Populares denunciaram agressões
da polícia durante o estado de emergência - as autoridades pedem
desculpa. Até agora, foram registados 33 casos de pessoas infetadas com o
novo coronavírus na Guiné-Bissau.
Com 33 casos confirmados de
pessoas infetadas pela Covid-19, a Guiné-Bissau passou a ser o país africano
que tem o português como língua oficial com mais casos registados.
Uma das 33 pessoas infetadas foi
internada no domingo (05.04) no Hospital Nacional Simão Mendes. Todos os outros
infetados estão em casa com acompanhamento médico, segundo as autoridades
sanitárias.
Os casos foram registados na
capital, Bissau. A maioria são jovens entre os 20 e os 36 anos de idade.
Uma criança de 8 anos também está infetada, de acordo com o boletim clínico
desta segunda-feira (06.04).
Tumane Baldé, responsável pela
estrutura sanitária de controlo e combate à pandemia no país, afirmou que,
neste momento, nenhum dos infetados precisa de ventilador.
"Os infetados apresentam um
quadro de saúde leve. Poderão ser transferidos das suas residências para o
centro de internamento no Simão Mendes."
Tumane admitiu que alguns
"apresentam resistências para serem transferidos". Uma equipa de
técnicos será enviada às residências das pessoas para as sensibilizar sobre a
necessidade de serem levadas para o hospital.
Mas um "doente que precisar
do ventilador poderá morrer por falta de condições", alerta o médico, que
não soube precisar o número de ventiladores que o sistema de saúde tem.
Calcula-se que a Guiné-Bissau não
tenha mais de 15 ventiladores em todos os hospitais públicos.
Polícia usa violência contra
pessoas na rua
As autoridades da Guiné-Bissau
acusam os populares de não estarem a respeitar o estado
de emergência em vigor, que obriga as pessoas a ficarem em casa e a
manter o distanciamento social. No domingo, a polícia usou da força para
reprimir quem andava nas ruas.
"Eu vi com os meus olhos
polícias a impedir qualquer um de circular pelas ruas com brutalidade. Estava a
sair do hospital Simão Mendes para a minha casa, quando disseram que não podia
sair do hospital. Disse-lhe que fui fazer o que as autoridades não fazem, que é
levar a comida às pessoas internadas, cujas famílias não têm como chegar ao
hospital devido às restrições de circulação e de liberdades", disse o
futebolista guineense Saná Camará.
Para conter a propagação do novo
coronavírus, as autoridades guineenses determinaram várias
medidas, ao abrigo do estado de emergência, nomeadamente o confinamento
social e a limitação de circulação de pessoas e viaturas entre as 07:00h e as
11:00h locais.
Durante o fim de semana, várias
pessoas relataram nas redes sociais terem sido agredidas pela polícia, que as
obrigava até a entrarem para as suas casas, quando se encontravam na varanda.
Estado de emergência não é
"carta branca" para violação dos direitos humanos
Segundo a Liga Guineense dos
Direitos Humanos, as autoridades policiais estão a cobrar quase 40€ euros por
cada motorizada apreendida e cerca de 36€ por bicicletas, agravando ainda
mais a difícil situação social e económica por que passa a população
guineense neste momento.
"Para além destas práticas
de cobranças ilícitas, as forças de segurança estão a exercer violência física
contra os cidadãos que supostamente desrespeitam as regras de confinamento e
distanciamento social, decretadas pelas autoridades nacionais. Em Bissau,
multiplicam-se os casos de agressões brutais de cidadãos perpetradas pelas
forças de segurança", denunciou a Liga Guineense num comunicado de
imprensa.
A organização dos direitos
humanos repudia com veemência estes comportamentos que considera de
"ilegais e abusivos", por traduzirem uma afronta à dignidade da
pessoa humana.
"É preciso que as forças de
segurança compreendam de uma vez por todas, que o estado de emergência não é
uma carta branca para as intimidações e violações dos direitos humanos. É
urgente que a corporação policial adote a abordagem pedagógica e de
sensibilização dos cidadãos sobre os perigos da Covid-19, [em vez
de] enveredar pelas práticas de violência", sublinha a organização
liderada pelo advogado Augusto Mário da Silva.
Ministério do Interior pede
desculpa
Em reação, o secretário de Estado
da Ordem Pública, Mário Fambé, disse que a colocação de polícias nas ruas visa
"fazer cumprir o estado de emergência em vigor" no país. No entanto,
pediu desculpa pela atuação de alguns agentes.
"Quem trabalha erra e, por
isso, pedimos desculpas", afirmou Mário Fambé durante uma conferência de
imprensa realizada esta segunda-feira em Bissau.
O secretário de Estado garantiu
que os agentes que se envolveram em atos de violência foram identificados e
serão responsabilizados, assegurando ainda que já se reuniu com todas as
brigadas das forças de ordem pública para as sensibilizar sobre a forma de
atuar.
Entretanto, Fambé exortou a
população a ficar em casa depois da hora indicada no decreto governamental que
regulamenta o estado de emergência nacional.
Silêncio sobre Covid-19
O líder do Movimento Guineense
para o Desenvolvimento (MGD), Umaro Djau, criticou a falta de informação e
sensibilização por parte das autoridades competentes, que não estão a dar o
rosto no combate à doença.
"O povo guineense precisa de
ver as suas autoridades (executivas, sanitárias e políticas) todos os dias,
comunicando-lhe claramente sobre o seu empenho, a sua visão e estratégia no
combate e prevenção contra o coronavírus. E, tal como nos EUA, o rosto desta
crise tem que ser uma figura de autoridade! Tem que ser um conjunto de pessoas
que possa informar coerentemente o povo, demonstrar-lhe que todos os esforços
estão a ser feitos e, finalmente, assegurar-lhe que 'tudo vai dar certo' mesmo
face às incertezas. Pelo menos, este seria um serviço mínimo ao país",
afirmou o jornalista a viver nos Estados Unidos de América.
Isolamento social, uma
miragem na Guiné-Bissau?
Para o ativista Sumaila Jaló, as
autoridades deveriam repensar o estado de emergência, tendo em conta a
realidade de agrupamento familiar na Guiné-Bissau.
"Poucas famílias têm hábito
de cada um comer num prato pessoal. Não é porque não querem, mas porque as
refeições não dão para cada um se servir à parte", lembra.
"90% das habitações têm
casas de banho partilhadas por moradores de uma casa ou até de uma comunidade.
Ter acesso à água potável [canalizada] é dos maiores privilégios que as
famílias podem ter, sendo que, em algumas ruas ou comunidades, o próprio poço
de água é partilhado. Nem todos os bairros da própria capital Bissau têm
mercados locais, e poucas famílias sabem como funciona um frigorífico, onde podiam
conservar alimentos para muitos dias".
Braima Darame | Deutsche Welle
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