João Melo | Diário de Notícias |
opinião
A atual situação na Guiné-Bissau
deve-se, em parte, a um aparente cansaço da comunidade internacional, a começar
pelo continente africano, em relação à persistência do impasse histórico e
político naquele pequeno país de língua portuguesa na África Ocidental. Mas, quando
se trata da legitimidade dos processos democráticos, não pode haver cansaço: é
imperioso insistir que os mesmos têm de fundar-se na força da lei e do direito.
A verdade é que a pressa com que
alguns países importantes - incluindo a maior potência mundial - reconheceram o
presidente anunciado pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) da Guiné-Bissau
quando o processo estava sub judice, encorajou algumas forças a pensar que
agora, diante do recurso apresentado por um dos concorrentes, podem lançar mão
de todos os meios para impor um resultado que, hipoteticamente, pode ter
acontecido - o PAIGC garante que não -, mas ainda não está devidamente apurado,
tal como recomendou o Tribunal Supremo bissau - guineense.
Nesse sentido, os países membros
da CEDEAO e da CPLP - as duas mais importantes organizações internacionais de
que a Guiné-Bissau faz parte - também não estiveram bem, inicialmente, na
fotografia.
A avaliar, entretanto, pelas
informações mais recentes, parece que alguns dos países e organizações que se
apressaram a reconhecer os resultados das últimas eleições presidenciais na
Guiné-Bissau quando o recurso do PAIGC estava a ser analisado estão atualmente
a reconsiderar as suas decisões, adotando, pelo menos, posições mais
cautelosas. Fazem bem, porque o que está em jogo neste caso é muito mais
do que o mero (?) resultado eleitoral num pequeno e supostamente
"inviável" país.
A crise da Guiné-Bissau tem
também, naturalmente, explicações mais recentes. Uma delas, talvez estrutural,
é de natureza jurídico-constitucional: a relação conflituosa entre o Presidente
da República, o governo e o parlamento, pelo menos desde o consulado de José
Mário Vaz. A mesma remete-nos para uma discussão renitente, a saber, qual o
modelo ideal para o continente africano é o semiparlamentar ou o presidencial?
A experiência dos países afro - francófonos, mas não só (os casos da
Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe são muito similares), caracterizada pela
instabilidade crónica, parece aconselhar a segunda resposta.
Outras circunstâncias são
conjunturais, mas igualmente determinantes. Com efeito, é impossível ignorar
também a perniciosa influência do tráfico internacional de drogas, as ambições
regionais do Senegal, a expansão do Islão radical e a consequente ameaça do
terrorismo. Fatores que a diplomacia e a imprensa, talvez cansadas de lidar com
um estado cuja instabilidade parece eterna, claramente descuraram, pelo menos
nas primeiras semanas após as eleições presidenciais naquele país.
E, no entanto, a situação parece
simples: foram feitas eleições, os resultados proclamados foram contestados por
um dos concorrentes, a quem o Tribunal Supremo deu razão, ordenando o
apuramento eleitoral "ab initio", decisão que, até agora, não foi
respeitada pela Comissão Nacional de Eleições. Os apoiantes do candidato
declarado vencedor pela CNE defendem que isso não obriga esta última a proceder
à recontagem dos votos, pois tal não está previsto na legislação guineense.
Sim, é verdade que esse procedimento não está legalmente previsto, mas também
não está proibido. Aliás, pergunta-se: como proceder ao apuramento "ab
initio" sem recontagem dos votos?
A rigor, não parece possível
ultrapassar verdadeiramente o atual impasse eleitoral na Guiné-Bissau sem a
recontagem dos votos. África e o mundo não devem, pois, hesitar: o seu
dever é condenar sem ambiguidade a tentativa de resolver a presente crise pela
força das armas e pressionar todos os atores locais a acatarem a decisão do
tribunal e a aceitarem os resultados finais, apurados após a recontagem.
O país de Amílcar Cabral merece-o.
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