segunda-feira, 4 de maio de 2020

A "GUERRA DAS IDEIAS"


Se só com uma grande dose de fé, de cegueira ou por interesse substantivo se poderia há muito ignorar quão absurda é a dicotomia ‘capitalismo/comunismo’, a eclosão da presente pandemia veio tornar mais clara a situação com que estamos confrontados.

Paulo Casaca*, em Bruxelas | Jornal Tornado | opinião

Da Jihad ao Comunismo maoísta

Foi em 2007 que Walid Phares publicou ‘A Guerra das Ideias’ marco essencial na compreensão do desafio colocado às democracias pelo Jihadismo – a mais importante ideologia totalitária do tempo – que os nossos sistemas políticos se negaram a entender enquanto tal, mas apenas como um ‘problema de segurança’ consequência do ‘terrorismo’ rapidamente rebaptizado pela máquina de ofuscação do ‘politicamente correcto’ como resultado da ‘radicalização’.

Ao abrigo dessa lógica foi feita uma fantasiosa doutrina da ‘radicalização’ em que a ‘Al Qaeda’ deveria entender-se como uma extensão no Médio Oriente do ‘Exército Republicano Irlandês’ e em que era proibido compreender a ideologia totalitária do jihadismo e sobretudo o conjunto de instrumentos usados por ela, que passam pelo terror mas que assentam no poder do dinheiro.

Walid Phares foi quem me chamou a atenção para o facto de o Jihadismo ter tomado conta dos principais centros de ensino americanos que tratavam do Islão ou do Médio Oriente, e isto por uma razão simples: era o dinheiro vindo das petro-ditaduras islâmicas que os pagava, da mesma forma que pagava uma explosão de centros e monumentos religiosos e assalariava pregadores responsáveis pela doutrinação jihadista no Ocidente ou pelo apaziguamento do jihadismo.


Já depois de exilado na Bruxelas, conheci um dos principais peritos em matéria de jihadismo, Robin Simcox, autor entre outros de um relatório sobre o financiamento jihadista do ensino superior britânico que assumia (e não creio que tenha deixado de assumir) proporções monstruosas. Lembro-me particularmente da ‘Cátedra Bin Laden’ da Universidade de Oxford, discretamente deixada cair depois do 11 de Setembro e da forma como o Jihadismo Iraniano ou da Irmandade Muçulmana foi financiado em programas públicos britânicos de ‘combate à radicalização’.

O Jihadismo continua a ser um adversário temível das democracias e continua a ser financiado em moldes não muito diferentes do que era então, com a Turquia a assumir o lugar que tinha sido no passado o de algumas monarquias petrolíferas e o Irão mais limitado pelas sanções norte-americanas a operações da rede narco-terrorista (em estreita cooperação com a Venezuela).

Para lá da cegueira ideológica, do politicamente correcto, da psicose do apaziguamento, há um elemento decisivo na infecção jihadista das democracias que Simcox me chamou a atenção e que foi o papel da ideologia do ‘Consenso de Washington’ (popularmente designada por ‘neoliberalismo’) que santifica a ‘iniciativa privada’. Foi ao abrigo dessa ideologia que no Reino Unido surgiu a política de dar duas libras por cada libra que as Universidades conseguissem captar da ‘iniciativa privada’. No caso do Jihadismo, tratou-se de assegurar que por cada libra investida na lavagem ao cérebro jihadista, o contribuinte britânico contribuísse com duas libras suplementares, no mais claro exemplo de políticas suicidárias ocidentais que me lembro de ter visto.

Aquilo que é realmente importante relativamente ao Jihadismo é que a massa da população muçulmana (e isto é assim com variações tanto no Mundo Árabe como na Ásia do Sul como sobretudo no Irão) o conhece cada vez melhor como ideologia de exploração e opressão e por isso cada vez mais o odeia. É essa talvez a razão pela qual ele está em refluxo como principal ameaça à democracia, enquanto ideologia.

Esta longa digressão pela Jihad serve-nos para entender uma coisa: a guerra das ideias é o palco decisivo do outro confronto com ideologias totalitárias, o da guerra do Comunismo maoísta à democracia.

Capitalismo e comunismo

Há um aspecto essencial da doutrina de Marx com que os dirigentes das democracias ocidentais ficaram encantados, em particular depois da queda do império soviético: a caracterização dos sistemas políticos assentes no Estado de Direito e em mecanismos aristodemocráticos como ‘sistemas políticos capitalistas’, mais do que ‘democracias burguesas’.

Esse é com efeito um dos pilares da visão de Marx sobre as ditas ‘democracias burguesas’ e que é também um dos mais frágeis: na verdade, tendo como pedra fundadora da sua crítica ao ‘sistema capitalista’ exposta no ‘Capital’, a sua leitura da ‘crematística’ por Aristóteles, Marx teve que realizar enormes malabarismos argumentativos (e a meu ver distorções intencionais) para explicar como teria sido possível ao dito cujo Aristóteles entender a essência de um sistema que só seria inventado dois mil anos depois.

Considero insustentável a visão de Karl Marx do capitalismo, e apenas compreensível à luz da sua necessidade de justificar a ‘revolução proletária’. Quanto à sua visão de socialismo e comunismo, ela nunca foi muito clara. Marx partia do princípio que o socialismo iria surgir nos Estados Unidos da América, a sociedade mais avançada do seu tempo, e nunca na Rússia, que para ele sempre foi o símbolo da reacção. Foi de resto por isso, que Lenine nos meses que antecederam o golpe de Outubro de 1917 dedicou a maior parte do seu tempo a escrever ‘o Imperialismo estádio superior do capitalismo’ em que procura justificar a inversão da visão revolucionária de Karl Marx fazendo da Rússia – ‘o elo mais fraco da cadeia imperialista’ – o local necessário da experiência socialista no caminho para o comunismo.

