Irão perdia influência no país:
general coordenava repressão violenta aos protestos, e com isso os insuflava.
Então, houve o ataque ao aeroporto de Bagdade — e revelou-se o principal inimigo
da liberdade iraquiana
Os iraquianos têm um instinto aguçado
para saber se há perigo próximo, graças a sua experiência tenebrosa de 40 anos
de crise e guerra. Há três meses, perguntei a uma amiga em Bagdade como ela e
seus amigos viam o futuro: afinal o Iraque me parecia estar em seu momento mais
pacífico desde a invasão norte-americana e britânica, em 2003.
Ela respondeu que o clima geral
entre as pessoas que conhecia era sombrio, por acreditarem que a próxima guerra
entre os EUA e o Irão poderia ser travada no Iraque. Disse: “muitos dos meus
amigos estão com tanto medo da guerra entre EUA e Irão, que estão usando o sua
indemnização, ao deixar o serviço do governo, para comprar casas na Turquia”.
Ela estava pensando em fazer o mesmo.
Meus amigos iraquianos acabaram
tendo razão em seu prognóstico angustiante: a morte do major-general iraniano
Qassem Soleimani, por um drone dos EUA no aeroporto de Bagdade, foi um ato
irresponsável do presidente Donald Trump, que garante ao Iraque um futuro
violento. Pode não levar a um conflito militar em larga escala, mas servirá de
arena política e militar onde a rivalidade EUA-Irão será travada. Os iranianos e
seus aliados iraquianos podem ou não realizar novas retaliações, mas seu
contra-ataque mais importante será pressionar o governo, o parlamento e as
forças de segurança do Iraque para remover os EUA de seu país.
Desde a queda de Saddam
Hussein, o Irão costuma estar à frente dos EUA em qualquer luta por influência
no Iraque. A principal razão para isso é que a comunidade xiita no Iraque, que
representa dois terços da população e é politicamente dominante, tem procurado
seus companheiros xiitas no Irão em busca de apoio contra seus inimigos. Ironicamente, a influência e a popularidade iranianas estavam seriamente
prejudicadas por causa do general Soleimani, que supervisionava os esforços
brutais das forças de segurança pró-iranianas e grupos paramilitares para
esmagar os protestos nas ruas do Iraque, matando pelo menos 400 manifestantes e
ferindo outros 15 mil.
A fúria popular crescente dos
iraquianos contra o Irão, por interferir nos assuntos internos de seu país,
provavelmente será compensada pelo ataque ainda mais flagrante à sua soberania
nacional pelos EUA. É difícil pensar em um ato mais grosseiro de interferência
de um Estado do que matar um general estrangeiro que estava aberta e legalmente
no Iraque. Também foi morto pelo drone Abu Mahdi al-Muhandis, líder do Kata’ib
Hezbollah, poderoso grupo paramilitar pró-iraniano. Os EUA podem considerar que
comandantes paramilitares são terroristas cruéis, mas para muitos iraquianos
xiitas são as pessoas que lutaram contra Saddam Hussein e as defenderam contra
Estado Islâmico (ISIS).
Conversei com minha amiga
pessimista em Bagdade no final de setembro, naqueles que vieram a ser os últimos
dias de paz antes que a violência retornasse ao Iraque. Entrevistei vários
comandantes paramilitares das Forças de Mobilização Popular Hashd al-Shaabi,
que afirmavam que os EUA e Israel estavam ampliando os ataques dentro do país.
Me perguntava o quanto disso era paranóia.
Conversei com Abu Alaa al-Walai,
o líder do Kata’ib Sayyid al-Shuhada, um grupo dissidente do Kata’ib Hezbollah
— um dos campos que foram destruídos por um ataque de drones em agosto
pertencia a eles. Disse que 50 toneladas de suas armas e munições foram
explodidas, culpando israelitas e norte-americanos por agirem em conjunto.
Confrontado com a pergunta sobre se seus homens atacariam as forças
norte-americanas no Iraque no caso de uma guerra EUA-Irão, disse: “Com toda certeza”.
Em seguida, visitei o campo, chamado al-Saqr, nos arredores de Bagdade, onde uma
explosão maciça destruiu barracões e queimou equipamentos.
Encontrei outros líderes
paramilitares pró-iranianos nessa visita. Os ataques com drones os deixaram
irritados, mas tive a impressão de que não esperavam realmente uma guerra
EUA-Irã. Qais al-Khazali, chefe do Asaib Ahl al-Haq, me disse que não
acreditava que haveria guerra “porque Trump não deseja”. Como evidência,
apontou o fracasso do presidente norte-americano em retaliar, após o ataque de
drones às instalações de petróleo da Arábia Saudita no início de setembro,
cujo culpado, para Washington, era o Irão.
No entanto, os eventos se
desenrolaram de maneira muito diferente do que eu e os comandantes
paramilitares esperávamos. Alguns dias depois de conversar com eles, houve uma
pequena manifestação no centro de Bagdade exigindo empregos, serviços públicos e
o fim da corrupção. As forças de segurança e os paramilitares pró-iranianos
abriram fogo, matando e ferindo muitos manifestantes pacíficos. Embora Qais
al-Khazali mais tarde tenha alegado que ele e outros líderes do Hashd estavam
tentando frustrar uma conspiração EUA-Israel, não havia me dito nada sobre
isso. Parece que o general Soleimani suspeitava erroneamente que aquelas
pequenas manifestações eram uma ameaça real, e ordenou que os paramilitares
pró-iranianos abrissem fogo e tentassem suprimi-las.
Tudo isso poderia ter sido
desastroso para a influência iraniana no Iraque. Soleimani cometera o erro
clássico de um general de sucesso ao imaginar que o “cheiro do canhão”
reprimiria rapidamente qualquer sinal de descontentamento popular. Às vezes
isso funciona, mas em muitas outras, não – e o Iraque acabou pertencendo à
segunda categoria.
O general Soleimani morreu na sequência
de seu maior fracasso e falha de julgamento. Mas a maneira com que foi morto
pode convencer muitos iraquianos xiitas de que os EUA são uma ameaça maior à
independência do Iraque que o próprio Irão. Os próximos dias dirão se os
protestos, que resistiram à violência com muita coragem, acabarão esvaziados
pelo ataque ao aeroporto de Bagdade.
As guerras são vencidas por
generais que cometem o menor número de equívocos. Soleimani cometeu erros
graves nos últimos três meses, transformando manifestações modestas em algo
próximo a um levante de massas. Trump pode ter cometido um erro ainda maior ao
assassinar o general Soleimani e transformar o Iraque, lugar onde o Irão tem
muito mais influência, em arena na qual a rivalidade entre essas duas potências
será combatida. Agora percebo que minha amiga de Bagdade devia estar certa, três
meses atrás, ao sugerir que a aposentadoria na Turquia poderia ser a opção mais
segura.
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