terça-feira, 3 de março de 2020

Guiné-Bissau | Designação de Sissoco como Presidente gera controvérsia


No primeiro dia de Nuno Nabiam à frente do Governo, juristas ainda debatem o que chamar a Umaro Sissoco Embaló, que empossou o primeiro-ministro no fim de semana. Será "autoproclamado Presidente?" Tensão continua.

Foi o primeiro dia no poder do novo Governo liderado por Nuno Gomes Nabiam, antigo primeiro vice-presidente do Parlamento e líder do quarto partido mais votado nas legislativas de março de 2019, a Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB).

Os 19 ministros e 13 secretários de Estado foram empossados na segunda-feira (02.03) à noite por Umaro Sissoco Embaló, que preside a Guiné-Bissau neste momento. O novo Governo ainda não tem um ministro da Saúde Pública, numa altura em que foi registado um caso de coronavírus no país vizinho Senegal. O Ministério da Saúde guineense continua fechado e ocupado por militares.

Em funções mantém-se a ministra dos Negócios Estrangeiros, Suzi Barbosa, envolta em polémica devido ao seu posicionamento a favor de Sissoco Embaló, logo após a divulgação dos resultados da segunda volta das eleições presidenciais. Antes, Barbosa fora eleita deputada pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e fez toda a campanha ao lado do candidato e líder do seu partido, Domingos Simões Pereira. De resto, o novo elenco governamental conta com vários membros de executivos anteriores.

 Militares continuam nas instituições

Em Bissau, a situação permanece aparentemente calma, com a forte presença de militares nas principais instituições do país.

Os juízes do Supremo Tribunal de Justiça insistem que não podem trabalhar no contencioso eleitoral interposto por Domingos Simões Pereira, que contesta os resultados da segunda volta a 29 de dezembro, porque os militares não permitem o acesso às instituições judiciais, disseram à DW África várias fontes da Justiça guineense.

A Rádio Nacional e o único canal televisivo estatal continuam silenciados por militares, que ainda permanecem nas instalações. O bastonário da Ordem dos Jornalistas, António Nhaga denuncia uma "violação da liberdade de imprensa".

"Apelamos a uma abertura imediata das emissões da rádio e televisão nacional. Se fechar a emissão da Rádio Nacional durante uma semana significa que está a privar muitas pessoas em todo o território de receber informações", disse à DW África o diretor do semanário guineense "O Democrata".

Os jornalistas estão em contacto com o comando das Forças Armadas para saber o porquê desta medida.

Sissoco é "autoproclamado Presidente"?

Entretanto, sobe de tom o debate em torno da designação oficial para Umaro Sissoco Embaló. Muitos juristas entendem que deve ser chamado apenas por "candidato eleitoral" ou "autoproclamado Presidente", porque assumiu o poder à força: "Para efeitos da Lei, nem sequer podemos denominá-lo de 'autoproclamado Presidente da República'", afirma o jurista Luís Petit em entrevista à DW África. "Numa circunstância de golpe de Estado, quem tem assumido a função do Presidente da República por via armada, por via de força, também se autoproclamou, mas [com essa] terminologia, na perspetiva das últimas eleições, até pode ser entendido que ele fosse eleito, o que não é o caso. Então, o melhor é dizer que é um Presidente que assumiu o poder por via de golpe de Estado".

O jurista critica ainda o envolvimento das Forças Armadas da Guiné-Bissau na crise atual. "A partir do momento que as Forças Armadas, por vias inconstitucionais, decidiram apoiar a tomada de posse de um Presidente, que se autoproclamou como vencedor das eleições, estando os resultados publicados pela Comissão Nacional de Eleições ainda em vias de recurso no Supremo Tribunal de Justiça, então estamos perante um golpe de Estado", defende.

Petit denuncia ainda que, devido a ameaças, as pessoas estão com o medo de sair à rua para se manifestarem contra a alteração da ordem constitucional, acusando os militares de estarem a intimidar as autoridades legítimas do país.

Tudo "legal"

No entanto, Nelson Moreira, um dos advogados de Sissoco Embaló considera de má-fé não usar o título de Presidente da República: "Não sei com que base as pessoas chamam ao general Sissoco Embaló de 'autoproclamado Presidente da República'. Porque há uma eleição organizada na Guiné-Bissau, e a única entidade com a competência de organizar e divulgar os resultados eleitorais, a Comissão Nacional de Eleições, proclamou o general como vencedor da segunda volta. Houve um contencioso eleitoral que já foi dirimido com o cumprimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça", afirma.

O advogado reconhece que os resultados das presidenciais não foram publicados no boletim oficial da Guiné-Bissau, mas diz que o Governo de Aristides Gomes, afastado do poder, é que recusou cumprir a formalidade.

Para Moreira, com a repetição do apuramento nacional pela Comissão Nacional de Eleições já estava criada a condição para a investidura de Sissoco. O jurista revela que a CNE só foi notificada do novo recurso da candidatura de Domingos Simões Pereira após a tomada de posse de Sissoco como Presidente, que diz ser legal.

"A posse não é dada pela Assembleia Nacional Popular ao Presidente eleito. Os deputados e o presidente do Parlamento apenas testemunham a cerimónia da posse. A posse é feita a partir da entrega da faixa presidencial entre o Presidente cessante e o Presidente eleito, o que foi feito", refere.

Nelson Moreira nega que esteja em curso um golpe de Estado, assegurando que as instituições voltarão a funcionar normalmente a partir de quarta-feira e que os militares estão apenas a evitar vandalismos nos edifícios públicos. Considera ainda que a nomeação de Nuno Nabiam como primeiro-ministro não viola a Constituição, pois a Lei confere poderes ao chefe de Estado para demitir o Governo em caso de grave crise política e institucional, que, afirma, foi o caso.

A Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) anunciou, na segunda-feira, que não vai apoiar nenhuma ação que comprometa a ordem constitucional estabelecida e reiterou a necessidade de se aguardar pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre o contencioso eleitoral .

Braima Darame | Deutsche Welle

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