sábado, 7 de março de 2020

EUA | Inimigo da ciência gere a crise do coronavírus na Casa Branca

A equipa de Pence reza na Casa Branca a fim de exorcizar o mal
Wayne Madsen [*]

Michael Pence, o fundamentalista cristão que ocupa o lugar de vice-presidente dos Estados Unidos, um céptico da ciência, foi encarregado por Donald Trump de filtrar toda a informação sobre o coronavírus que pode chegar à comunicação social e à população dos Estados Unidos. Ferrenho do dogma "criacionista" e inimigo da teoria da evolução, responsável pelo maior surto de HIV no Estado de Indiana, onde era governador, adversário do uso de preservativo – método "demasiado moderno" – adepto do "tratamento clínico" da homossexualidade, Pence dirige uma "task-force" para lidar com a crise do COVID-19. E a fotografia oficial da primeira reunião do grupo na Casa Branca mostra os participantes rezando para que o mal do coronavírus seja afastado.

Rush Limbaugh, um comentador de rádio norte-americano de extrema-direita a quem recentemente Trump concedeu a Medalha Presidencial da Liberdade, uma honra atribuída normalmente a quem contribuiu para o bem da sociedade, sugeriu recentemente que o novo coronavírus, também conhecido por COVID-19, não passa de uma constipação comum que foi "armadilhada" pelos opositores do presidente para prejudicá-lo nas eleições deste ano. Tal contratempo para os marginais lunáticos que se opõem à ciência e à medicina modernas, incluindo vacinas, não se limita às ondas de rádio.

O senador republicano Tom Cotton, do Arkansas, considera o coronavírus um produto chinês da guerra biológica que terá escapado acidentalmente do único laboratório de nível 4 de biossegurança da China, localizado em Wuhan, cidade onde ocorreu o primeiro surto relatado do vírus. Ao que consta, Cotton foi influenciado na sua opinião por Steve Bannon, o ex-estratego de Trump, caudilho da união de grupos fascistas, ultranacionalistas e populistas da Europa, especialista em teorias da conspiração. A tese das armas biológicas chinesas logo surgiu estampada nas páginas do Washington Times, diário de extrema-direita que é propriedade da família do chefe da seita religiosa coreana Sun Myoung-moon ("reverendo Moon"), e do Washington Examiner, propriedade de Philip Anschutz, bilionário financiador de várias causas e grupos de extrema-direita. Cavalgando igualmente a onda chinesa das armas biológicas esteve o Epoch Times, propriedade da seita religiosa chinesa Falun Gong, que se opõe ao governo de Pequim e surge frequentemente associada à CIA.

Um controlo descontrolado

Limbaugh, Cotton, Bannon e os jornais de extrema-direita, auxiliados e incentivados pela cadeia de televisão Fox News, o website Breibart News, onde Bannon trabalhou, e vários sites conspirativos conduzem uma operação de diversão e desinformação da população em relação ao coronavírus multiplicando truques de propaganda congeminados pelos gestores da campanha presidencial de Trump. O presidente afirmou erradamente que o coronavírus está "sob controlo" nos Estados Unidos e que irá desaparecer com a subida de temperatura própria da Primavera.

Durante uma rara conferência de imprensa na Casa Branca, em 26 de Fevereiro, Trump mentiu quando afirmou que os Estados Unidos tinham apenas 15 casos confirmados de coronavírus. Na altura eram 59: e quando o presidente garantiu o "controlo", uma mulher do condado de Solano, na Califórnia, foi o primeiro caso de uma pessoa contaminada sem ter feito viagens ou estar exposta a infectados com o vírus.

Pence: "rezem!"

Donald Trump nomeou o vice-presidente, Michael Pence, para chefiar a task-force da Casa Branca encarregada de lidar com os efeitos do coronavírus. Em 2015, quando era governador de Indiana, a incompetência e a ignorância deste fundamentalista cristão provocaram o pior surto de HIV da história do Estado ao opor-se a um programa de troca de seringas. Devido ao facto de ser titular do financiamento estatal para as agências de saúde pública, Pence é agora responsável por garantir que todas as informações do governo federal sobre o surto de coronavírus passem pelo seu gabinete antes de serem tornadas públicas. Este dirigente político para quem o preservativo é "demasiado moderno" fez distribuir uma fotografia da primeira reunião da task-force na ala oeste da Casa Branca na qual se vêm todos os participantes rezando para "afastar o coronavírus".

