quarta-feira, 15 de abril de 2020

GEOPOLÍTICA DA NOVA INFLUÊNCIA GLOBAL CHINESA


Diante do declínio de Washington, incapaz de liderar resposta à pandemia, Pequim avança. Apoio material e influência diplomática vão muito além dos países pobres: chegam à Itália, à Espanha e até às populações empobrecidas nos EUA…


Já se sabe que o impacto da pandemia sobre a economia e a política no mundo está sendo dramático. Porém, como é uma doença desconhecida, para a qual ainda não existe vacina, não se pode estimar ainda a sua profundidade e extensão. Após as polêmicas iniciais, e as tentativas do governo dos EUA e da imprensa ocidental, de jogar no colo da China a responsabilidade sobre a origem do coronavírus, este país iniciou um ambicioso e agressivo programa de combate à pandemia.

A China conseguiu de forma muito rápida realizar a identificação da sequência do genoma do vírus. O país logrou, em janeiro, colocar em quarentena uma população de 56 milhões de habitantes em Wuhan e três cidades próximas. Com certeza essa é a primeira vez que isso acontece em toda a história. Além do empenho estatal, a campanha mobilizou milhões de cidadãos, na chamada “guerra popular” contra o coronavírus.

O plano do governo chinês foi complexo, desenvolvido de forma extremamente ágil, além de ter envolvido diversas instâncias de governo. Em todas as fases da campanha o sacrifício da economia e da produção industrial foi inevitável. Mas, em decorrência da complexa e impressionante operação, a partir de 7 de março não foram registrados novos casos oriundos do país (até o momento). Surgem ainda novos infectados, mas vindos de fora, estrangeiros ou chineses advindos do exterior. No final de março, praticamente a doença tinha sido controlada.


O que explica o sucesso da China no controle da doença em lapso tão breve de tempo? Ainda mais: com prejuízos humanos reduzidos, se comparados ao número de vítimas nos EUA, Itália e Espanha? Esse debate deverá ainda ser aprofundado, mesmo por que não há uma resposta única para a questão. Problemas complexos (muitas vezes, também os simples) têm várias respostas. Mas um aspecto que se destaca é a capacidade de o Estado chinês colocar seus recursos e sua força organizadora na resposta à pandemia. Independente das contradições que se possa apontar na sociedade chinesa, ou mesmo da caracterização que se faça do regime econômico do país, ficou evidente sua superioridade no enfrentamento da doença em relação às economias do capitalismo central, em geral. A estruturação do atendimento aos pacientes, realizado de forma extremamente ágil, a organização da população, a adaptação da produção industrial às novas necessidades, a construção de hospitais em tempo recorde, a disponibilização de um grande número de testes – ações em grande parte levadas à cabo pelo Estado – levaram a um rápido e impressionante controle da doença.

No que se refere à saúde pública, a China acendeu um sinal vermelho com a epidemia de SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), em 2003, que matou 774 pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A experiência, ao contrário do que ocorreu em outros países, parece ter servido de lição para o governo chinês. O país mudou a política governamental, ampliando os investimentos em saúde, facilitando o acesso da população aos serviços e melhorando as políticas de prevenção.

O sucesso da China no enfrentamento do Covid-19 tem melhorado expressivamente a projeção internacional do país, apesar de toda a campanha da imprensa ocidental, no sentido de culpá-la pelo surto. Pequim tem enviado os mais diversos tipos de materiais para o mundo todo, como máscaras, kits para testes, respiradores, ventiladores, medicamentos em geral. Os demandantes geralmente são países pobres como Sérvia, Libéria, Filipinas, Paquistão, República Checa, Egito, Iraque, Malásia, Camboja e Sri Lanka. Mas a China já enviou material para a Espanha, Itália e EUA. A França, no processo de contenção do vírus, encomendou quase dois bilhões de máscaras faciais à China. O país enviou, inclusive, doações aos EUA de equipamentos para o enfrentamento da doença, como kits de testes, máscaras e outros. Os chineses estão enviando material de combate ao coronavírus também para a África. Dessa forma, em meio a essa monstruosa crise global, a China move-se para redefinir seu lugar no mundo, com uma postura civilizada com os países que precisam de ajuda, colocando inclusive sua poderosa indústria a serviço do combate à pandemia.

