João
Ramos de Almeida* | opinião
O plano anunciado pelo governo PS
para combater os efeitos da pandemia Covid-19 nas empresas suscita as maiores
dúvidas, não só sobre a sua eficácia mas sobretudo sobre a sua imoralidade e
até ilegalidade. Sempre que existe uma crise, o patronato trata de pôr os
trabalhadores a pagá-la. E o governo PS ajuda.
O Governo, pela voz do ministro
da Economia Pedro Siza Vieira, anunciou um conjunto de medidas visando combater
os efeitos da pandemia Covid-19.
Mas esse plano é revelador ou da
falta de visão, ou da falta de coragem ou apenas da ideia de mostrar qualquer
coisa. O problema é que essa fuga para a frente tem custos. E neste caso terá
custos para a Segurança Social cujos fundos não são os mais adequados para este
fim.
Ora, veja-se:
1. Regime de lay-off
simplificado. As empresas com a sua atividade “severamente afetada devido a
epidemia” (a ministra do Trabalho falou em “uma quebra de vendas excepcional”
de 40% face ao período homólogo), ficam isentas do pagamento da Taxa Social
Única e os trabalhadores terão a garantia de retribuições ilíquidas
equivalentes a 2/3 do salário, até 1.905 euros, sendo 30% suportado pelo empregador
e 70% pela segurança social, até um máximo de seis meses.
2. Lay-off com formação. Os trabalhadores em lay-off beneficiarão de ações de formação, com bolsa de 30% do IAS (€ 131,64, metade para o trabalhador e metade para o empregador), suportada pelo IEFP;
3. Plano extraordinário de formação e qualificação. Pagamento de um apoio às empresas equivalente a 50% da remuneração do trabalhador até ao limite da RMMG, suportada pelo IEFP (tal como o próprio custo da formação) para empresas “com atividade afetada pela epidemia”.
4. Apoio à manutenção do posto de trabalho. Após o termo do lay-off ou do encerramento de estabelecimento pela autoridade de saúde, os salários do primeiro mês serão apoiados pelo IEFP, com um apoio por trabalhador equivalente a 1 RMMG.
5. Isenção de contribuições sociais. O Governo vai isentar de contribuições sociais as entidades empregadoras sem lay-off ou encerramento determinado pela autoridade de saúde, bem como no período de um mês após a retoma de atividade.
Estas medidas suscitam dúvidas.
Primeiro, sobre a sua eficácia.
Obviamente, trata-se de uma
medida que se prevê abranja uma minoria de empresas.
Porque:
* Se não for esse o caso, quanto dos fundos da Segurança Social estarão destinados a esta medida?
* E se a situação se tratar pandémica?
* Depois, porquê 40% da facturação homóloga?
* De que forma se pode aferir que a quebra de facturação se deveu a “uma quebra excepcional devida à epidemia”?
* Que dispositivo administrativo se vai montar, com quem, de que forma?
* Ou será montado de forma simplificada, para conceder os apoios a quem mostre uma quebra superior a 40% da facturação?
* Vai se criar uma condição de recursos das empresas beneficiárias destes apoios, como há para prestações sociais?
* Ou vai se mobilizar recursos escassos da Segurança Social para empresas sólidas?
Mais valia, talvez, adoptar a
sugestão do Paulo Coimbra, dada neste artigo:
Políticas como, por exemplo, o financiamento monetário dos déficits públicos, agora especialmente associado à despesa pública gerada pelo combate ao vírus, e as transferências do banco central para os cidadãos, agora como no passado, com os objectivos de fazer face ao recuo da procura agregada e combater a espiral deflacionária enquanto, simultaneamente, se evitam e corrigem os perversos efeitos distributivos do quantitative easing.
Em segundo lugar, a falta de moralidade das medidas e a sua quase ilegalidade.
Se há uma ideia que ficou bem
subjacente à delimitação de fontes de financiamento das prestações sociais é a
de que os dinheiros da Segurança Social não são de nenhum governo, mas dos
trabalhadores portugueses, e servem fins previstos na lei. Só que essa
compartimentação de fontes de financiamento, determinada nas Bases Gerais do
Sistema de segurança Social, não é de todo pacífica.
Determina o seu artigo 90º, ponto
2:
“As prestações substitutivas dos rendimentos de actividade profissional, atribuídas no âmbito do sistema previdencial e, bem assim as políticas activas de emprego e formação profissional, são financiadas por quotizações dos trabalhadores e por contribuições das entidades empregadoras.”
Na parte sublinhada, trata-se de uma clara substituição das funções do Estado e das empresas, que passam a ser pagas por fundos dos trabalhadores (as contribuições patronais destinam-se a substituir rendimentos do trabalho).
O fomento do emprego (políticas
activas de emprego) não deve ser uma função única dos trabalhadores, mas de
toda a sociedade e, como tal, deveria ser paga por impostos. A formação
profissional deveria ser financiada por impostos e contribuições empresariais,
porque da produtividade nacional toda a gente beneficia.
O enviesamento existente na lei
deriva quase da ideia de que tanto as políticas activas como a formação
profissional são ineficazes. E que resultam mais em programas ocupacionais de
desempregados, como se tratasse de um subsídio de desemprego em espécie.
Ora, os apoios à obrigação
empresarial de pagamentos de salários e das contribuições sociais deveriam
resultar de uma política do Estado, inscrita como subsídios. E não colocar os
trabalhadores a pagar pela manutenção do emprego dos trabalhadores visados.
Percebe-se que o Governo queira
conter os efeitos recessivos da epidemia. Mas há meios e meios de os atacar. E
há meios que servem para encanar a perna à rã.
Fonte: http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2020/03/covid19-e-o-lay-off.html
Fonte: http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2020/03/covid19-e-o-lay-off.html
*Publicado em O Diário.info
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