Se só com uma grande dose de fé,
de cegueira ou por interesse substantivo se poderia há muito ignorar quão
absurda é a dicotomia ‘capitalismo/comunismo’, a eclosão da presente pandemia
veio tornar mais clara a situação com que estamos confrontados.
Paulo Casaca*, em
Bruxelas | Jornal Tornado | opinião
Da Jihad ao Comunismo maoísta
Foi em 2007 que Walid Phares
publicou ‘A Guerra das Ideias’ marco essencial na compreensão do
desafio colocado às democracias pelo Jihadismo – a mais importante ideologia
totalitária do tempo – que os nossos sistemas políticos se negaram a entender
enquanto tal, mas apenas como um ‘problema de segurança’ consequência do
‘terrorismo’ rapidamente rebaptizado pela máquina de ofuscação do
‘politicamente correcto’ como resultado da ‘radicalização’.
Ao abrigo dessa lógica foi feita
uma fantasiosa doutrina da ‘radicalização’ em que a ‘Al Qaeda’ deveria
entender-se como uma extensão no Médio Oriente do ‘Exército Republicano
Irlandês’ e em que era proibido compreender a ideologia totalitária do
jihadismo e sobretudo o conjunto de instrumentos usados por ela, que passam
pelo terror mas que assentam no poder do dinheiro.
Walid Phares foi quem me chamou a
atenção para o facto de o Jihadismo ter tomado conta dos principais centros de
ensino americanos que tratavam do Islão ou do Médio Oriente, e isto por uma
razão simples: era o dinheiro vindo das petro-ditaduras islâmicas que os
pagava, da mesma forma que pagava uma explosão de centros e monumentos
religiosos e assalariava pregadores responsáveis pela doutrinação jihadista no
Ocidente ou pelo apaziguamento do jihadismo.
Já depois de exilado na Bruxelas,
conheci um dos principais peritos em matéria de jihadismo, Robin Simcox, autor
entre outros de um relatório sobre o financiamento jihadista do ensino
superior britânico que assumia (e não creio que tenha deixado de assumir)
proporções monstruosas. Lembro-me particularmente da ‘Cátedra Bin Laden’ da
Universidade de Oxford, discretamente deixada cair depois do 11 de Setembro e
da forma como o Jihadismo Iraniano ou da Irmandade Muçulmana foi financiado em
programas públicos britânicos de ‘combate à radicalização’.
O Jihadismo continua a ser um
adversário temível das democracias e continua a ser financiado em moldes não
muito diferentes do que era então, com a Turquia a assumir o lugar que tinha
sido no passado o de algumas monarquias petrolíferas e o Irão mais limitado
pelas sanções norte-americanas a operações da rede narco-terrorista (em
estreita cooperação com a Venezuela).
Para lá da cegueira ideológica,
do politicamente correcto, da psicose do apaziguamento, há um elemento decisivo
na infecção jihadista das democracias que Simcox me chamou a atenção e que foi
o papel da ideologia do ‘Consenso de Washington’ (popularmente designada por
‘neoliberalismo’) que santifica a ‘iniciativa privada’. Foi ao abrigo dessa
ideologia que no Reino Unido surgiu a política de dar duas libras por cada
libra que as Universidades conseguissem captar da ‘iniciativa privada’. No caso
do Jihadismo, tratou-se de assegurar que por cada libra investida na lavagem ao
cérebro jihadista, o contribuinte britânico contribuísse com duas libras suplementares,
no mais claro exemplo de políticas suicidárias ocidentais que me lembro de ter
visto.
Aquilo que é realmente importante
relativamente ao Jihadismo é que a massa da população muçulmana (e isto é assim
com variações tanto no Mundo Árabe como na Ásia do Sul como sobretudo no Irão)
o conhece cada vez melhor como ideologia de exploração e opressão e por isso
cada vez mais o odeia. É essa talvez a razão pela qual ele está em refluxo como
principal ameaça à democracia, enquanto ideologia.
Esta longa digressão pela Jihad
serve-nos para entender uma coisa: a guerra das ideias é o palco decisivo do
outro confronto com ideologias totalitárias, o da guerra do Comunismo maoísta à
democracia.
Capitalismo e comunismo
Há um aspecto essencial da
doutrina de Marx com que os dirigentes das democracias ocidentais ficaram
encantados, em particular depois da queda do império soviético: a
caracterização dos sistemas políticos assentes no Estado de Direito e em
mecanismos aristodemocráticos como ‘sistemas políticos capitalistas’, mais do
que ‘democracias burguesas’.
Esse é com efeito um dos pilares
da visão de Marx sobre as ditas ‘democracias burguesas’ e que é também um dos
mais frágeis: na verdade, tendo como pedra fundadora da sua crítica ao ‘sistema
capitalista’ exposta no ‘Capital’, a sua leitura da ‘crematística’ por
Aristóteles, Marx teve que realizar enormes malabarismos argumentativos (e a
meu ver distorções intencionais) para explicar como teria sido possível ao dito
cujo Aristóteles entender a essência de um sistema que só seria inventado dois
mil anos depois.
Considero insustentável a visão
de Karl Marx do capitalismo, e apenas compreensível à luz da sua necessidade de
justificar a ‘revolução proletária’. Quanto à sua visão de socialismo e
comunismo, ela nunca foi muito clara. Marx partia do princípio que o socialismo
iria surgir nos Estados Unidos da América, a sociedade mais avançada do seu
tempo, e nunca na Rússia, que para ele sempre foi o símbolo da reacção. Foi de
resto por isso, que Lenine nos meses que antecederam o golpe de Outubro de 1917
dedicou a maior parte do seu tempo a escrever ‘o Imperialismo estádio superior
do capitalismo’ em que procura justificar a inversão da visão revolucionária de
Karl Marx fazendo da Rússia – ‘o elo mais fraco da cadeia imperialista’ – o
local necessário da experiência socialista no caminho para o comunismo.