O leninismo é no essencial uma doutrina de assalto ao poder desprovida de qualquer consistência programática de transformação social, e por isso mesmo a ‘nova política económica’ com que procurou dar alguma energia à moribunda economia russa depois do ‘comunismo de guerra’ pode facilmente ser descrito como ‘capitalismo’.

A essência da doutrina marxista-leninista, muito em especial tal como foi refinada por Estaline, e ainda mais por Mao Ze Dong, é a da conquista e preservação do poder de forma ditatorial; é essa a doutrina maoista que perdura no nosso tempo, a história do ‘capitalismo’, ou ‘liberdade de mercado’ é puramente instrumental: utiliza-se à medida das necessidades.

O capitalismo, entendido pela leitura feita por Marx do sentido aristotélico do termo, ou seja, a ‘crematística pura’, é uma tara da humanidade, que transforma a acumulação do dinheiro de instrumento, em fim último.

Deixar um sistema democrático à mercê do ‘capitalismo’ é uma pura tonteira que, entre outras coisas, não conduz a mercado livre nenhum, porque, como Adam Smith explicou melhor do que ninguém, não há pior inimigo do mercado livre que o capitalista, da mesma maneira que esperar que o comunismo tenha como objectivo acabar com o ‘capitalismo’ ou ‘servir as massas’, a igualdade, etc. é outra tonteira, essa bem evidente para quem tenha passado pela experiência do ‘socialismo real’.

Confrontados com a contradição evidente entre a teoria do capitalismo como alternativa ao comunismo (ou vice-versa) os nossos ideólogos ocidentais acharam por bem demitir a realidade em favor da sua tese; se os maoistas eram capitalistas, então não são comunistas e, portanto – talvez depois de um período de transição – democratas e arautos do ‘mercado livre’.


A guerra do vírus

Se só com uma grande dose de fé, de cegueira ou por interesse substantivo se poderia há muito ignorar quão absurda é a dicotomia ‘capitalismo/comunismo’, a eclosão da presente pandemia veio tornar mais clara a situação com que estamos confrontados.

Começou por se constatar quão longe foi já o maoísmo na conquista da governação internacional; de agências de direitos humanos a painéis do clima passando pela agricultura, era já óbvio o poder comunista chinês. Tornou-se agora evidente na organização mundial de saúde.

Mais importante do que isso foi a facilidade com que o Ocidente seguiu a cartilha maoísta ao ritmo pretendido. Negou-se a pandemia quando interessava negar a pandemia e pôs-se o Ocidente a dar como provada a eficácia do confinamento ou dos ventiladores, apenas por que a China os tinha posto em marcha primeiro.

Na pantomina em volta do aparecimento do vírus, jogou-se primeiro com o mercado de animais de Wuhan, igual a milhares de outros no país inteiro para depois se passar à fase da invenção criativa.

O laboratório virológico de alta segurança da cidade – curiosamente o único de todo o país – tem a particularidade de ter sido fruto de intensa cooperação ocidental. O Primeiro-ministro francês da altura assistiu à inauguração, sendo o ‘Instituto Pasteur’ a principal instituição francesa envolvida, e o Instituto Nacional de Alergias e doenças Infecciosas dos EUA teve também um profundo envolvimento com o mesmo.

Ficou também a saber-se que o Instituto analisava vírus de morcegos recolhidos no Sul da China – fonte primária de uma outra pandemia deste século – e que estas instituições ocidentais em estreita parceria com os gigantes da indústria farmacêutica, de que a ‘Fundação de Bill Gates é a principal cobertura, estavam todas interessadas na produção de vacinas.

Fez-se imenso barulho sobre o infundado das suspeitas de manipulação humana do vírus responsável pela presente pandemia, pormenor técnico de somenos importância. Se há um laboratório a trabalhar no isolamento de um vírus que existe numa população de morcegos, e se o faz de forma aberta (o que nós sabemos decorre da leitura das comunicações públicas dos investigadores do laboratório e do que se declarava no portal electrónico, entretanto apagado) e se os parceiros ocidentais estão focados em vacinas, não é difícil de entender o que se pretendia. Se a fuga do vírus se deu antes de qualquer manipulação genética, isso nada altera o fundo da questão.

Por outro lado, parece-me óbvio tanto aqui como em muitas outras matérias que a utilização militar destas tecnologias é sempre uma perspectiva presente. Não é provável que fosse esse o objectivo central, se não a investigação não teria sido pública, mas é claro que todos os estrategas certamente observaram a eficiência devastadora do vírus e olham agora atentamente para a perspectiva da guerra biológica.

Para Bill Gates, como para uma vasta plêiade de sumidades do nosso capitalismo, trata-se de um bom negócio, enquanto para o maoísmo trata-se de avançar na conquista do poder.
Em vez de uma dicotomia capitalismo/comunismo temos antes a aliança do grande capitalismo com o maoismo imperialista do PCC contra a liberdade, a democracia e o humanismo no mundo.

É esse o palco da confrontação que temos perante nós. Enquanto não o entendermos, não seremos capazes de compreender o que temos a fazer.

* Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

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