sexta-feira, 24 de abril de 2020

MULHERES DE ABRIL – antes e depois da revolução


Mulheres de Abril
somos
mãos unidas
juntas formamos
fileiras
decididas
ninguém calará
a nossa
voz 
Maria Teresa Horta

A trilogia fascista: Deus, Pátria e Família guiou a sociedade portuguesa até ao 25 de Abril de 1974

Este desígnio guiava o Estado português, a família portuguesa, os valores e a sociedade de então.

A maioria da população portuguesa era analfabeta, elemento essencial para a submissão e opressão; os direitos eram diminutos para a esmagadora maioria da população, mas para as mulheres eram inexistentes. A fome e a miséria eram generalizadas.

O trabalho fora de casa, era entendido como uma ameaça ao modelo familiar vigente. A independência económica das mulheres era considerada uma ameaça à continuidade da sua subalternidade perante a sociedade e perante a família.

À família cabia, como ainda hoje, um papel importantíssimo de reprodução do modelo vigente e de disseminação dos códigos sociais e de valores da sociedade portuguesa.

O papel da mulher resumia-se a procriar e a respeitar a autoridade máxima exercida pelos homens. Foi um tempo de escuridão, de silenciamentos terríveis, de profundas humilhações.

Durante a ditadura fascista, predominava a ausência de direitos que, no caso das mulheres era total.

As mulheres no trabalho

As mulheres ganhavam menos cerca de 40% que os homens.

A lei do contrato individual do trabalho permitia que o marido pudesse proibir a mulher de trabalhar fora de casa.

Se a mulher exercesse actividades lucrativas sem o consentimento do marido, este podia rescindir o contrato.

A mulher não podia exercer o comércio sem autorização do marido.

As mulheres não tinham acesso às seguintes carreiras: magistratura, diplomática, militar e polícia.

Certas profissões (por ex., enfermeira, hospedeira do ar) implicavam a limitação de direitos, como o direito de casar.

As mulheres na família

O único modelo de família aceite era através do casamento.

A idade mínima do casamento era aos 16 anos para o homem e 14 anos para a mulher;

A mulher, face ao Código Civil, podia ser repudiada pelo marido no caso de não ser virgem na altura do casamento.

O casamento católico era indissolúvel.

Existia a figura do Chefe de Família, ocupado pelo homem que detém o poder marital e paternal. Salvo casos excepcionais, o chefe de família era o administrador dos bens comuns do casal, dos bens próprios da mulher e bens dos filhos menores.

O Código Civil determinava que «pertence à mulher durante a vida em comum, o governo doméstico».

Não eram reconhecidos os filhos fora do casamento (considerados ilegítimos) e não possuíam os mesmos direitos que os filhos nascidos dentro do casamento.

Mães solteiras não tinham qualquer protecção legal.

A mulher tinha legalmente o domicílio do marido e era obrigada a residir com ele.

O marido tinha o direito de abrir a correspondência da mulher.

O Código Penal permitia ao marido matar a mulher em flagrante adultério (e a filha em flagrante corrupção), sofrendo apenas um desterro de seis meses;

Até 1969, a mulher não podia viajar para o estrangeiro sem autorização do marido.

Saúde sexual e reprodutiva

Os médicos da Previdência não estavam autorizados a receitar contraceptivos orais, a não ser a título terapêutico. A mulher não tinha o direito de tomar contraceptivos contra a vontade do marido, pois este podia invocar o facto para fundamentar o pedido de divórcio ou separação judicial.

A publicidade dos contraceptivos era proibida.

O aborto era punido em qualquer circunstância, com pena de prisão de 2 a 8 anos. Estimavam-se os abortos clandestinos em 100 mil/ano, sendo a terceira causa de morte materna.

Cerca de 43% dos partos ocorriam em casa, 17% dos quais sem assistência médica; muitos distritos não tinham maternidade.

Segurança social e equipamentos sociais

O regime de previdência e de assistência social caracterizava-se por fraca cobertura de riscos e prestações sociais e um baixo nível de protecção social. Não existia pensão social, nem subsídio de desemprego.

A pensão paga aos trabalhadores rurais era muito baixa e com diferenciação para mulheres e homens.

