Diante do declínio de Washington,
incapaz de liderar resposta à pandemia, Pequim avança. Apoio material e
influência diplomática vão muito além dos países pobres: chegam à Itália, à
Espanha e até às populações empobrecidas nos EUA…
José Álvaro de Lima Cardoso |
Outras Palavras
Já se sabe que o impacto da
pandemia sobre a economia e a política no mundo está sendo dramático. Porém,
como é uma doença desconhecida, para a qual ainda não existe vacina, não se
pode estimar ainda a sua profundidade e extensão. Após as polêmicas iniciais, e
as tentativas do governo dos EUA e da imprensa ocidental, de jogar no colo da
China a responsabilidade sobre a origem do coronavírus, este país iniciou um
ambicioso e agressivo programa de combate à pandemia.
A China conseguiu de forma muito
rápida realizar a identificação da sequência do genoma do vírus. O país logrou,
em janeiro, colocar em quarentena uma população de 56 milhões de habitantes em
Wuhan e três cidades próximas. Com certeza essa é a primeira vez que isso
acontece em toda a história. Além do empenho estatal, a campanha mobilizou
milhões de cidadãos, na chamada “guerra popular” contra o coronavírus.
O plano do governo chinês foi
complexo, desenvolvido de forma extremamente ágil, além de ter envolvido
diversas instâncias de governo. Em todas as fases da campanha o sacrifício da
economia e da produção industrial foi inevitável. Mas, em decorrência da
complexa e impressionante operação, a partir de 7 de março não foram
registrados novos casos oriundos do país (até o momento). Surgem ainda novos
infectados, mas vindos de fora, estrangeiros ou chineses advindos do exterior.
No final de março, praticamente a doença tinha sido controlada.
O que explica o sucesso da China
no controle da doença em lapso tão breve de tempo? Ainda mais: com prejuízos humanos
reduzidos, se comparados ao número de vítimas nos EUA, Itália e Espanha? Esse
debate deverá ainda ser aprofundado, mesmo por que não há uma resposta única
para a questão. Problemas complexos (muitas vezes, também os simples) têm
várias respostas. Mas um aspecto que se destaca é a capacidade de o Estado
chinês colocar seus recursos e sua força organizadora na resposta à pandemia. Independente das contradições que se possa apontar na sociedade chinesa, ou
mesmo da caracterização que se faça do regime econômico do país, ficou evidente
sua superioridade no enfrentamento da doença em relação às economias do
capitalismo central, em geral. A estruturação do atendimento aos pacientes,
realizado de forma extremamente ágil, a organização da população, a adaptação
da produção industrial às novas necessidades, a construção de hospitais em
tempo recorde, a disponibilização de um grande número de testes – ações em
grande parte levadas à cabo pelo Estado – levaram a um rápido e impressionante
controle da doença.
No que se refere à saúde pública,
a China acendeu um sinal vermelho com a epidemia de SARS (Síndrome Respiratória
Aguda Grave), em 2003, que matou 774 pessoas em todo o mundo, segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS). A experiência, ao contrário do que ocorreu
em outros países, parece ter servido de lição para o governo chinês. O país
mudou a política governamental, ampliando os investimentos em saúde,
facilitando o acesso da população aos serviços e melhorando as políticas de
prevenção.
O sucesso da China no
enfrentamento do Covid-19 tem melhorado expressivamente a projeção
internacional do país, apesar de toda a campanha da imprensa ocidental, no
sentido de culpá-la pelo surto. Pequim tem enviado os mais diversos tipos de
materiais para o mundo todo, como máscaras, kits para testes, respiradores,
ventiladores, medicamentos em geral. Os demandantes geralmente são países
pobres como Sérvia, Libéria, Filipinas, Paquistão, República Checa, Egito,
Iraque, Malásia, Camboja e Sri Lanka. Mas a China já enviou material para a
Espanha, Itália e EUA. A França, no processo de contenção do vírus, encomendou
quase dois bilhões de máscaras faciais à China. O país enviou, inclusive,
doações aos EUA de equipamentos para o enfrentamento da doença, como kits de
testes, máscaras e outros. Os chineses estão enviando material de combate ao
coronavírus também para a África. Dessa forma, em meio a essa monstruosa crise
global, a China move-se para redefinir seu lugar no mundo, com uma postura
civilizada com os países que precisam de ajuda, colocando inclusive sua
poderosa indústria a serviço do combate à pandemia.
