Brasileiros são a maioria
Portugal atingiu um número recorde
de imigrantes vivendo no país. O anúncio foi feito pelo governo nesta
quarta-feira (15), durante debate no Parlamento sobre o Orçamento de Estado
para 2020.
"Os dados preliminares levam
a dizer que em 2019, pela primeira vez na nossa história, é ultrapassada a
barreira do meio milhão de cidadãos estrangeiros a residir em Portugal. São
cerca de 580 mil, eram 490 mil no final de 2018", disse o ministro da
Administração Interna, Eduardo Cabrita.
De acordo com o ministro, só no
ano passado foram concedidas 135 mil novas autorizações de residência pelo
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Os dados foram apresentados em
tom de otimismo, como resultado de uma série de políticas que fez com que o
país tenha voltado a ser considerado atrativo no exterior. "Portugal, que
durante séculos exportou portugueses para todo o mundo, com o ajustamento
financeiro recuperou atratividade e credibilidade. E assumimos, para responder
ao desafio demográfico, que precisamos que estrangeiros se radiquem em Portugal",
disse Eduardo Cabrita.
Comunidade brasileira em
crescimento
Entre o total, os brasileiros
continuam sendo o maior grupo imigrante, com crescimento nos últimos dois anos.
Dados do SEF fornecidos ao jornal português Público mostram que agora há 151
mil cidadãos do Brasil residindo legalmente no país, o maior número já
registado. Em 2018 eram pouco mais de 105 mil.
"Brasileiros procuram
segurança e qualidade de vida, especialmente os que possuem filhos – a grande
maioria dos meus clientes. A mesma língua, ainda que com suas diferenças, tem
grande impacto nessa decisão, bem como a cultura parecida com a brasileira. O
clima ensolarado ajuda muito na adaptação", diz à Sputnik Brasil a
advogada Caroline Campos, especializada em questões de imigração, da Campos &
Oliveira Advogados.
A administradora Bianca Cardoso
faz parte da estatística atual. Em março de 2019, a carioca, que na época
morava em Salvador, se mudou para Portugal. O contato com o país já existia, já
que o marido de Bianca é português. Quando chegou a hora de encarar uma mudança
profissional, que significaria ter que voltar para o Rio de Janeiro, o casal
optou por Portugal. "Hoje em dia, com tantos imigrantes, novas gerações chegando, isso está
ajudando muito o país. A gente está levantando o país. Melhorou muito essa
questão de economia, de trabalho. O Portugal que eu conheci 11 anos atrás, olhando
para o de agora, não tem comparação", conta Bianca à Sputnik Brasil.
Dificuldades
Ainda assim, a administradora
ressalta que existem dificuldades, principalmente para a entrada no mercado de
trabalho. "A pessoa tem que vir com alguma condição financeira para poder
se instalar. Não é fácil começar uma nova vida na Europa como desenham, como
conto de fada. Tem que vir contando em ficar alguns meses desempregado, com uma
ajuda financeira, porque não é tão fácil."
A ortodontista Aline Cristofaro
também chegou em 2019, fugindo da violência do Rio de Janeiro. "Eu levava
duas horas para chegar ao trabalho e esse trajeto era complicado, passava por
várias favelas, passei alguns sufocos com tiros, e a gente ficava muito apreensivo. Eu ia de trem e uma vez
fiquei entre um tanque de guerra do Exército e os traficantes. Liguei para o
meu marido chorando para me despedir. A gota d'água foi que entraram no nosso
prédio. A gente morava em um condomínio fechado e um cara pulou", conta
Aline à Sputnik Brasil.
Portugal foi a escolha pela
segurança e pela língua, mas ao chegar a família esbarrou em uma das maiores dificuldades
atualmente: a demora para atendimento no SEF. "A gente chegou em maio, meu
marido só conseguiu para setembro. E eu e minha filha só fomos atendidas agora,
dois dias atrás."
Enquanto espera o cartão com a
autorização de residência chegar em casa, Aline encontra algumas das barreiras
que estrangeiros sem o documento enfrentam. "Eu gostaria de voltar a
dirigir e não posso fazer autoescola ainda, não posso procurar faculdade para
fazer mestrado, só com a autorização de residência", conta.
"As marcações no SEF são
para meses à frente, dificultando a regularização no país, a busca de emprego e
também a inscrição nos órgãos necessários", explica a advogada Caroline
Campos.
Mudanças positivas
No entanto, a advogada considera
que Portugal vem facilitando em alguns aspectos que criam um cenário melhor
para os estrangeiros. "Agilizando os vistos para estudantes e
trabalhadores qualificados, a possibilidade de criação de um visto green também
é uma novidade para atrair imigrantes."
O visto green, proposto no
Orçamento de Estado para 2020, é uma das mudanças que poderão ser feitas no
regime para concessão das Autorizações de Residência para Investimento (ARI),
popularmente chamado de "visto gold". O governo pretende, assim,
incentivar investimentos estrangeiros em atividades de alto valor ambiental e
também atrair esses negócios para regiões do interior do país.
Alvo de críticas, o visto gold é
concedido principalmente por investimento imobiliário. De acordo com o ministro
Eduardo Cabrita, o programa resultou em 700 milhões de euros de investimento em
2019, cerca de 650 milhões em compra de imóveis.
Outras medidas recentes adotadas
pelo governo envolvem a facilitação de alguns procedimentos burocráticos
importantes, como a obtenção do Número de Inscrição na Segurança Social (NISS),
equivalente ao registo no INSS no Brasil, fundamental para quem precisa
regularizar a situação de residência. "É necessário para obter os
benefícios sociais. Sem o número não há qualquer assistência. Quem é imigrante
chegava a esperar seis meses pelo número. Agora pode obter na hora a
inscrição", explica a advogada.
Em vigor desde o último dia 2 de
janeiro, a iniciativa NISS na Hora atribuiu, em apenas uma semana, 3.461
registos. Em nota enviada à imprensa, a ministra do Trabalho, Solidariedade e
Segurança Social, Ana Mendes Godinho, considera que "é um sinal muito claro
sobre a importância e os efeitos práticos desta medida. É nossa prioridade
simplificar a relação da Segurança Social com os cidadãos e garantir capacidade
de resposta rápida, que permite uma maior inclusão social e a capacidade, neste
caso, de simplificar o processo de vistos de trabalho para trabalhadores
estrangeiros".
Para Aline Cristofaro, acompanhar
as mudanças e lidar com prós e contras faz parte do dia a dia de quem pretende
permanecer no país. "Aqui não temos ninguém. Algumas coisas são fáceis, outras
temos que batalhar. Minha filha está em uma escola onde é super bem recebida.
Eu não vou voltar, vim determinada a ficar."
Caroline Ribeiro
| Sputnik | Imagem: © AP Photo / Francisco Seco
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