Pedro Ivo Carvalho*
| Jornal de Notícias | opinião
De entre a profusão de
lugares-comuns que têm povoado as nossas meninges desde que um vírus assomou à
janela para nos comunicar o medo está aquele que diz que nunca como agora o que
hoje é verdade amanhã é mentira.
Na realidade, trata-se de uma
definição tão universal que podíamos facilmente estampá-la numa t-shirt e andar
com ela colada ao tronco o ano inteiro.
Com a austeridade é a mesma
coisa. Ainda que, neste caso, a verdade ainda se apresente travestida de
possibilidade. Ou, na definição inatacável do ministro da Economia, Pedro Siza
Vieira, "despesas do Estado hoje são impostos amanhã". O que,
parecendo uma lapalissada, nunca é demais lembrar, para não termos a tentação
de efabular com unicórnios económicos.
Ora, o conceito de austeridade
vai variando de Governo para Governo, não apenas em função do alinhamento
ideológico dos partidos-âncora, mas sobretudo em resultado da necessidade que
esses mesmos partidos tenham em agitar uma bandeira maldita que queima as mãos.
António Costa foge dela como o diabo da cruz. Porque foi essa a narrativa que
lhe permitiu ostracizar a herança de Passos Coelho (que ostracizou a herança de
Sócrates), porque é aí que reside, politicamente, a sua caraterística mais
definidora: a do homem que decretou o fim dos dias de fogo, que provou haver
uma alternativa ao aumento de impostos e aos cortes nas pensões e salários da
Função Pública.
Só que as certezas iniciais do
primeiro-ministro evoluíram entretanto para um meio-termo não comprometedor.
António Costa continua a preferir o investimento público à austeridade (a
propósito, o que está a ser feito no Serviço Nacional de Saúde é investimento
público, convém não esquecer), mas anda nisto há tempo suficiente para deixar a
porta entreaberta para medidas mais musculadas. O talento natural para gingar
no trapézio político dar-lhe-á certamente tempo para gerir as expectativas e
moldar o discurso. Ninguém deseja uma austeridade que todos somos capazes de
antever e que muitos já sentem, mas o que ninguém suporta mesmo é ser enganado
nesta fase. Não agora. Não num contexto em que um mísero fio de luz assume a
forma de uma tempestade solar .
*Diretor-adjunto
Leia o editorial do JN, que, entre
outros, vai entrar em lay-off
“O Global Media Group, que
integra o Jornal de Notícias, a TSF, o DN, o DV e o Jogo, entre outros meios,
vai avançar para um lay-off parcial, à semelhança do que já sucedeu noutros
media, tentando evitar o colapso económico que estes dias de crise precipitam,
mas garantindo assegurar as condições mínimas para o funcionamento das Redações.”
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