quinta-feira, 19 de março de 2020

Alemanha demorou demais para reagir ao coronavírus


Em relação a outros países europeus, o governo alemão tem sido lento na resposta à pandemia. Merkel desperdiçou uma oportunidade crucial e demonstrou falta de liderança em meio à crise, opina Cristina Burack.

Quando a pandemia do coronavírus terminar, pois é isso que vai acontecer em algum momento, me pergunto se os países olharão para trás e calcularão quantas mortes poderiam ter sido evitadas. Como poderiam ter agido de foma mais eficiente e eficaz? Quantos avôs e avós poderiam ter sido salvos? Mães e pais? Seres queridos com problemas cardíacos ou asma?

Em especial, eu me pergunto o que a Alemanha vai pensar. É natural, porque eu vivo aqui. Mas também o faço por o país ter deixado uma janela de oportunidade se fechar. A chanceler federal Angela Merkel demonstrou falta de liderança em sua reação ao surto viral. A Alemanha pôde ver o aterrador avanço do vírus em Estados europeus vizinhos, avaliar seu próprio futuro, mas desperdiçou a preciosa chance de evitar acabar na mesma situação.

Até agora, o país teve muito menos mortes por coronavírus do que seus vizinhos. Contudo cientistas alertaram que pode haver muito mais infecções do que os cerca de 10 mil casos atualmente confirmados, devido à defasagem de 14 dias até o aparecimento dos sintomas. O consenso é que os números vão subir.

Embora tenha um sistema de saúde robusto, a Alemanha corre o mesmo risco que a Itália enfrentou, de ter seus serviços médicos sobrecarregados por um volume de casos desencadeado por um desaceleramento inadequado da contaminação. Não é um bom sinal o atropelamento para se preparar e estar organizado que já se viu nos hospitais e centros de exames alemães, com as cifras ainda relativamente baixas.


A Alemanha registou seu primeiro caso em 27 de janeiro, porém a primeira coletiva de imprensa de Merkel sobre o vírus só veio em 11 de março, quando a Itália já estava em seu segundo dia de estado de emergência. Ela avisou que 70% da população poderia se contagiar e, apropriadamente, sublinhou a necessidade de distância social. Na última segunda-feira (16/03), com o número de casos em ascensão, anunciou uma série de medidas restritivas acordadas com governadores estaduais, a fim de tentar reduzir a velocidade de alastramento do vírus.

Essas medidas, contudo, ainda estão muito aquém das adotadas nos países vizinhos, muitos dos quais decretaram estado de emergência, e a Bélgica se une a eles nesta quarta-feira. Merkel apelou aos cidadãos para permanecerem em casa, mas parece que não haverá imposição legal, embora os apelos ao senso de responsabilidade individual tenham até agora sido ignorados – como prova o burburinho usual em muitos cafés, ou as festinhas particulares sendo organizadas.

Deixem-me ser clara: não celebro a introdução de leis de caráter marcial. Talvez uma progressão gradativa das medidas restritivas seja necessária para evitar uma rebordosa política, sobretudo num país com uma forte corrente libertária.

A estrutura federal alemã é igualmente um obstáculo à gestão de crise coordenada. Diversos poderes recaem sobre os 16 estados federados, o que limita a capacidade de implementar restrições de âmbito nacional. Contudo, mesmo que Merkel não disponha do poder político para agir de que dispõe o líder de um Estado mais centralizado, como a França, agir e liderar não são a mesma coisa.

Merkel tem sido elogiada por manter sua a calma, marca registada, e reagir atentando para os fatos científicos. Isso merece aplauso. Porém no momento a Alemanha precisa de mais do que alguém que reage racionalmente: ela precisa de um líder proativo.

Teria sido mais corajoso da parte da chefe de governo quebrar seu formato de "esperar até não haver mais opção e anunciar o inevitável" e adotar medidas mais abrangentes, como uma quarentena de duas semanas. Medidas mais agressivas, introduzidas mais cedo, reduziriam o risco de o país cair num cenário de pesadelo: se ele esperar até tais medidas serem claramente necessárias, será obviamente tarde demais.

O único ponto em que a líder conservadora alemã agiu, mandando fechar as fronteiras com diversos países Europeus, contradiz seus apelos à solidariedade na União Europeia. Alguns especialistas em saúde igualmentre questionam a eficácia de tais medidas. A transmissão do coronavírus está ocorrendo entre colegas, vizinhos, amigos, o que precisa ser defendido é a distância de um metro, não a fronteira nacional.

Neste exato momento, sinto que a Alemanha está perdendo o senso de unidade nacional diante de uma crise sem precedentes. O clima geral se encontra em algum ponto entre paranóia, ignorância voluntária e fatalismo de quem deseja o melhor possível.

Um pouco de emoção atípica da parte de Merkel poderia ter despertado um senso de propósito nacional: estes tempos extraordinários certamente merecem um tom novo extraordinário assim, da primeira-ministra estóica como uma pedra. Em vez disso, ela se eximiu de ser proativa, e perdeu uma oportunidade crucial.

Cristina Burack | Deutsche Welle | opinião

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