Não existia pensão mínima.

As mulheres, particularmente as idosas, tinham uma situação bastante desfavorável.

Em 1973, havia 16 creches oficiais e a totalidade, incluindo as particulares, que cobravam elevadas mensalidades, abrangia apenas 0,8% das crianças até aos 3 anos de idade.

Não existiam escolas pré-primárias públicas e as privadas cobriam apenas 35% das crianças dos 3 aos 6 anos de idade.

Direitos cívicos e políticos

Até final da década de 60, as mulheres só podiam votar quando fossem chefes de família e possuíssem curso médio ou superior.

Em 1968, a lei estabeleceu a igualdade de voto para a Assembleia Nacional de todos os cidadãos que soubessem ler e escrever. O facto de existir uma elevada percentagem de analfabetismo em Portugal, que atingia sobretudo as mulheres, determinava que, em 1973, apenas houvesse 24% dos eleitores recenseados.

No caso de serem chefes de família (por viuvez), as mulheres apenas podiam votar para as Juntas de Freguesia, tendo de apresentar atestado de idoneidade moral.


As portas que Abril abriu... | 25 de Abril de 1974
  
E eis que surge «O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio»
(Sophia de Mello Breyner)

A revolução de Abril de 1974 representou para a população portuguesa, e para as mulheres em Portugal, uma gigantesca transformação social, económica, política e cultural que imprimiu um novo modelo socioeconómico. A consagração de direitos sociais, económicos e políticos imprimiu uma profunda alteração sistémica na sociedade portuguesa: abriram-se as portas, às mulheres, para um lugar digno na sociedade, em igualdade.

Uma revolução na vida das mulheres

O processo revolucionário, a conquista de importantes direitos, a participação, desde o primeiro momento, das mulheres, lado a lado com os homens, na transformação de Portugal, provocou mudanças na sociedade e nos valores.

Uma revolução que construiu um património de direitos transversais que permitiu liquidar discriminações e quebrar séculos de subalternização das mulheres.

As mulheres tomaram nas suas mãos uma vida melhor

Pela primeira vez, as mulheres foram protagonistas da história e contribuíram para a transformação.

Nunca a liberdade foi tão ampla para as mulheres, nunca a sua participação cívica foi tão grande, nunca a igualdade entre mulheres e homens foi tão fecunda, como durante o processo revolucionário, em 1974/75.

Foi a primeira vez que as mulheres tomaram nas suas mãos a construção de uma vida melhor, de um país mais justo, mais igual. E fizeram-no, não numa posição subalterna, mas em igualdade, verdadeira igualdade.

Algumas das principais conquistas

Fixação do salário mínimo nacional (DL 212/74, de 27.05).

Aumento generalizado de salários, garantia de emprego, férias, subsídio de férias e de Natal; diminuição das diferenças salariais, supressão do tratamento legal ou convencional claramente discriminatório.

Abertura às mulheres das carreiras da magistratura judicial e do ministério público e dos quadros de funcionários da justiça (DL 251/74,12.06), carreira diplomática (DL 308/74, de 6.07), a todos os cargos da carreira administrativa local (DL 251/74, de 22.06).

Abolidas todas as restrições baseadas no sexo quanto à capacidade eleitoral dos cidadãos (DL 621-A/74, de 15.11).

Alteração do artigo XXIV da Concordata, passando os casamentos católicos a poder obter o divórcio civil (DL 187/75, de 4.04).

Abolido o direito de o marido abrir a correspondência da mulher (DL 474/76, de 16.06).

Revogadas disposições penais que reduziam penas ou isentavam de crimes os homens, em virtude de as vítimas desses delitos serem as suas mulheres ou filhas (DL 262/75, de 27.05).

Ampliação do período de licença de maternidade para 90 dias (DL 112/76, de 7.02), 60 dos quais teriam de ser gozados após o parto, estando abrangidas todas as trabalhadoras.

Criação das consultas de planeamento familiar nos centros de saúde materno-infantil (Despacho do Secretário de Estado de Saúde, 16.03.76).

Movimento Democrático de Mulheres – MDM | Imagem de topo: Eduardo Gageiro

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