Ao mesmo tempo, as notícias que circulam sobre os EUA, são de prática de pirataria, de que o país está fazendo ofertas mais altas aos países vendedores de produtos hospitalares, especialmente a China. Ou seja, está usando seus recursos e seu poder bélico para “atravessar” negócios que já tinham sido contratados por outros países. Donald Trump, adicionalmente, baseado em uma lei da época da Guerra da Coréia, nos anos 1950, que obriga as empresas a redirecionarem sua produção para o mercado interno em função do interesse do pais, proibiu a empresa norte-americana 3M, de exportar seus produtos médicos, fabricados em boa parte em território chinês.

O Brasil foi um dos países prejudicados por essa postura imperial do governo norte-americano. Em 2 de abril, uma carga de 600 respiradores artificiais encomendada de uma empresa chinesa por estados do nordeste brasileiro não pode sair do aeroporto de Miami, onde fazia escala, em direção ao Brasil. Segundo informou o governo da Bahia, a operação foi cancelada pelo vendedor e tudo indica que a razão do acontecido foi uma maior oferta dos EUA para os produtos contratados. Essa prática também foi denunciada por outros países, inclusive do bloco imperialista, como Alemanha e França.

Washington está se aproveitando também do momento de crise econômica e sanitária para intensificar as pressões golpistas contra a Venezuela, utilizando o surrado pretexto de “combate às drogas”. Os inúmeros conflitos espalhados pelo mundo, neste momento entram em fase de cessar fogo, visando concentrar todas as energias possíveis no inimigo principal, que é o novo coronavírus. No entanto, em 2 de abril Trump anunciou operações “antidrogas” no mar do Caribe, próximo à costa da Venezuela, deslocando barcos de combate, helicópteros e aviões de vigilância. Já foi denunciado pelo governo venezuelano que a movimentação visa realizar um duro bloqueio naval ao país vizinho, para impedir o abastecimento normal de combustíveis, alimentos e remédios.

Fica evidente que o que está por detrás desses movimentos é, primeiro, a tentativa de esconder o caos causado pelo Covid-19 nos EUA. O país rapidamente tornou-se o epicentro mundial da pandemia (até quarta-feira, 8/4, já tinham sido contabilizados mais de 400 mil casos, com 12.936 mortos). Em segundo lugar, a ação hostil dos EUA se explicaria também pela tentativa de melhorar a performance de Trump na corrida para as eleições norte-americanas previstas para outubro próximo.

Obviamente, o boqueio naval de insumos industriais e outros viola gravemente direitos humanos da população venezuelana e representa crime de lesa-humanidade. Quem acompanha, mesmo de longe, a conjuntura internacional, sabe que o interesse dos EUA na suposta falta de democracia na Venezuela, ou mesmo no “combate às drogas”, não passa de disfarce para os reais interesses econômicos e geopolíticos naquele país. A Venezuela, como se sabe, detém a maior reserva de petróleo do mundo (quase 300 bilhões de barris), além de outros minerais fundamentais para a produção industrial. Além do interesse geopolítico, na medida em que fica em região estratégica para os EUA, do ponto de vista militar.

A ação dos EUA viola todas as regras internacionais de relações diplomáticas e é uma clara ameaça à segurança e soberania de um país latino-americano. Mas alguém que conheça, mesmo que de modo superficial a forma como os EUA se relacionam historicamente com os países da América Latina (e países subdesenvolvidos do mundo, em geral) poderia se surpreender com a atitude do império do Norte?

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