quinta-feira, 16 de abril de 2020

Portugal | Pode não ser luz ao fundo do túnel nem o fim mas sim excesso de otimismo


Neste deserto cavado pelo covid-19 e respetivas restrições existem os que o vão atravessando cantando e rindo, levados por visões exatamente provocadas pela hostilidade do deserto. Miguel Cadete, diretor-adjunto do Expresso, autor do Curto de hoje, traz-nos uma provável visão em que vê luz ao fundo do túnel e o seu fim. Ou então só está a referir-se assim por dizer de outros que devem de estar baralhados. Até porque não existem túneis no deserto. Só quem por lá andou sabe isso muito bem.

Conforme o ótimo é inimigo do bom também o excesso de otimismo é inimigo da realidade nua e crua. Ver luz ao fundo de um túnel imaginário – só pode ser – não quer dizer que ela esteja lá. Nem o seu fim. Aliás, nem sequer o túnel existe. Aimda é muito cedo para isso.

O que tal pode significar é que a visão é inusitadamente otimista devido aos sinais ténues do que vamos vencendo por via do confinamento, dos esforços e riscos de imensos trabalhadores da saúde e de serviços imprescindíveis, a leva de mais vidas por covid-19. Que estamos, em Portugal, quase no planalto tão badalado pelos entendidos desta pandemia global em que todos os dias, cerca das 13 horas, nos fazem o ponto da situação e nos dão motivos para chorar as dezenas de portugueses que morrem diariamente. Um pouco mais ou um pouco menos, mas o caso é mesmo para chorar – principalmente familiares e amigos dos que perdem a vida.

É salientado neste Curto o otimismo do PM António Costa e de outros. Costa já disse que está a ver a luz ao fundo do túnel… Ele é assim, um exuberante otimista. Ainda bem, em certos casos. Miguel Cadete parece que vai atrás… Tantos outros assim vão. Esperançados, porque na realidade, em Portugal, há sinais positivos. Contudo, o que podemos estar a arriscar com tanto otimismo é a ressurgir o ataque em força do vírus em contaminações daqueles que não se mantiverem em confinamento e com cuidados acrescidos na sociabilização. Atualmente é mesmo caso para dizermos a todos que nos rodeiam à devida distância: nada de misturas!

No regresso ao trabalho como vai acontecer a nível de transportes públicos? E no próprio local de trabalho? E nas tascas e restaurantes? E nos cafés? E nas diversas lojas de artigos fúteis ou úteis? Como vamos fazer o dia a dia sem que nos contagiem e que por isso mesmo voltemos a ver crescer os números dos infetados?

Sabemos que existem entidades patronais que já estão com o coração em ânsia para retomar a atividade das suas empresas. Muitos, amargamente referem: ou isso ou a falência… Sim. Na realidade é um bico-de-obra muito grande… Mas, pensem lá, o que é mais importante? O “nosso ganha-pão” ou a saúde? A vida ou a morte?

Estamos perante aquilo a que com toda a propriedade chamamos um dilema. Quando existe dilema a sério, quando temos de optar em defesa da nossa saúde, da nossa vida, não há volta dar. Até porque se adoecermos ou morrermos também não podemos ir para o emprego, nem dirigir o nosso negócio. Tiro e queda. Certo e sabido.

Perante tais evidências parece que o sensato é aguentar ao máximo, até que o risco de contaminação por covid-19 seja ínfimo ou inexistente. Estágio difícil de atingir enquanto não existir vacinação comprovadamente eficaz.

Hoje o PR Marcelo vai avançar com mais uma quinzena de Estado de Emergência a que o Parlamento decerto anuirá e aprovará. O prolongamento por mais duas semanas do Estado de Emergência é uma medida sensata, prevê-se que com alguma abertura nas restrições anteriormente impostas. Falta saber sobre a sensatez da inclusão dos itens no capítulo da abertura. O exagero no otimismo, na luz que virem ao fundo túnel, se não tiver os condimentos assentes na exata sensatez, pode inquinar todo o esforço que fizemos até agora, pode levar mais vidas e/ou estragá-las em qualidade…

Vai ser difícil didicir. É verdade que o país não pode parar. Mas, e nós, os portugueses podem morrer ou ficarem por mais uns anos de vida com sequelas que os entendidos em saúde dizem que afetarão os “visitados” pelo covid-19?

Ao que parece, atualmente, existem melhores “remédios” para a economia afetada que para a covid-19. O que será decidido em mais uma fase, a terceira, do Estado de Emergência e das restrições a imporem?

Neste rincão aderente ao neoliberalismo o que vai acontecer? Sabemos que há uma grande vontade de fazer de conta que o pior já passou e que é hora de reiniciar a normalidade com os devidos cuidados… Ora, ora. E os que se julgam superes mas não passam de alarves ignorantes? E os que são por natureza irresponsáveis? E os que crêem cegamente nos santinhos e nos deuses que os protegem (mas que tramam os outros)? E os que…

O que for soará. Por bem ou por mal.

