Não tem sido vista como modelo a
seguir na prevenção da Covid-19. Quando doente, a elite política é assistida em
clinicas caríssimas. Mas é a mesma elite que garante que o serviço nacional de
saúde está preparado.
"O exemplo vem de
cima", diz o adágio popular. Mas em Moçambique parece que não é levado
muito ao pé da letra por certos altos funcionários do Estado, pelo menos pelo
que a imprensa local reporta. E o caso do edil da cidade de Maputo foi o mais
gritante. Eneas Comiche não teria assumido publicamente e imediatamente a sua
condição de suspeito de contágio por coronavírus, depois de ter estado com o
príncipe Albert II do Mónaco, este mês, em Londres, infetado com
Covid-19.
Um facto que não passou
despercebido à imprensa local que denunciou ainda um aparente comportamento de
risco do edil que teria continuado a sua agenda de trabalho, mesmo sabendo que
podia ser um potencial infetado. E as suspeitas só se agravaram depois da sua
esposa ter assumido a uma televisão privada local que tem coronavírus e o
continuo silêncio do edil. Um situação que leva a concluir que a frase que
reina, na verdade, "faz o que eu digo e não o que eu faço".
Comportamento irresponsável?
Reagindo ao caso, o jornalista
Zito do Rosário, do jornal Txopela, entende que "há legitimidade total
para a população repudiar a posição do Comiche."
O jornalista diz ainda que
"se esperava de um governante sério e responsável, dirigente da capital
moçambicana, uma posição mais firme relativamente ao seu estado de saúde,
porque é uma pandemia mundial que está a preocupar nossos cidadãos e a todo o
mundo."
"Esperava-se uma postura
madura e não de secretismo, como se está a tentar fazer relativamente ao seu
estado de saúde. Esperava-se que fosse maduro para vir a público explicar a sua
situação. Esta posição de secretismo não é nova nos nossos governantes. Esperava-se que fosse mais transparente, tomando em conta que pode ter infetado
várias outras pessoas ao longo deste período. É de lamentar esta posição do
presidente Comice", diz Rosário.
Onde se trata a elite política?
A maioria da elite política
moçambicana não cuida da sua saúde nos degradantes hospitais públicos. Recorre
a sistemas de saúde melhores no estrangeiro, com destaque para a vizinha África
do Sul, bem à mão de semear. E em alguns casos, as clínicas privadas em Maputo
praticam preços proibitivos, mesmo para os bolsos mais apetrechados.
Por exemplo, circulou esta semana
nas redes sociais uma tabela de preços de uma conhecida clinica privada de
Maputo onde se cobram 75 mil meticais (cerca de 1000 euros) de internamento por
dia e 350 mil meticais (cerca de 4500 euros) por dia nos cuidados intensivos.
Números que escandalizaram a população com bolsos menos cheios e que, face a um
ineficiente serviço público de saúde, cogita recorrer aos serviços privados
como última alternativa.
Uma pneumologista da capital
moçambicana, que falou à DW em anonimato, sublinha que "o acesso às
clínicas privadas e aos medicamentos nas farmácias privadas não são para a
população. Um simples medicamento para um doente crónico reformado custa entre
700 a 1500 meticais por mês e ele não consegue pagar isso".
"Sistema de saúde não
funciona"
Mas apesar das debilidades do
sistema de saúde, o Governo moçambicano tem estado a garantir que o sistema
está preparado para fazer face à doença. Uma garantia que é contrariada por
alguns funcionários dos serviços nacionais de saúde.
Mas a pneumologista denuncia a
ruptura de stock e revela que "o sistema de saúde não funciona, não há
condições nem meios de trabalho. Não há meios para diagnóstico e nem de
abordagem. Por mais conhecimento e vontade que um médico tenha em fazer as
coisas, as condições não o permitem. Falta tudo, desde o básico".
Uma tenda para atender a
possíveis casos da doença está a ser edificada no Hospital da Matola, a poucos
quilómetros da cidade de Maputo. Contudo, não se fez uma simulação do
atendimento, como por exemplo sobre o isolamento e outras condições da unidade.
E por isso a pneumologista questiona se o Ministério da Saúde (MISAU) tem mesmo
todas as condições para fazer frente à Covid-19.
E a médica recorda a natureza da
debilidade do sistema de saúde país: "Moçambique não tem estrutura para
uma epidemia destas. Níveis de educação baixos, falta de serviço e muita
pobreza junta." A profissional desconfia que as autoridades estão à espera
de um descalabro para tomar uma atitude mais vigorosa. Enquanto isso, as
autoridades, com bastante destaque na imprensa local através dos seus
constantes comunicados, aumentam as medidas restritivas para evitar a
propagação do novo coronavírus.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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