue a nós por qualquer rota de exportação. Isso garante suprimentos confiáveis e a capacidade de trabalhar com flexibilidade no mercado. Quando houver uma reserva de capacidades, cada proprietário do gasoduto estará interessado em atrair um fornecedor e oferecerá condições mais convenientes”. 

A Turquia não aparenta compartilhar do receio europeu e dos Estados Unidos em comprar o gás russo, e compreende a instalação do Turkish Stream como um benefício para sua própria infraestrutura. No que tange a uma possível dependência energética dos russos os turcos rejeitam essa perspectiva, pois pretendem investir em novas fontes de energia, como a exploração de hidrocarbonetos.

Em relação a temática, o jornal Gazete Duvar apresentou a declaração do Presidente da Turquia, Recep Erdogan, o qual disse: “Ganhamos uma infraestrutura significativa de oferta de gás natural na região. Estamos conduzindo nossos esforços de exploração de hidrocarbonetos para descobrir novas fontes de suprimento e desenvolver nossas reservas existentes. Vamos virar o Mediterrâneo, que foi o berço das civilizações ao longo da História, para o campo da cooperação, não para o conflito. Nossas expectativas é que nossos interlocutores se voltem para a Turquia para alargar a cooperação”.

O jornal Diyalog Gazetesi trouxe a declaração do Ministro da Energia e Recursos Naturais da Turquia, Fatih Dӧnmez, o qual enfatizou a cooperação com o vizinho russo, e a importância do gasoduto para o desenvolvimento do país. Dӧnmez salientou: “O Turkish Stream é um passo histórico dado o profundamente no Mar Negro. O projeto mostrou mais uma vez a importância da cooperação e do ganha-ganha para o mundo”.

A cooperação entre ambos os atores é significativa e sólida, com duração de mais de 30 anos, nos quais cerca de 400 bilhões de m³ de gás já foram fornecidos da Rússia para a Turquia. Diante de um universo comercial atual equivalente US$ 100 bilhões por ano entre os dois países (próximos de 411,41 bilhões de reais, de acordo com a cotação de 14 de janeiro de 2019), os especialistas estimam que a Gazprom poderá obter um lucro de aproximadamente US$ 500 milhões por ano (em torno de 2,057 bilhões de reais, conforme a mesma cotação).

Os analistas entendem que a conexão russo-turca mediante a operação do gasoduto Turkish Stream é estratégica no sentido económico e político. No primeiro caso, a Federação Russa obtém lucro a partir da expansão de sua rede de gasodutos, visto que o território turco possibilita criar um contorno ao gasoduto que passa pela Ucrânia, e, dessa forma, abre expectativa para novos clientes entre os Estados balcânicos.

No segundo caso, a Turquia ganha por exercer parte do controle sob o Turkish Stream, auferindo a possibilidade futura de negociações sobre o valor de exportação do gás russo, e, é claro, os turcos também poderiam vir a obter benefícios financeiros com a transmissão do gás para países vizinhos.

Em relação a questões políticas, o gasoduto não interfere no equilíbrio de poder regional, pois os principais Estados da localidade (Rússia e Turquia) uniram-se a favor de objetivos comuns. Todavia, é possível a ascensão de discursos acalorados no futuro caso os países do entorno resolvam importar seu gás em conexão com o Turkish Stream. Isso significaria uma possível tensão entre a Federação Russa e a União Europeia (UE), a qual observa com descrença o destaque da influência russa no mercado de gás do Leste Europeu.

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Fontes das Imagens:
Imagem 1 “Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, e Presidente da Turquia, Recep Erdogan” (Fonte): https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f2/Meeting_Vladimir_Putin_with_Recep_Tayyip_Erdogan_2017-03-10_03.jpg

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