O leninismo é no essencial uma
doutrina de assalto ao poder desprovida de qualquer consistência programática
de transformação social, e por isso mesmo a ‘nova política económica’ com que
procurou dar alguma energia à moribunda economia russa depois do ‘comunismo de
guerra’ pode facilmente ser descrito como ‘capitalismo’.
A essência da doutrina
marxista-leninista, muito em especial tal como foi refinada por Estaline, e
ainda mais por Mao Ze Dong, é a da conquista e preservação do poder de forma
ditatorial; é essa a doutrina maoista que perdura no nosso tempo, a história do
‘capitalismo’, ou ‘liberdade de mercado’ é puramente instrumental: utiliza-se à
medida das necessidades.
O capitalismo, entendido pela
leitura feita por Marx do sentido aristotélico do termo, ou seja, a
‘crematística pura’, é uma tara da humanidade, que transforma a acumulação do
dinheiro de instrumento, em fim último.
Deixar um sistema democrático à
mercê do ‘capitalismo’ é uma pura tonteira que, entre outras coisas, não conduz
a mercado livre nenhum, porque, como Adam Smith explicou melhor do que ninguém,
não há pior inimigo do mercado livre que o capitalista, da mesma maneira que
esperar que o comunismo tenha como objectivo acabar com o ‘capitalismo’ ou
‘servir as massas’, a igualdade, etc. é outra tonteira, essa bem evidente para
quem tenha passado pela experiência do ‘socialismo real’.
Confrontados com a contradição
evidente entre a teoria do capitalismo como alternativa ao comunismo (ou
vice-versa) os nossos ideólogos ocidentais acharam por bem demitir a realidade
em favor da sua tese; se os maoistas eram capitalistas, então não são
comunistas e, portanto – talvez depois de um período de transição – democratas
e arautos do ‘mercado livre’.
A guerra do vírus
Se só com uma grande dose de fé,
de cegueira ou por interesse substantivo se poderia há muito ignorar quão
absurda é a dicotomia ‘capitalismo/comunismo’, a eclosão da presente pandemia
veio tornar mais clara a situação com que estamos confrontados.
Começou por se constatar quão
longe foi já o maoísmo na conquista da governação internacional; de agências de
direitos humanos a painéis do clima passando pela agricultura, era já óbvio o
poder comunista chinês. Tornou-se agora evidente na organização mundial de saúde.
Mais importante do que isso foi a
facilidade com que o Ocidente seguiu a cartilha maoísta ao ritmo pretendido.
Negou-se a pandemia quando interessava negar a pandemia e pôs-se o Ocidente a
dar como provada a eficácia do confinamento ou dos ventiladores, apenas por que
a China os tinha posto em marcha primeiro.
Na pantomina em volta do
aparecimento do vírus, jogou-se primeiro com o mercado de animais de Wuhan,
igual a milhares de outros no país inteiro para depois se passar à fase da
invenção criativa.
O laboratório virológico de alta
segurança da cidade – curiosamente o único de todo o país – tem a
particularidade de ter sido fruto de intensa cooperação ocidental. O
Primeiro-ministro francês da altura assistiu à inauguração, sendo o ‘Instituto
Pasteur’ a principal instituição francesa envolvida, e o Instituto Nacional de
Alergias e doenças Infecciosas dos EUA teve também um profundo envolvimento com
o mesmo.
Ficou também a saber-se que o
Instituto analisava vírus de morcegos recolhidos no Sul da China – fonte
primária de uma outra pandemia deste século – e que estas instituições
ocidentais em estreita parceria com os gigantes da indústria farmacêutica, de
que a ‘Fundação de Bill Gates é a principal cobertura, estavam todas
interessadas na produção de vacinas.
Fez-se imenso barulho sobre o infundado
das suspeitas de manipulação humana do vírus responsável pela presente
pandemia, pormenor técnico de somenos importância. Se há um laboratório a
trabalhar no isolamento de um vírus que existe numa população de morcegos, e se
o faz de forma aberta (o que nós sabemos decorre da leitura das comunicações
públicas dos investigadores do laboratório e do que se declarava no portal
electrónico, entretanto apagado) e se os parceiros ocidentais estão focados em
vacinas, não é difícil de entender o que se pretendia. Se a fuga do vírus se
deu antes de qualquer manipulação genética, isso nada altera o fundo da
questão.
Por outro lado, parece-me óbvio
tanto aqui como em muitas outras matérias que a utilização militar destas
tecnologias é sempre uma perspectiva presente. Não é provável que fosse esse o
objectivo central, se não a investigação não teria sido pública, mas é claro
que todos os estrategas certamente observaram a eficiência devastadora do vírus
e olham agora atentamente para a perspectiva da guerra biológica.
Para Bill Gates, como para uma
vasta plêiade de sumidades do nosso capitalismo, trata-se de um bom negócio,
enquanto para o maoísmo trata-se de avançar na conquista do poder.
Em vez de uma dicotomia
capitalismo/comunismo temos antes a aliança do grande capitalismo com o maoismo
imperialista do PCC contra a liberdade, a democracia e o humanismo no mundo.
É esse o palco da confrontação
que temos perante nós. Enquanto não o entendermos, não seremos capazes de
compreender o que temos a fazer.
* Foi deputado no Parlamento
Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia
Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996,
bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.
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