Extradição aos EUA será decidida
a partir de 24/2. Se autorizada, fundador do Wikileaks ficará incomunicável, e
poderá ser condenado a 175 anos. Perseguição vira precedente para calar
imprensa crítica. Mas a resistência também cresce
Nozomi Hayase | Outras Palavras | Tradução de Simone
Paz Hernández
Na audiência da última
quinta-feira, em Westminster, Londres, foi estabelecido o cronograma do caso de
extradição de Julian Assange para os Estados Unidos. As equipes jurídicas de
Assange nos EUA fizeram um pedido para que a audiência de extradição fosse dividida
em duas fases. Seu advogado de defesa, Edward Fitzgerald, explicou ao tribunal
que eles não estarão prontos para apresentar o corpo principal de suas provas
até depois da primeira semana da audiência, que começar, segundo se prevê, no
final de fevereiro.
Assange foi indiciado por 17
acusações de espionagem, entre elas, por ter publicado documentos sobre a
guerra dos EUA no Irã e no Afeganistão, e sobre as torturas na prisão de
Guantánamo. Na audiência anterior, na segunda-feira 13 de janeiro, seu advogado,
Gareth Peirce, levantou a questão que o preocupa: até agora, Assange não teve
acesso a apoio jurídico, o que dificulta uma preparação adequada para sua
defesa — ainda mais quando se enfrenta a sentenças que podem somar 175 anos de
prisão.
Recentemente, surgiram
novas evidências que provam que a CIA contratou a empresa de segurança
espanhola, US Global, para espionar Assange dentro da Embaixada do Equador em
Londres, na época em que ele habitou o local sob asilo político. Os alvos da
vigilância incluíam seus advogados, médicos e visitas. Agora, três
ex-funcionários da companhia se
apresentaram como testemunhas, confirmando que seu então chefe, David
Morales, ordenou que os trabalhadores instalassem na embaixada novas câmeras de
vídeo, com capacidade de gravação de áudio, em dezembro de 2017.
Na saída da corte, após a
audiência, o editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, declarou: “Com os
depoimentos apresentados pelos EUA, nós agora aprendemos que eles não
consideram que os estrangeiros possam ter proteção pela Primeira Emenda [à
Constituição norte-americana, que assegura liberdade de expressão].” Ele
insistiu em como isso é uma perseguição política contra um jornalista — e um
grave ataque à liberdade de imprensa, com repercussão mundial.
John Reed, um dos representantes
da campanha “Don’t Extradite Assange” (“Não à extradição de Assange”), criada
pelo WikiLeaks no Reino Unido, também falou com
a imprensa:
“Se Assange for extraditado, ele
será imediatamente submetido às “Medidas Administrativas Especiais”,
ou seja, ele e sua equipe jurídica não poderão falar com a imprensa nem com o
público… ele será jogado para um buraco negro”. Em seguida, alertou o público:
“Isso é guerra contra o jornalismo. Nenhum tipo de jornalismo estará a salvo
com as acusações e perseguições atuais. Se o julgamento de Assange for levado
adiante, isso pode acontecer.”
A equipe jurídica de Assange tem alertado sobre
a ameaça à liberdade de imprensa por parte da ação judicial do governo dos EUA
— ao processar um jornalista estrangeiro, negar a proteção da Primeira Emenda e
aplicar a Lei de Espionagem.
Até a mídia mainstream chamou
a atenção para estes fatos assim que as acusações contra Assange foram
revelados, em 2018. Sobre a perseguição ao criador do WikiLeaks, o New
York Times declarou:
“Uma acusação centrada na publicação de informações de interesse público… gera
um precedente com profundas implicações para a liberdade de imprensa”. O The
Atlantic apontou:
“Se o governo dos EUA processar o editor do WikiLeaks por publicar material
classificado, todos os meios de comunicação estarão em risco”.
Agora, o “precedente de Assange”
parece estar se estabelecendo silenciosamente. A fagulha da guerra ao
jornalismo aumentou. Na terça-feira, Glenn Greenwald, jornalista do The
Intercept, foi indiciado por
crimes cibernéticos no Brasil. Grupos de liberdade de imprensa saíram
rapidamente em sua defesa, condenando o ato de criminalização do jornalismo
pelo governo brasileiro. James Jaffer, diretor do Instituto da Primeira Emenda
na Universidade de Columbia, ressaltou as graves semelhanças entre o caso de
Greenwald e o de Assange:
“É terrível ver isto acontecendo.
A ideia de que jornalistas possam ser processados por publicar informações que
outros obtiveram ilegalmente (eu assumo que essa seja a ideia ou teoria em
questão, apesar das reviravoltas do caso) é, claramente, a base do indiciamento
dos EUA contra Julian Assange, também”.
À medida em que o ataque aos
princípios da Primeira Emenda aumenta no mundo todo, Assange, prisioneiro desta
guerra, permanece em completo isolamento na prisão de Belmarsh, em Londres.
Desde o dia 22 de setembro de 2019, ele está preso apenas pelo pedido de
extradição dos EUA.
Nils Melzer, Relator Especial da
ONU sobre Tortura, alertou
com preocupação que Assange, cuja saúde entrou em uma “espiral
descendente” dentro da prisão, é vítima de tortura psicológica.
A audiência de extradição de
Assange está marcada para começar em 24 de fevereiro, dividida em duas partes:
primeiro, ao longo de uma ou duas semanas; em seguida, após o dia 18 de maio,
por mais três semanas. Este é o caso mais importante contra a liberdade de
imprensa do século XXI. As pessoas precisam se engajar na luta pelo fim da
guerra ao jornalismo.
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