quarta-feira, 1 de abril de 2020

Covid-19: "Faz o que eu digo e não o que eu faço" é o lema dos dirigentes moçambicanos?


Não tem sido vista como modelo a seguir na prevenção da Covid-19. Quando doente, a elite política é assistida em clinicas caríssimas. Mas é a mesma elite que garante que o serviço nacional de saúde está preparado.

"O exemplo vem de cima", diz o adágio popular. Mas em Moçambique parece que não é levado muito ao pé da letra por certos altos funcionários do Estado, pelo menos pelo que a imprensa local reporta. E o caso do edil da cidade de Maputo foi o mais gritante. Eneas Comiche não teria assumido publicamente e imediatamente a sua condição de suspeito de contágio por coronavírus, depois de ter estado com o príncipe Albert II do Mónaco, este mês, em Londres, infetado com  Covid-19.

Um facto que não passou despercebido à imprensa local que denunciou ainda um aparente comportamento de risco do edil que teria continuado a sua agenda de trabalho, mesmo sabendo que podia ser um potencial infetado. E as suspeitas só se agravaram depois da sua esposa ter assumido a uma televisão privada local que tem coronavírus e o continuo silêncio do edil. Um situação que leva a concluir que a frase que reina, na verdade, "faz o que eu digo e não o que eu faço".


Comportamento irresponsável?

Reagindo ao caso, o jornalista Zito do Rosário, do jornal Txopela, entende que "há legitimidade total para a população repudiar a posição do Comiche."

O jornalista diz ainda que "se esperava de um governante sério e responsável, dirigente da capital moçambicana, uma posição mais firme relativamente ao seu estado de saúde, porque é uma pandemia mundial que está a preocupar nossos cidadãos e a todo o mundo."
"Esperava-se uma postura madura e não de secretismo, como se está a tentar fazer relativamente ao seu estado de saúde. Esperava-se que fosse maduro para vir a público explicar a sua situação. Esta posição de secretismo não é nova nos nossos governantes. Esperava-se que fosse mais transparente, tomando em conta que pode ter infetado várias outras pessoas ao longo deste período. É de lamentar esta posição do presidente Comice", diz Rosário.

Onde se trata a elite política?

A maioria da elite política moçambicana não cuida da sua saúde nos degradantes hospitais públicos. Recorre a sistemas de saúde melhores no estrangeiro, com destaque para a vizinha África do Sul, bem à mão de semear. E em alguns casos, as clínicas privadas em Maputo praticam preços proibitivos, mesmo para os bolsos mais apetrechados.

Por exemplo, circulou esta semana nas redes sociais uma tabela de preços de uma conhecida clinica privada de Maputo onde se cobram 75 mil meticais (cerca de 1000 euros) de internamento por dia e 350 mil meticais (cerca de 4500 euros) por dia nos cuidados intensivos. Números que escandalizaram a população com bolsos menos cheios e que, face a um ineficiente serviço público de saúde, cogita recorrer aos serviços privados como última alternativa.

Uma pneumologista da capital moçambicana, que falou à DW em anonimato, sublinha que "o acesso às clínicas privadas e aos medicamentos nas farmácias privadas não são para a população. Um simples medicamento para um doente crónico reformado custa entre 700 a 1500 meticais por mês e ele não consegue pagar isso".

"Sistema de saúde não funciona"

Mas apesar das debilidades do sistema de saúde, o Governo moçambicano tem estado a garantir que o sistema está preparado para fazer face à doença. Uma garantia que é contrariada por alguns funcionários dos serviços nacionais de saúde.

Mas a pneumologista denuncia a ruptura de stock e revela que "o sistema de saúde não funciona, não há condições nem meios de trabalho. Não há meios para diagnóstico e nem de abordagem. Por mais conhecimento e vontade que um médico tenha em fazer as coisas, as condições não o permitem. Falta tudo, desde o básico".

Uma tenda para atender a possíveis casos da doença está a ser edificada no Hospital da Matola, a poucos quilómetros da cidade de Maputo. Contudo, não se fez uma simulação do atendimento, como por exemplo sobre o isolamento e outras condições da unidade. E por isso a pneumologista questiona se o Ministério da Saúde (MISAU) tem mesmo todas as condições para fazer frente à Covid-19.

E a médica recorda a natureza da debilidade do sistema de saúde país: "Moçambique não tem estrutura para uma epidemia destas. Níveis de educação baixos, falta de serviço e muita pobreza junta." A profissional desconfia que as autoridades estão à espera de um descalabro para tomar uma atitude mais vigorosa. Enquanto isso, as autoridades, com bastante destaque na imprensa local através dos seus constantes comunicados, aumentam as medidas restritivas para evitar a propagação do novo coronavírus.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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