Ao mesmo tempo, as notícias que
circulam sobre os EUA, são de prática de pirataria, de que o país está fazendo
ofertas mais altas aos países vendedores de produtos hospitalares,
especialmente a China. Ou seja, está usando seus recursos e seu poder bélico
para “atravessar” negócios que já tinham sido contratados por outros países.
Donald Trump, adicionalmente, baseado em uma lei da época da Guerra da Coréia,
nos anos 1950, que obriga as empresas a redirecionarem sua produção para o
mercado interno em função do interesse do pais, proibiu a empresa norte-americana
3M, de exportar seus produtos médicos, fabricados em boa parte em território
chinês.
O Brasil foi um dos países
prejudicados por essa postura imperial do governo norte-americano. Em 2 de
abril, uma carga de 600 respiradores artificiais encomendada de uma empresa
chinesa por estados do nordeste brasileiro não pode sair do aeroporto de Miami,
onde fazia escala, em direção ao Brasil. Segundo informou o governo da Bahia, a
operação foi cancelada pelo vendedor e tudo indica que a razão do acontecido
foi uma maior oferta dos EUA para os produtos contratados. Essa prática também
foi denunciada por outros países, inclusive do bloco imperialista, como
Alemanha e França.
Washington está se aproveitando
também do momento de crise econômica e sanitária para intensificar as pressões
golpistas contra a Venezuela, utilizando o surrado pretexto de “combate às
drogas”. Os inúmeros conflitos espalhados pelo mundo, neste momento entram em
fase de cessar fogo, visando concentrar todas as energias possíveis no inimigo
principal, que é o novo coronavírus. No entanto, em 2 de abril Trump anunciou
operações “antidrogas” no mar do Caribe, próximo à costa da Venezuela,
deslocando barcos de combate, helicópteros e aviões de vigilância. Já foi
denunciado pelo governo venezuelano que a movimentação visa realizar um duro
bloqueio naval ao país vizinho, para impedir o abastecimento normal de
combustíveis, alimentos e remédios.
Fica evidente que o que está por
detrás desses movimentos é, primeiro, a tentativa de esconder o caos causado pelo
Covid-19 nos EUA. O país rapidamente tornou-se o epicentro mundial da pandemia
(até quarta-feira, 8/4, já tinham sido contabilizados mais de 400 mil casos,
com 12.936 mortos). Em segundo lugar, a ação hostil dos EUA se explicaria
também pela tentativa de melhorar a performance de Trump na corrida para as
eleições norte-americanas previstas para outubro próximo.
Obviamente, o boqueio naval de
insumos industriais e outros viola gravemente direitos humanos da população
venezuelana e representa crime de lesa-humanidade. Quem acompanha, mesmo de
longe, a conjuntura internacional, sabe que o interesse dos EUA na suposta
falta de democracia na Venezuela, ou mesmo no “combate às drogas”, não passa de
disfarce para os reais interesses econômicos e geopolíticos naquele país. A
Venezuela, como se sabe, detém a maior reserva de petróleo do mundo (quase 300
bilhões de barris), além de outros minerais fundamentais para a produção
industrial. Além do interesse geopolítico, na medida em que fica em região
estratégica para os EUA, do ponto de vista militar.
A ação dos EUA viola todas as
regras internacionais de relações diplomáticas e é uma clara ameaça à segurança
e soberania de um país latino-americano. Mas alguém que conheça, mesmo que de
modo superficial a forma como os EUA se relacionam historicamente com os países
da América Latina (e países subdesenvolvidos do mundo, em geral) poderia se
surpreender com a atitude do império do Norte?
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