Em relação a outros países
europeus, o governo alemão tem sido lento na resposta à pandemia. Merkel
desperdiçou uma oportunidade crucial e demonstrou falta de liderança em meio à
crise, opina Cristina Burack.
Quando a pandemia do coronavírus
terminar, pois é isso que vai acontecer em algum momento, me pergunto se os
países olharão para trás e calcularão quantas mortes poderiam ter sido
evitadas. Como poderiam ter agido de foma mais eficiente e eficaz? Quantos avôs e
avós poderiam ter sido salvos? Mães e pais? Seres queridos com problemas
cardíacos ou asma?
Em especial, eu me pergunto o que
a Alemanha vai pensar. É natural, porque eu vivo aqui. Mas também o faço por o
país ter deixado uma janela de oportunidade se fechar. A chanceler federal
Angela Merkel demonstrou falta de liderança em sua reação ao surto viral. A
Alemanha pôde ver o aterrador avanço do vírus em Estados europeus vizinhos,
avaliar seu próprio futuro, mas desperdiçou a preciosa chance de evitar acabar
na mesma situação.
Até agora, o país teve muito
menos mortes por coronavírus do que seus vizinhos. Contudo cientistas alertaram
que pode haver muito mais infecções do que os cerca de 10 mil casos atualmente
confirmados, devido à defasagem de 14 dias até o aparecimento dos sintomas. O
consenso é que os números vão subir.
Embora tenha um sistema de saúde
robusto, a Alemanha corre o mesmo risco que a Itália enfrentou, de ter seus
serviços médicos sobrecarregados por um volume de casos desencadeado por um desaceleramento
inadequado da contaminação. Não é um bom sinal o atropelamento para se preparar
e estar organizado que já se viu nos hospitais e centros de exames alemães, com
as cifras ainda relativamente baixas.
A Alemanha registou seu primeiro
caso em 27 de janeiro, porém a primeira
coletiva de imprensa de Merkel sobre o vírus só veio em 11 de março,
quando a Itália já estava em seu segundo dia de estado de emergência. Ela
avisou que 70% da população poderia se contagiar e, apropriadamente, sublinhou
a necessidade de distância social. Na última segunda-feira (16/03), com o
número de casos em ascensão, anunciou
uma série de medidas restritivas acordadas com governadores estaduais,
a fim de tentar reduzir a velocidade de alastramento do vírus.
Essas medidas, contudo, ainda
estão muito aquém das adotadas nos países vizinhos, muitos dos quais decretaram
estado de emergência, e a Bélgica se une a eles nesta quarta-feira. Merkel
apelou aos cidadãos para permanecerem em casa, mas parece que não haverá
imposição legal, embora os apelos ao senso de responsabilidade individual
tenham até agora sido ignorados – como prova o burburinho usual em muitos
cafés, ou as festinhas particulares sendo organizadas.
Deixem-me ser clara: não celebro
a introdução de leis de caráter marcial. Talvez uma progressão gradativa das
medidas restritivas seja necessária para evitar uma rebordosa política,
sobretudo num país com uma forte corrente libertária.
A estrutura federal alemã é
igualmente um obstáculo à gestão de crise coordenada. Diversos poderes recaem
sobre os 16 estados federados, o que limita a capacidade de implementar
restrições de âmbito nacional. Contudo, mesmo que Merkel não disponha do poder
político para agir de que dispõe o líder de um Estado mais centralizado, como a
França, agir e liderar não são a mesma coisa.
Merkel tem sido elogiada por
manter sua a calma, marca registada, e reagir atentando para os fatos
científicos. Isso merece aplauso. Porém no momento a Alemanha precisa de mais
do que alguém que reage racionalmente: ela precisa de um líder proativo.
Teria sido mais corajoso da parte
da chefe de governo quebrar seu formato de "esperar até não haver mais
opção e anunciar o inevitável" e adotar medidas mais abrangentes, como uma
quarentena de duas semanas. Medidas mais agressivas, introduzidas mais cedo,
reduziriam o risco de o país cair num cenário de pesadelo: se ele esperar até
tais medidas serem claramente necessárias, será obviamente tarde demais.
O único ponto em que a líder
conservadora alemã agiu, mandando fechar as fronteiras com diversos países
Europeus, contradiz seus apelos à solidariedade na União Europeia. Alguns
especialistas em saúde igualmentre questionam a eficácia de tais medidas. A transmissão
do coronavírus está ocorrendo entre colegas, vizinhos, amigos, o que precisa
ser defendido é a distância de um metro, não a fronteira nacional.
Neste exato momento, sinto que a
Alemanha está perdendo o senso de unidade nacional diante de uma crise sem
precedentes. O clima geral se encontra em algum ponto entre paranóia,
ignorância voluntária e fatalismo de quem deseja o melhor possível.
Um pouco de emoção atípica da
parte de Merkel poderia ter despertado um senso de propósito nacional: estes
tempos extraordinários certamente merecem um tom novo extraordinário assim, da
primeira-ministra estóica como uma pedra. Em vez disso, ela se eximiu de ser proativa, e
perdeu uma oportunidade crucial.
Cristina Burack | Deutsche Welle
| opinião
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