terça-feira, 21 de abril de 2020

Portugal | A MÁSCARA DA AUSTERIDADE


Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

De entre a profusão de lugares-comuns que têm povoado as nossas meninges desde que um vírus assomou à janela para nos comunicar o medo está aquele que diz que nunca como agora o que hoje é verdade amanhã é mentira.

Na realidade, trata-se de uma definição tão universal que podíamos facilmente estampá-la numa t-shirt e andar com ela colada ao tronco o ano inteiro.

Com a austeridade é a mesma coisa. Ainda que, neste caso, a verdade ainda se apresente travestida de possibilidade. Ou, na definição inatacável do ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, "despesas do Estado hoje são impostos amanhã". O que, parecendo uma lapalissada, nunca é demais lembrar, para não termos a tentação de efabular com unicórnios económicos.

Ora, o conceito de austeridade vai variando de Governo para Governo, não apenas em função do alinhamento ideológico dos partidos-âncora, mas sobretudo em resultado da necessidade que esses mesmos partidos tenham em agitar uma bandeira maldita que queima as mãos. António Costa foge dela como o diabo da cruz. Porque foi essa a narrativa que lhe permitiu ostracizar a herança de Passos Coelho (que ostracizou a herança de Sócrates), porque é aí que reside, politicamente, a sua caraterística mais definidora: a do homem que decretou o fim dos dias de fogo, que provou haver uma alternativa ao aumento de impostos e aos cortes nas pensões e salários da Função Pública.

Só que as certezas iniciais do primeiro-ministro evoluíram entretanto para um meio-termo não comprometedor. António Costa continua a preferir o investimento público à austeridade (a propósito, o que está a ser feito no Serviço Nacional de Saúde é investimento público, convém não esquecer), mas anda nisto há tempo suficiente para deixar a porta entreaberta para medidas mais musculadas. O talento natural para gingar no trapézio político dar-lhe-á certamente tempo para gerir as expectativas e moldar o discurso. Ninguém deseja uma austeridade que todos somos capazes de antever e que muitos já sentem, mas o que ninguém suporta mesmo é ser enganado nesta fase. Não agora. Não num contexto em que um mísero fio de luz assume a forma de uma tempestade solar .

*Diretor-adjunto

Leia o editorial do JN, que, entre outros, vai entrar em lay-off

“O Global Media Group, que integra o Jornal de Notícias, a TSF, o DN, o DV e o Jogo, entre outros meios, vai avançar para um lay-off parcial, à semelhança do que já sucedeu noutros media, tentando evitar o colapso económico que estes dias de crise precipitam, mas garantindo assegurar as condições mínimas para o funcionamento das Redações.”

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