"É só uma gripe"

O ministro oficioso da propaganda de Trump, Limbaugh, deu que falar ao acusar a Dra. Nancy Messonnier, directora do Centro Nacional de Imunização e Doenças Respiratórias do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), de estar por detrás de uma conspiração do "Estado profundo" para armadilhar a "gripe comum" da qual o coronavírus não passa. Limbaugh sugeriu que Messonier está envolvida numa conspiração clandestina para impedir a reeleição de Trump; e citou o facto de o irmão da Dra. Messonier ser o vice-procurador-geral Rod Rosenstein, que nomeou Robert Mueller como conselheiro especial para investigar as alegadas actividades contra a campanha de Trump em 2016, designadamente a suposta "interferência russa". Durante a sua conferência de imprensa, o presidente afirmou que não discorda da acusação lançada por Limbaugh contra Messonier. Trump envolveu ainda os chefes das bancadas democráticas no Congresso, em especial o da minoria no Senado, Chuck Schumer, no leque de conspirações.

Donald Trump sentiu-se ainda ofendido pelo Dr. Anthony Fauci, de 79 anos, chefe do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (NIAID), por ter afirmado que o número de infectados nos Estados Unidos não iria parar nos 59 confirmados até então. Trump não gosta de ser contrariado, em público ou em privado, mesmo quando está errado.

A maior calamidade da conferência de imprensa foi, porém, a notícia da nomeação de Pence – um céptico em relação a tudo quanto diz respeito à ciência, um fanático adepto do dogma do "criacionismo". Cabe-lhe, então, filtrar todas as informações sobre o coronavírus emanadas pelas agências de saúde pública como o CDC, o NIAID, o Departamento de Saúde e Serviços Humanitários ou o Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos.

Embora não haja provas de que o governo chinês, como é alegado por Cotton e Bannon, tenha sido, de alguma forma, responsável pelo coronavírus, há bastantes exemplos de que, pelo contrário, o governo dos Estados Unidos esteve envolvido na produção e transmissão de agentes biológicos e químicos durante e depois da guerra fria. Estes dados, porém, nunca foram preocupação para Cotton, Pence e outras pessoas da mesma espécie.

Em 1997, um investigador da Universidade Estadual de Iowa extraiu, com êxito, material genético dos restos mortais de uma mulher obesa de trinta e alguns anos que morreu em consequência da gripe espanhola no Alasca, em 1918. Juntamente com ela, e no espaço de uma semana, faleceram cerca de 85% dos membros da Missão Brevig (chamada Missão Teller em 1918). A pandemia de gripe espanhola matou pelo menos 50 milhões de pessoas em todo o mundo.

Trabalhos de Drs. Frankensteins

Uma vez que o material genético foi obtido dos pulmões, baço, fígado e coração da mulher inuit, os cientistas recriaram o vírus da gripe espanhola de 1918 num laboratório financiado pelo governo dos Estados Unidos. Os órgãos da mulher foram cortados em cubos de 2,5 centímetros e enviados para o Instituto de Patologia das Forças Armadas em Rockville, Maryland, onde o vírus foi identificado e reactivado. Não se tratou, aliás, da única diligência do género: equipas de cientistas norte-americanos deslocaram-se a Longyearbyen, na remota ilha ártica norueguesa de Svalbard, para abrir as campas de mineiros que foram vítimas da gripe espanhola em 1918.

Talvez o senador Cotton e Steve Bannon não precisem mais do que procurar nos laboratórios do governo dos Estados Unidos em Maryland, incluindo o Instituto de Investigação Médica do Exército dos Estados Unidos em Fort Detrick, para encontrar o verdadeiro Dr. Frankenstein que brinca com perigosos organismos patogénicos.

Parte do material genético da gripe espanhola foi supostamente reproduzido para criar sinteticamente o que é hoje conhecido como vírus A/H1N1 ou, segundo designação do CDC, "a nova gripe". A gripe A/N1H1, que contém material genético de duas linhagens de gripe suína, duas linhagens de gripe humana e uma única linhagem de gripe das aves matou pelo menos 579 mil pessoas quando a pandemia varreu o mundo em 2009.

É importante que, ao lidar com pandemias, o governo transmita absolutamente a verdade à população e aos meios de comunicação social. Durante o surto de "nova gripe" em 2009, o Centro Nacional de Contacto do CDC funcionou como "a única fonte fiável de informações precisas, oportunas, consistentes e de base científica para o público em geral, prestadores de serviços de saúde e parceiros de saúde pública". Deixou de ser assim com a Administração Trump e o coronavírus. Michael Pence, um vice-presidente que acredita que a Terra tem apenas seis mil anos, que os dinossauros coexistiram com os seres humanos, que a homossexualidade é passível de tratamento médico, é o árbitro que decide quais as informações médicas sobre o COVID-19 a transmitir à população. Pence é quem estabelece o que deve ser do conhecimento de todos: as notícias sobre o coronavírus devem ser "boas", não podem afectar os mercados bolsistas e a economia dos Estados Unidos, que já estão em colapso. Os Estados Unidos são governados por um regime que se orienta por superstições, mitos e magia.

03/Março/2020

[*] Jornalista

O original encontra-se em Strategic Culture Foundation e a tradução em www.oladooculto.com/noticias.php?id=662

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/


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