Fernando Marques | AbrilAbril |
opinião
Um estudo publicado em 2017 de
uma equipa que inclui o economista francês Gabriel Zucman concluiu que o valor
colocado em paraísos fiscais equivalia a 10% do PIB mundial.
As desigualdades na distribuição
da riqueza são menos conhecidas que as relativas ao rendimento. Devemos no
entanto separar «riqueza» de «rendimento», muito embora não sejam
realidades estanques. Mostra-o o facto de as pessoas ricas serem também, em
geral, pessoas com rendimento elevado.
Mas são realidades diferentes. A
riqueza é estatisticamente medida pelos activos que as famílias possuem. Estes
activos (ou património) podem ser reais, como casas de habitação, terrenos,
objectos de arte, automóveis, etc., incluindo-se também os negócios por conta
própria. E podem ser financeiros, como depósitos bancários, acções cotadas,
títulos de dívida transacionáveis, etc. Já no rendimento, as categorias mais
correntes são os salários e as pensões, embora também abranjam outras fontes,
como os subsídios, as rendas e os juros.
No que respeita à divulgação de
informação, o foco tem sido posto no rendimento, o que se compreende, pois há
menos estatísticas sobre a riqueza. Apesar disso, o INE e o Banco de Portugal
(BP) efectuam de três em três anos um Inquérito à Situação Financeira das
Famílias (ISFF), o qual, por se enquadrar num projecto europeu, permite a
comparabilidade com outros países.
O ISFF teve três edições (2010,
2013 e 2017) estando prevista a realização de um novo inquérito este ano. Este
inquérito permite conhecer a evolução da riqueza líquida (isto é, descontada
das dívidas), a sua composição e o endividamento, incluindo o serviço da dívida
e as restrições no acesso ao crédito.
Permite também conhecer a
desigualdade na distribuição da riqueza, bem como compará-la com a do
rendimento, aspectos essenciais do ponto de vista deste artigo1.
Este quadro espelha a profunda
desigualdade na distribuição da riqueza. O topo (os 10% mais ricos) detém mais
de metade da riqueza em 2017 e a tendência de concentração acentuou-se
relativamente a 2010.
O coeficiente de Gini é menos
fácil de interpretar mas é uma medida de concentração que varia entre zero e
100: zero indica uma concentração mínima e 100 uma concentração máxima (por
exemplo, uma família possuir toda a riqueza).
A riqueza diminuiu entre 2010 e
2013 devido à crise económica. Nem todos os ricos terão ficados imunes à crise,
mas não temos notícia de algum se ter atirado pela janela dos edifícios, como
ocorreu nos EUA na crise de 1929. Além de que o valor médio de 162,3 mil euros
em 2017 já não está muito distante do verificado em 2010. Mas trata-se de um
valor médio: este atinge 876,6 mil euros nos 10% do topo e 0,8 mil euros nos
20% da base.
Os ISFF mostram também que
riqueza e rendimento estão associados. Os mais ricos têm mais poupanças e
activos mais diversificados, o que lhes permite obter mais rendimentos.
Os activos possuídos variam com
as classes de riqueza. Nas famílias menos ricas, o activo real típico é a
residência principal enquanto o depósito à ordem constitui o activo financeiro
típico. Já nas mais ricas existe maior heterogeneidade.
Quanto à concentração, há dois
aspectos a realçar. Primeiro, a riqueza está mais concentrada que o rendimento.
Segundo, a riqueza está fortemente concentrada nos 10% do topo. Estes detêm
cerca de 30% do valor total das residências principais das famílias, cerca de
70% do valor dos outros imóveis e 90% do valor dos negócios; e possuem 50% dos
depósitos a prazo e 80% do total dos activos transacionáveis.
Independentemente do valor destas
estatísticas, será que nos contam toda a história? Possivelmente não, se
admitirmos que os muitos ricos tendem a esconder a riqueza. Pense-se no recurso
a paraísos fiscais. Um estudo publicado em 2017 de uma equipa que inclui o
economista francês Gabriel Zucman concluiu que o valor colocado em paraísos fiscais
equivalia a 10% do PIB mundial; Portugal surge com um valor relativo, expresso
em % do PIB, superior à média global.
Outros dados indicam que cerca de
80% dos valores colocados em paraísos fiscais pertencem aos 0,1% mais ricos. Um
estudo recente da Comissão Europeia, abrangendo o período entre 2001 e 2016,
conduziu a conclusões consistentes com as de Zucman e indicou ser Portugal o
terceiro país da União Europeia com mais riqueza transferida para paraísos
fiscais.
Concluindo, é provável que as
desigualdades na distribuição da riqueza sejam ainda maiores.
Nota:
1.Usam-se
como fontes: INE e BP (2019), «Inquérito à Situação Financeira das Famílias
2017», Destaque do SEN, 13.11.2017; S. Costa, L. Farinha, L. Martins, e R.
Mesquita (2020), «Inquérito à Situação Financeira das Famílias: resultados de
2017 e comparação com os resultados das edições anteriores», Banco de
Portugal, Revista de Estudos Económicos, 6 (1)
Imagem: politicsofpoverty.oxfamamerica.org
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