No primeiro dia de Nuno Nabiam à
frente do Governo, juristas ainda debatem o que chamar a Umaro Sissoco Embaló,
que empossou o primeiro-ministro no fim de semana. Será "autoproclamado
Presidente?" Tensão continua.
Foi o primeiro dia no poder
do novo Governo liderado por Nuno Gomes Nabiam, antigo primeiro vice-presidente
do Parlamento e líder do quarto partido mais votado nas legislativas de março
de 2019, a Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau
(APU-PDGB).
Os 19 ministros e 13 secretários
de Estado foram empossados na segunda-feira (02.03) à noite por Umaro Sissoco
Embaló, que preside a Guiné-Bissau neste momento. O novo Governo ainda não
tem um ministro da Saúde Pública, numa altura em que foi registado um caso
de coronavírus no país vizinho Senegal. O Ministério da Saúde guineense
continua fechado e ocupado por militares.
Em funções mantém-se a ministra
dos Negócios Estrangeiros, Suzi Barbosa, envolta em polémica devido ao seu
posicionamento a favor de Sissoco Embaló, logo após a divulgação dos resultados
da segunda volta das eleições presidenciais. Antes, Barbosa fora eleita
deputada pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde
(PAIGC) e fez toda a campanha ao lado do candidato e líder do seu partido,
Domingos Simões Pereira. De resto, o novo elenco governamental conta com vários
membros de executivos anteriores.
Em Bissau, a situação permanece
aparentemente calma, com a forte presença de militares nas principais
instituições do país.
Os juízes do Supremo Tribunal de
Justiça insistem que não podem trabalhar no contencioso eleitoral interposto
por Domingos Simões Pereira, que contesta os resultados da segunda volta a 29
de dezembro, porque os militares não permitem o acesso às instituições
judiciais, disseram à DW África várias fontes da Justiça guineense.
A Rádio Nacional e o único
canal televisivo estatal continuam silenciados por militares, que ainda
permanecem nas instalações. O bastonário da Ordem dos Jornalistas, António
Nhaga denuncia uma "violação da liberdade de imprensa".
"Apelamos a uma abertura
imediata das emissões da rádio e televisão nacional. Se fechar a emissão da
Rádio Nacional durante uma semana significa que está a privar muitas pessoas em
todo o território de receber informações", disse à DW África o diretor do semanário
guineense "O Democrata".
Os jornalistas estão em contacto
com o comando das Forças Armadas para saber o porquê desta medida.
Sissoco é "autoproclamado
Presidente"?
Entretanto, sobe de tom o debate
em torno da designação oficial para Umaro Sissoco Embaló. Muitos juristas
entendem que deve ser chamado apenas por "candidato eleitoral" ou "autoproclamado
Presidente", porque assumiu o poder à força: "Para efeitos da
Lei, nem sequer podemos denominá-lo de 'autoproclamado Presidente da
República'", afirma o jurista Luís Petit em entrevista à DW África.
"Numa circunstância de golpe
de Estado, quem tem assumido a função do Presidente da República por via
armada, por via de força, também se autoproclamou, mas [com essa] terminologia,
na perspetiva das últimas eleições, até pode ser entendido que ele fosse
eleito, o que não é o caso. Então, o melhor é dizer que é um Presidente que
assumiu o poder por via de golpe de Estado".
O jurista critica ainda o
envolvimento das Forças Armadas da Guiné-Bissau na crise atual. "A
partir do momento que as Forças Armadas, por vias inconstitucionais, decidiram
apoiar a tomada de posse de um Presidente, que se autoproclamou como vencedor
das eleições, estando os resultados publicados pela Comissão Nacional de
Eleições ainda em vias de recurso no Supremo Tribunal de Justiça, então estamos
perante um golpe de Estado", defende.
Petit denuncia ainda que, devido
a ameaças, as pessoas estão com o medo de sair à rua para se
manifestarem contra a alteração da ordem constitucional, acusando os
militares de estarem a intimidar as autoridades legítimas do país.
Tudo "legal"
No entanto, Nelson Moreira, um
dos advogados de Sissoco Embaló considera de má-fé não usar o título de
Presidente da República: "Não sei com que base as pessoas chamam
ao general Sissoco Embaló de 'autoproclamado Presidente da República'. Porque
há uma eleição organizada na Guiné-Bissau, e a única entidade com a competência
de organizar e divulgar os resultados eleitorais, a Comissão Nacional de
Eleições, proclamou o general como vencedor da segunda volta. Houve um
contencioso eleitoral que já foi dirimido com o cumprimento do acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça", afirma.
O advogado reconhece que os
resultados das presidenciais não foram publicados no boletim oficial da
Guiné-Bissau, mas diz que o Governo de Aristides Gomes, afastado do poder, é
que recusou cumprir a formalidade.
Para Moreira, com a repetição do
apuramento nacional pela Comissão Nacional de Eleições já estava criada a
condição para a investidura de Sissoco. O jurista revela que a CNE só foi
notificada do novo recurso da candidatura de Domingos Simões Pereira após a
tomada de posse de Sissoco como Presidente, que diz ser legal.
"A posse não é dada pela
Assembleia Nacional Popular ao Presidente eleito. Os deputados e o presidente
do Parlamento apenas testemunham a cerimónia da posse. A posse é feita a partir
da entrega da faixa presidencial entre o Presidente cessante e o Presidente
eleito, o que foi feito", refere.
Nelson Moreira nega que esteja em
curso um golpe de Estado, assegurando que as instituições voltarão a funcionar
normalmente a partir de quarta-feira e que os militares estão apenas a evitar
vandalismos nos edifícios públicos. Considera ainda que a nomeação de Nuno
Nabiam como primeiro-ministro não viola a Constituição, pois a Lei confere
poderes ao chefe de Estado para demitir o Governo em caso de grave crise
política e institucional, que, afirma, foi o caso.
A Comunidade Económica de Estados
da África Ocidental (CEDEAO) anunciou, na segunda-feira, que não vai
apoiar nenhuma ação que comprometa a ordem constitucional estabelecida e reiterou
a necessidade de se aguardar pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça
sobre o contencioso eleitoral .
Braima Darame | Deutsche Welle
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