Vá para o Curto, a seguir.

SC | PG



Bom dia, este é o seu Expresso Curto

Já se vê o fim do túnel

Miguel Cadete | Expresso

Bom dia!

A União Europeia publicou ontem um documento que alinha as medidas a ser tomadas para regressarmos à normalidade. Tem a assinatura dos presidentes da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do Conselho Europeu, Charles Michel e é muito mais que um tratado de burocracia. Na verdade, pode ser o mapa que nos leve a sair de um problema chamado covid-19. O Expresso mastigou toda a informação que contém e sabe que o levantamento das restrições pode durar meses.

Ontem, em Lisboa, a avaliação da situação por parte das mais altas figuras do Estado, líderes dos partidos, técnicos da Direção Geral de Saúde e especialistas do Instituto Ricardo Jorge levou a conclusões idênticas ou muito similares. O índice de reprodutibilidade da covid-19 em Portugal, o R0, está abaixo de 1 – anda à volta de 0,87, - o que permite pela primeira vez começar a pensar no levantamento de restrições. Os especialistas acreditam que quando se chegar ao 0,7 (o que significa que em média cada pessoa infetada contagia apenas 0,7 pessoas) será possível começar a abrir o país. O caso da Noruega, que esta semana deu início ao levantamento de algumas medidas restritivas, é o exemplo a seguir. Sim, o R0 da Noruega é 0,7.

António Costa tem vindo a sugerir que se começa a ver a luz no final do túnel em maio, mas sabe que o levantamento das medidas será gradual, podendo durar meses. Nisso está alinhado com o mapa que a União Europeia propõe e que, de forma muito clara, sugere que, antes de tudo o mais, voltem à atividade algumas escolas e creches, seguindo-se as lojas, e só depois os restaurantes e os hotéis. Os festivais e os concertos, admite-se, serão os últimos eventos a poder voltar a acontecer e a regressar à almejada normalidade.

Da reunião que também ontem teve lugar entre a Confederação do Turismo de Portugal e o primeiro-ministro, este coadjuvado pelos ministros da Economia e do Trabalho, saiu o desejo de iniciar a abertura de hotéis e restaurantes já em maio. Francisco Calheiros, presidente da Confederação, aponta para o próximo mês, ainda que com o pessoal equipado com luvas e máscaras. E que em setembro, com uma possível abertura de fronteiras, os turistas espanhóis poderiam regressar. Admitiu, contudo, que o Verão já está perdido.

Ontem, em entrevista na RTP, o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, sublinhou que o Estado não dará dinheiro a fundo perdido para as empresas. “Não podemos pensar que conseguimos pagar os compromissos das empresas a fundo perdido e à custa do contribuinte. Despesa do Estado agora são impostos amanhã”, disse durante o programa “Grande Entrevista”.

Recorde-se que o Presidente da República vai renovar hoje, por mais 15 dias, o estado de emergência. São mais duas semanas em que vigorarão as medidas excecionais, imposta há um mês, e que terminam formalmente a 1 de maio. António Costa alertou contudo que: “Cada vez que tirarmos restrições o número de contágios vai aumentar”, o que decorre da evolução de qualquer epidemia para a qual não existe ainda vacina ou imunidade de grupo.

Marcelo Rebelo de Sousa, por seu lado, resumiu as conclusões do dia: “Em maio, os portugueses vão começar a habituar-se a conviver com um vírus que passa a ser um dado novo no seu dia a dia”. Ontem, desceu o total de doentes internados, segundo o boletim da Direção-Geral da Saúde, fixando-se em 1.200 - menos 27 pessoas do que o registo anterior. Também caiu o total de doentes infetados em cuidados intensivos, para 208 (menos 10 do que na terça-feira) e aumentou o grupo das pessoas já recuperadas: 383.

Já no plano internacional, o dia de quarta-feira foi marcado pelo corte do financiamento à Organização Mundial de Saúde anunciado pelo Presidente dos Estados Unidos da América. Donald Trump justificou a medida como retaliação pelas informações falsas sobre a transmissão e mortalidade” da doença e que se a OMS “tivesse feito o seu trabalho e enviado especialistas médicos para a China”, a pandemia poderia “ter sido contida na fonte com pouquíssimas mortes”.

A Zona Euro pode estar em risco caso alguns países não obtenham condições de financiamento para a retoma. Quem o disse foi Bruno Le Maire, o ministro das Finanças de França que assim declara o seu apoio a um esforço partilhado no seio da União Europeia através da criação de um Fundo de Retoma. Em entrevista ao Expresso não podia ser mais claro: “O Fundo de Retoma é claramente pensado para despesas públicas através de subsídios. Não estou a falar de empréstimos”.

