Manuel Carvalho Da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
No início da manhã do dia 27 de
fevereiro, na Quinta da Parvoíce, em Setúbal, o Instituto da Habitação e
Reabilitação Urbana (IHRU), não esperando pela decisão do tribunal sobre uma
providência cautelar requerida por seis moradores, e denotando uma atitude que
moralmente em nada abona em seu favor, desencadeou uma ação de demolição de
casas ainda em construção.
Outras casas ali existentes e já
habitadas teriam tido igual destino - conforme editais anteriormente afixados
nas suas portas - não fosse a solidariedade de várias pessoas e instituições.
Entidades públicas e algumas forças políticas ficaram silenciosas, mesmo depois
da Comunicação Social nos ter mostrado o drama. E a Justiça não foi capaz de
dar, em tempo útil, uma resposta a uma providência cautelar.
Os habitantes daquele espaço são
famílias pobres, imigrantes em geral vindos de países lusófonos, com trabalhos
de baixa qualificação na construção civil, em atividades sazonais e em serviços
de limpeza, em particular em unidades de turismo de Troia. Porque não dispõem
de rendimentos para pagarem rendas, deitaram mão dos seus parcos recursos
económicos, do seu próprio trabalho e de forte solidariedade de vizinhos e
amigos - como fizeram tantos emigrantes portugueses no passado - e foram
construindo as suas modestas casas naqueles terrenos que são reserva florestal
e ecológica.
O processo de construção arrastou-se
no tempo, não foi uma empreitada de uma noite ou de uma semana. Se tivesse
havido mais atenção por parte dos poderes locais e vontade política das
instituições competentes, teria sido possível uma intervenção preventiva a
evitar que a construção clandestina prosseguisse. É claro que tal atitude
obrigaria à procura de soluções dignas e isso dá trabalho e instabiliza as
rotinas do poder.
O IHRU, que certamente não
desconhecia a situação - ainda no verão passado se registou naquela zona um
grande incêndio - optou por ir empurrando o problema com a barriga em vez de
partir para uma resposta de realojamento com rendas sociais adequadas. Que
soluções acabarão por arranjar, agora que foram impelidos a agir? Naquela mesma
Quinta existe outro aglomerado de cerca de 50 habitações, precárias e
habitadas, em terreno que fora do IHRU e se encontra sob tutela da Câmara,
problema que também precisa de ser resolvido.
A situação da habitação em
Portugal - que em 2018 apenas dispunha de 2% do stock total da habitação como habitação
pública - tende a tornar-se explosiva. Os sensos de 2021 deverão dizer-nos onde
e como se encontram hoje os portugueses a viver. O boom do turismo está a
provocar fortíssimo agravamento do custo da habitação nos grandes centros
urbanos e em periferias cada vez mais amplas. Esse facto, os efeitos das
políticas de austeridade e a persistência dos baixos salários estão a privar,
não só os pobres, mas também as classes médias populares e trabalhadoras, de
acesso a uma habitação digna.
O Estado não pode deixar de
socorrer as famílias mais pobres e vulneráveis e não o está a fazer. A
consequência disso e da pobreza de quem trabalha é depararmo-nos com uma cada
vez maior "fila" das famílias empobrecidas, incapazes de suportar os
encargos que têm com a sua habitação. É a partir destas desgraças que o
populismo e os políticos retrógrados se alimentam.
*Investigador e professor
universitário
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