Ação principal contra Isabel dos
Santos deu entrada no Tribunal de Luanda. Jurista lembra que se não for provado
que a empresária está efetivamente em dívida, Ministério Público corre o risco
de ter de indemnizá-la.
A ação interposta no Tribunal
Provincial de Luanda pelo Estado angolano, que reclama um crédito de mais de
mil milhões de dólares, dá seguimento ao arresto de contas bancárias e
participações sociais da empresária Isabel
dos Santos, do seu marido Sindika Dokolo e do gestor Mário Leite da Silva
em dezembro último.
De acordo com a
Procuradoria-Geral da República (PGR), terá havido uma tentativa dos visados em
pagar as dívidas em kwanzas, o que foi recusado porque o acordo afinal teria
sido de um pagamento em euros.
A DW África falou sobre o caso e
possíveis cenários com o jurista angolano Albano Pedro.
DW África: O gesto revela uma
atuação de má fé ou tentativa de ganhar tempo?
Albano Pedro (AP): Penso que
isso tudo está no âmbito negocial. Na verdade, a dívida sendo uma situação que
decorre de uma ação cível, ela admite a possibilidade de as partes negociarem.
Devemos admitir que este dinheiro era uma proposta, era uma tentativa de
negociar que não pode ser descartada nos processos cíveis. Agora o que temos de
entender é que quando o Estado angolano não aceita que estes valores, afinal
acordados em dólares, sejam pagos em kwanzas, significa apenas que o Estado não
aceitou a proposta, não aceitou que aquilo que foi convencionado no contrato
fosse alterado em kwanzas. E é óbvio que isso não ofende de forma nenhuma a
ordem jurídica em termos de contrato. Portanto, se o Estado não aceita que seja
pago em kwanzas, obviamente a parte devedora fica obrigada a cumprir aquilo que
está claramente no contrato.
DW África: Os visados podem
contestar esta ação interposta pelo Estado?
AP: Podem sempre contestar
desde que o Estado não tenha razão de ter acionar esse mecanismo. E é evidente
que se o Estado angolano tiver violado normas de processo - e aqui o Estado
angolano até pode ter motivos de arrestar - mas se violou regras, se criou
embaraços, obviamente a parte lesada pode sempre. E esse é o momento adequado
para contestar porque está a ser acionado o processo principal que vai dar
agora oportunidade da parte arrestada vir contestar junto do tribunal. No
processo de arresto, que é uma providência cautelar, a parte arrestada não tem
qualquer oportunidade de chegar ao tribunal, porque é uma posição bilateral que
o tribunal, que foi o que aconteceu.
DW África: E quais são os
cenários possíveis se considerarmos o que está em cima da mesa neste momento?
AP: Em primeiro lugar é
preciso perceber se efetivamente existe ou não um crédito. É preciso que Isabel
dos Santos e os seus parceiros estejam efetivamente em dívida. E parece-me que
é aqui que está a grande dança. Parece que há argumentos bastantes para se demonstrar
que a dívida não está tão formulada e formada como o Ministério Público alega.
A ser assim, o cenário é muito simples: se não se consegue provar a dívida, o
Ministério Público obviamente fica obrigado a repor. Portanto, o tribunal vai
obviamente liberar o uso dos direitos retidos e arrestados e do património, mas
o Ministério Público, em nome do Estado, pode correr o risco de ser condenado a
indemnizar. E obviamente o Estado há-de indemnizar pelos danos que foram
contraídos por Isabel dos Santos e pares. Agora, havendo provas de que
efetivamente existem dívidas e que elas devem ser pagas, há realmente essa
obrigação de pagar. Obviamente o tribunal vai condenar Isabel dos Santos a
fazer esse pagamento e vai pagar acrescido de juros e outros custos que podem
ser adicionados.
DW África: Os bens de Isabel dos
Santos, do marido e do gestor Mário Leite da Silva arrestados em que
circunstâncias podem voltar para mãos dos donos?
AP: Desde que se prove que a
dívida não existe, por um lado. Ou desde que se prove que a dívida é menor do
que os bens que foram arrestados. Ou, numa terceira hipótese, desde que ele
acabem pagando efetivamente aquilo que devem. Caso contrário, os meios serão
obviamente alienados e o fruto desses bens, portanto os valores que daí advirem,
se vai descontar aquilo que é devido ao Estado e o remanescente é reposto para
quem foi arrestado.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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