Recusa fechar-se já em casa
Governo britânico justifica
medidas comedidas com a fase precoce do surto no país. Plano é evitar que o
pico de contágio esmague o NHS e que as pessoas sofram de fadiga por
auto-isolamento, ao mesmo tempo que se procura criar imunidade de grupo.
Escolas abertas, autotratamento
para quem tem sintomas de gripe e recomendações genéricas sobre higiene,
comportamento em espaços públicos e viagens para dentro e fora do país. Ao
contrário da grande maioria dos vizinhos europeus, o Reino Unido está a assumir,
com medidas como estas, uma abordagem comedida para lidar com o surto do novo coronavírus no
seu território, numa altura em que, a meio da manhã desta sexta-feira, havia
798 casos confirmados de infecção e dez mortes relacionadas com a doença.
Não que isso signifique que Boris
Johnson e a sua equipa estejam despreocupados, como outros chefes de Estado e
de Governo estiveram, com a ameaça pandémica que paira por todo o mundo.
Downing Street acredita que haja, actualmente, entre cinco a dez mil
infectados, em todo o país e, num discurso à nação, na quinta-feira, o
primeiro-ministro não podia ter sido mais claro em relação à gravidade do que
aí vem: “Haverá mais famílias que perderão os seus entes queridos antes do seu
tempo”.
Assumir esta inevitabilidade e,
mesmo assim, recusar fechar
escolas e espaços públicos ou cancelar voos, motivou, como era
previsível, uma enorme onda de críticas ao executivo conservador, tanto da
oposição – interna e externa aos tories –, como de especialistas e
cientistas, que exigem medidas mais robustas e céleres, para conter a covid-19
e evitar cenários descontrolados, como os da Itália ou
do Irão.
Segundo as estimativas apuradas
pelo Governo, o Reino Unido está a cerca de quatro semanas de distância dos
casos europeus mais graves, em termos de propagação, pelo que os seus
conselheiros científicos acreditam que é muito cedo para impor medidas mais
restritivas.
As
principais medidas de contenção decretadas são o isolamento, durante
uma semana, de todas as pessoas que apresentarem “sintomas semelhantes” a uma
gripe normal, a proibição de viagens escolares para fora do país, a
recomendação a idosos que evitem cruzeiros e o cancelamento de eventos
desportivos e das eleições locais inglesas e galesas.
“Emergência nacional”
“A situação é extremamente grave,
estamos numa emergência nacional. O mais normal seria que cada pequena coisa
que fizermos durante essas quatro semanas tivesse sido pensada para reduzir a
disseminação do vírus entre as pessoas”, defendeu o ex-ministro da Saúde e
adversário de Johnson na corrida à liderança do Partido Conservador e do
executivo, Jeremy Hunt, que também preside à comissão da Saúde na Câmara dos
Comuns.
E que, tal como os representantes
do Partido Trabalhista, do Partido Nacional Escocês, do Plaid Cymru e dos
Liberais-Democratas insistiram esta sexta-feira, junto do Governo, não
compreende a manutenção das escolas abertas e a não-proibição das visitas aos
lares de idosos.
Na mesma linha, o professor de
Saúde Pública Internacional da London School of Hygiene and Tropical Medicine,
Jimmy Whitworth, esperava uma actuação mais incisiva de Johnson. “Tendo em
conta os indícios verificados noutros países, a abordagem mais realista seria
desencadear as medidas de saúde pública mais robustas – que seriam apoiadas
pela generalidade da opinião pública britânica”, disse à BBC.
Mas o Downing Street
agarrou-se ao seu plano e defendeu-o com unhas e dentes, pela voz de Patrick
Vallance, conselheiro científico do Governo, que estabeleceu como objectivo
primordial a redução e o atraso do pico da epidemia. “Queremos proteger as
pessoas do período mais infeccioso. Não queremos que toda a gente apanhe
[a covid-19] rapidamente, inundando e sobrecarregando os serviços do NHS [serviço
nacional de saúde britânico]”, disse esta sexta-feira.
“O nosso objectivo é tentar
reduzir e atrasar o pico, não o suprimir completamente. E uma vez que a grande
maioria das pessoas apresenta sintomas leves, queremos criar uma imunidade de
grupo, para que mais pessoas fiquem imunes a esta doença e para que se reduza o
contágio, ao mesmo tempo que se protegem os mais vulneráveis”, explicou
Vallance.
Para além das questões
relacionadas com a evolução do vírus e da sua propagação, o Governo também
acredita que o isolamento da maioria da população, antes de se atingir o pico
do contágio, é contraproducente, e
pode originar fadiga desnecessária nas pessoas.
Mantê-las a trabalhar fora de
casa é um risco que Johnson está disposto a correr, para evitar uma situação de
descontrolo social, para além do sanitário. Os próximos dias ou semanas ditarão
se a aposta do Governo foi bem-sucedida ou se, pelo contrário, perdeu a mão
antes do tempo.
António Saraiva Lima | Público
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