domingo, 19 de janeiro de 2020

Angola | Regresso de José Eduardo dos Santos seria uma espécie de moeda de troca?


JES pode regressar a Angola para servir de guardião dos filhos quando nada joga a favor deles na Justiça, diz analista. Diálogo com João Lourenço, visto como "carrasco" do clã dos Santos, seria outro moto do regresso.

Desde que o cerco a Isabel dos Santos em Angola apertou a ponto de a sufocar enquanto empresária que a possibilidade de um regresso próximo de José Eduardo dos Santos (JES) começou a ser cogitada. E parece até ter lógica a desconfiança, pois dá sentido à frase "mexeu com o meu filho, mexeu comigo".

Também os outros dois destacados filhos, José Filomeno "Zenú" dos Santos e Welwitschia "Tchizé" dos Santos, estão a ver a "vida a andar para trás" durante a governação de João Lourenço. Em nome do desafogo da sua prole, planearia o ex-Presidente de Angola ser a moeda de troca?

O analista político Agostinho Sikatu entende que "o seu [possível] regresso pode significar duas coisas: a primeira, para servir de guardião dos filhos [e] para os que lhes são mais próximos, como é o caso dos amigos e daqueles que estiveram mais próximos no seu Governo, para que estejam minimamente seguros." Por outro lado, pode também ser o acenar da bandeira branca, acrescenta: "para dizer 'eu cá estou, podemos abrir um canal de diálogo e vamos resolver isto definitivamente por via da conversa, porque com tensão não vamos a lado algum'. É preciso notar que José Eduardo dos Santos, mesmo ao nível do MPLA, se tornou, até determinada altura, uma figura moralmente aceite."




Alvo final é José Eduardo dos Santos?

Agostinho Sikatu lembra, entretanto, que José Eduardo dos Santos não fugiu de Angola - foi para Espanha tratar da sua saúde. Justamente durante a sua ausência, o seu nome é cada vez mais chamado ao de cima nos maiores casos de supostas irregularidades financeiras, envolvendo empresas públicas e os interesses privados dos seus filhos.

Isso alimenta a suspeição de que o alvo final das autoridades angolanas seja José Eduardo dos Santos, enquanto responsável em última instância. Mas Sikatu não o vê como alvo, preferindo questionar a guerra da qual o ex-estadista faz parte. 

"O objetivo não é bem a quem se visa atingir, nós apenas deslocamos o problema principal. Tivemos um erro na colocação em prática do discurso de combate à corrupção", opina Sikatu.

"Mão" angolana numa eventual ação americana contra JES?

Mas a pressão contra José Eduardo dos Santos não chega apenas de Angola. As autoridades norte-americanas estariam também a encostar o ex-Presidente à parede. De acodo com o Novo Jornal, as autoridades dos Estados Unidos da América terão acionado mecanismos para congelar os seus bens, com base na Lei Global Magnitsky, por causa do seu suposto envolvimento em casos de corrupção.

O ex-Presidente poderá ser alvo de um processo-crime. Isso é resultado da "mão" angolana ou trata-se de pura iniciativa dos EUA?

"Não acredito que se trata de pura iniciativa do Governo norte-americano, porque as autoridades americanas trabalham com o Governo angolano há mais de vinte anos. É preciso notarmos que o Executivo de João Lourenço tem estado em contacto direto com o FMI, que praticamente dita as regras dos angolanos", responde o analista político. 

E Sikatu alerta: "Não nos esqueçamos que há poucos meses esteve cá uma equipa de peritos norte-americanos com garantias dessas entidades de que a Justiça norte-americana trabalharia para ajudar a Justiça angolana a recuperar os bens de angolanos que lá estão, ou seja, recursos que possam ser repatriados para o nosso país."

Depois de longo silêncio, duas reações de JES em curto espaço de tempo

Desde que JES saiu de Angola, há cerca de um ano, nunca se pronunciou sobre as ações contra os seus filhos na Justiça, nem sobre qualquer outro tema relativo a Angola - até há cerca de dez dias, quando endereçou uma mensagem de fim de ano aos angolanos, desejando particularmente a João Lourenço sucessos. A carta, apesar de enigmática, evidencia sinais de que queira sair da "toca".

Nesta segunda-feira (13.01), o ex-Presidente endereçou uma segunda missiva, desta vez ao Tribunal Constitucional, Parlamento e à imprensa local. Eduardo dos Santos refuta a sua participação direta na comercialização do petróleo e diamantes, reagindo deste modo ao despacho-sentença do caso do arresto dos bens de Isabel dos Santos e do genro Sindika Dokolo, onde o seu nome é repetidamente citado.

Regresso de JES: nostalgia e ressentimento seriam sentimentos dominantes?

O que representaria o regresso de JES a Angola? O sociólogo Paulo Inglês não tem uma resposta fechada: "Não sei como seria, não seria tocado nem molestado, evidentemente. Ele tem muitos apoiantes ainda, pessoas fiéis a JES."

O académico entende que a debilidade económica do país poderá ser determinante: "Mas, neste momento, em minha opinião, há uma espécie de confusão, as pessoas não sabem o que pensar, porque economicamente a situação está muito má. Então, para alguns, há uma espécie de nostalgia dos tempos de JES e outros veem isso como consequência da governação de JES."

"Agora, numa possível vinda de JES, reagiriam aqueles que têm a tal nostalgia; ligariam o seu regresso a um possível crescimento económico, por exemplo. E as pessoas ressentidas vão [ver] o seu regresso como uma espécie de assombração", finaliza Paulo Inglês.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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