OUTRAS NOTÍCIAS

Marcelo e Costa rejeitam geolocalização de infetados. Pode ler-se na manchete de hoje do “Público”: segundo o entendimento do Presidente e do primeiro-ministro, a medida que prevê mapear as pessoas infetadas através dos seus telemóveis será inconstitucional. Tal só é possível caso os doentes com covid-19 aceitassem ser seguidos voluntariamente.

25 de Abril celebrado com um terço dos deputados. Na Assembleia da República vai acontecer a habitual celebração solene mas com muito menos deputados presentes, segundo uma proposta de Rui Rio.

Dinheiro do TV Fest não seria para a RTP. Ministra da Cultura foi ao Parlamento esclarecer que o valor de um milhão de euros destinado ao malogrado TV Fest não seria para a RTP mas sim para músicos e técnicos. Confessou que o festival foi pensado à pressa, “em dois dias”, e que o dinheiro vai manter-se no orçamento do Ministério da Cultura. Anunciou que ainda esta semana serão divulgadas as medidas de apoio extraordinário para os media e para o sector livreiro.

Diretores do “Diário de Notícias” demitem-se. Ferreira Fernandes e Catarina Carvalho demitiram.se dos seus cargos quando o jornal se encontrava prestes a ter que assumir cortes na redação. “Fomos informados pela administração que a crise do covid-19 vai levar o grupo Global Media a medidas em que a redação do DN está entre as mais atingidas”, disseram. Leonídio Paulo Ferreira, que já pertencia à direção, é o novo diretor.

Sporting ainda não pagou Rúben Amorim. O clube de Alvalade já falhou por duas vezes o pagamento da primeira tranche devida pela contratação do treinador Rúben Amorim ao Sporting de Braga. A conta, que já era milionária a nível mundial entre as transferências de treinadores, subiu agora para 13,8 milhões de euros.

Morreu Rubem Fonseca. O escritor brasileiro, galardoado com o Prémio Camões em 2003, faleceu na quarta-feira depois de acometido por um enfarte do miocárdio quando se encontrava no seu apartamento no bairro de Leblon, no Rio de Janeiro. Contava 94 anos.

Todos os alunos passam de ano em Espanha. Salvo raras exceções, todos os estudantes – desde a infantil até à faculdade – serão avaliados mas transitam de ano, anunciou a ministra da Educação de Espanha. “Nenhum aluno fica para trás”, disse ao “El País”.

FRASES

“Não vai ser possível descartar a austeridade em absoluto”. Ricardo Reis, economista e cronista do Expresso ao “Jornal de Negócios.

“O peso do turismo penaliza previsões para Portugal”. Gian Maria Milesi-Ferretti, economista do FMI, ao “Público

“Estou a viver como se fosse um tempo de regeneração”. Dino d’Santiago, cantor, ao “Diário de Notícias”
“[Rubem Fonseca] foi o raro tipo de autor que influencia até quem nunca leu a sua obra”. João Paulo Cuenca, escritor brasileiro, na “Folha de São Paulo”

O QUE ANDO A LER

A investigadora Maria Manuel Mota venceu em 2013 o Prémio Pessoa, fazendo atualmente para do júri. Nas últimas semanas voltou a distinguir-se enquanto cientista: o Instituto de Medicina Molecular que dirige afirmou-se enquanto pioneiro em Portugal na produção de testes de diagnóstico para a covid-19, ao utilizar reagentes de produção nacional. Também disponibilizará testes serológicos num futuro próximo, contribuindo assim para saber com precisão quem já detém imunidade ao novo coronavírus. Ler a entrevista de fundo que concedeu à Revista do Expresso - e que será publicada no próximo sábado – também é entender que atrás da cientista que hoje gere meios de investigação está alguém que aos 48 anos, confinada em casa, não resistiu a meter as mãos na massa.

Também na Revista do Expresso foram publicados, nos últimos meses, alguns dos mais exaustivos e exorbitantes trabalhos de reportagem gastronómica – um novo género, bem sei – produzidos por aqui. Esmiuçar o frango assado, a sardinha, a lagosta ou o bacalhau não é para todos, mas foi o que Ricardo Dias Felner fez. E bem. Esses textos, e muitos outros que publicou enquanto dirigia a revista “Time Out” ou fazia parte da redação do “Público” foram agora coligidos no livro “O Homem Que Comia Tudo” (2021, Quetzal), que é também a designação do blogue do autor.

Além das incursões pelas espécies gastronómicas já citadas, o leitor pode contar com um desfiar de lugares milagrosos que se dedicam à comida, mais as receitas que não estão em qualquer livro de culinária ou o desencantar do espírito foodie ou gourmet ou coisa que o valha. Não admira que o volume leve por subtítulo “Aventuras culinárias, receitas e restaurantes de Portugal e do mundo”. É mesmo isso.
Tenha um bom dia. Toda a informação é atualizada em permanência no site do Expresso

Sugira o Expresso Curto a um/a amigo/a

Sem comentários:

Mais lidas da semana