Domingos De Andrade
| Jornal de Notícias | opinião
Não estávamos, nem estamos,
preparados para a ceifeira que nos bate à porta.
Para explicar aos nossos filhos
pequenos porque é que não podem abraçar os avós. E aos nossos pais a distância
de segurança que temos de manter para os proteger. E aos nossos irmãos e irmãs,
que tratam dos nossos pais, que o facto de tratarem deles, de lhes darem a mão
num socalco, pode ser o caminho do fim deles. Aos nossos amigos que pode haver
mais do que afeto no ímpeto de os abraçarmos.
Somos todos suspeitos. E estamos
todos em risco. Nunca como hoje a desconfiança nos outros e a necessidade de
confiarmos e contarmos com os outros, sem preto no branco, foi tão premente.
Não é melodramático. Ou não se
pretende aqui ser. O Covid-19 é hoje, mesmo para os negacionistas, ou que o foram
até a impotência dos dias se impor, a maior ameaça não apenas à vida, mas à
vida em sociedade tal como a concebemos.
A guerra silenciosa trazida pela
pandemia da globalização é um marco civilizacional, uma ameaça a um estilo de
vida aberto, sem fronteiras, que tinha como dado adquirido a liberdade de
movimentos, de escolhas, de troca intercultural.
Este é o tempo de acreditar que
as escolhas políticas são as melhores, mesmo quando nos afligem nas
contradições e independentemente das críticas que apontemos para que o rumo
seja o melhor. Mas é sobretudo o momento em que, sendo todos suspeitos, se
impõem os laços de solidariedade e da responsabilidade individual para que ela
seja coletiva. Só assim ultrapassaremos estes dias de incerteza.
E depois há o amanhã, que é já
hoje. Ter consciência de que, no meio do luto, há mais oportunistas do que
oportunidades, esquecendo nós frequentemente a necessidade de reflexão para não
repetir os mesmos erros, até da nossa convivência em sociedade. Mas sobretudo
lutar para evitar que a oportunidade dos primeiros cause mais sofrimento, com o
desemprego, os negócios que se perderam, o salário que falta para pagar as
contas no fim do mês.
*Diretor
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