domingo, 10 de maio de 2020

O mundo não é só a pandemia da Covid-19…



Andamos todos, e com muita razão, um pouco – ou muito – preocupados com a pandemia do coronavírus SARS-Cov-2 (Covid-19) que, tudo o indica e pouco há que o desminta, teria sido proveniente da China.

Isso é assunto para outras matérias e para especialistas de outras valências que não as que investigo. É que o Mundo não é só Covid-19.

Há muito mais que a pandemia que prolifera, quase em exclusivo em muita comunicação social, principalmente, a televisiva.

Acreditem, ou não, também há outras pandemias, quer na saúde, quer na política, quer na segurança.

Porque o mundo, nomeadamente, África, não é só Covid-19, deixo-vos aqui alguns exemplos, nestas três vertentes:

i. Ao nível da saúde:

1. No passado sábado, 25 de Abril, recordou-se uma das maiores e mais persistentes pandemias que continuam a varrer a humanidade, e, para a qual, continua a não existir uma vacina e nem parece que, alguma vez – mesmo que haja filantropos a tentar ajudar que isso aconteça – vá existir: o paludismo, ou malária.

De acordo com estimativas da OMS, e referidas pelo portal da ONU News, em 2018 – os de 2019, só saberemos em finais deste ano, como habitualmente –, terão ocorrido 228 milhões de contágios e 405 mil pessoas (cerca de 1,77%) falecidas devido a esta pandemia. Angola, por exemplo, em 2019, e de acordo com um artigo do Jornal de Angola, o paludismo foi a doença que mais matou no País. Já no primeiro trimestre de 2020, e de acordo com uma informação do VPN, na província da Lunda Sul, por exemplo, foram registados 49 mortos num universo de 24.150 infectados.

De acordo com a OMS, em 2018, ter-se-ão gasto em controlo e eliminação do mosquito da malária, cerca de 2,7 mil milhões de USDólares, bem aquém dos esperados 5 mil milhões de USDólares.

Se esta pandemia, tal como o SARS-Cov-2, atacasse o chamada Hemisfério branco ou do Norte (Europa e América do Norte) tenho a certeza de que já há muito que uma vacina, pelo menos, já estaria descoberta. Até lá, os laboratórios vão ganhando milhões com medicamentos pouco eficazes, com desparasitantes em aerossóis e certas indústrias têxteis com o fabrico de milhões de mosquiteiros…


2. Outra das endemias que proliferam, em particular em África, e parece esquecida é o ébola. No início de 2020, ou mais concretamente, em Fevereiro, a OMS – e a nova pandemia já começava a mostrar o que iria dar – afirmava que o ébola, apesar de algumas relativas melhorias na sua propagação, continuaria a ser considerada com uma doença como uma “emergência internacional”.

Por exemplo, só na RDC, mas regiões de as regiões de Kivu-Norte e de Ituri, desde Agosto de 2018, já faleceram cerca de 2300 pessoas. Só no Congo Democrático. Mas o impacto desta endemia vai até à Libéria e à República da Guiné…

ii. Ao nível político, o caso da Guiné-Bissau parece ser o mais paradigmático que ocorre no continente africano. Uma personalidade, discutível – quem foi assessor de Kadhafi, quem apresenta informações académicas (graus superiores e pós-graduações) que as próprias autoridades académicas do país de onde diz ter obtido esses graus de pós-graduações, pelo menos, dizem desconhecer onde terão sido obtidas, que usa turbante islâmico, não persistente, mas conforme as conveniências, não me parece merecer ser considerada uma personalidade credível – que impediu o Tribunal Supremo de dirimir uma questão que foi levantada pelo seu opositor, nas presidenciais; uma personalidade que é muito próxima do presidente senegalês Macky Sall – não esquecer que o Senegal não acolhe a linha de demarcação fronteiriça marítima internacional porque na área que está dada como pertencente à Guiné-Bissau, estará a maior – e, talvez, mais rica – área de hidrocarbonetos.

Ora, segundo consta nos corredores políticos, o auto-proclamado e, agora, sancionado(?) pela CEDEAO, Sissoco Embaló, estaria disposto a rever esta linha fronteiriça. Por alguma razão, o Senegal tem se apetrechado de melhores e mais recentes barcos patrulhas de costa – os mais recentes a Israel, patrulheiros da classe Shaldag MK II (tem já 3 desta classe) – e colocados na área de Casamance, na área militar Zona 4. Não me parece que seja por causa dos secessionistas casamandenses… A CEDEAO, já reconheceu a sua autoproclamação. Sancionado uma atitude nada democrática e tida como contra constitucional. E a União Africana, vai sancionar, também. Assim como assim, tanto a ONU, que, indirectamente já acolheu as directrizes da CEDEAO, como Portugal – o seu primeiro-ministro – já o felicitou, ficamos a aguardar. Pelo menos, o presidente em exercício da CPLP, o presidente de Cabo Verde, preferiu pautar pela prudência…

Recorremos, por exemplo, como no Mali, por exemplo, o presidente Ibrahim Boubacar Keita, considerou mais importante efectuar eleições legislativas – a primeira volta e com pouca adesão como confirmou o primeiro-mistro – que estavam marcadas para meses atrás, mesmo com a pandemia do Covid-19, porque o impacto social seria mais importante para a sua presidência sucessivos dos jihadistas. É que os malianos, começam a questionar a presença das forças franco-europeias que os apoiam, porque não veem alterações na crise securitária do País…

iii. Já ao nível securitário não esquecer a crise securitária no Golfo da Guiné e no Sahel. No Mali, face à crise atrás referida, no Burkina Faso, com os sucessivos ataques de jihadistas, quer a nível interno, que na fronteira burquino-maliana e com a invasão de militares malianos sob a desculpa de perseguição aos jihadistas, mas onde os kurkinasos são, igualmente, vítimas inocentes. A sucessiva pirataria no Golfo da Guiné. Recentemente, no Togo e no Benim, barcos têm sido e foram abordados e, ou, raptados, bem como os seus tripulantes. Neste último, o mais recente, um porta-contentores de pavilhão português, Tommi Ritscher, foi atacado porque a tripulação, apesar de já ter sio aprovada uma resolução num Conselho de Ministros português para o uso de armas ligeiras em barcos com bandeira portuguesa, para autodefesa, a tripulação não as tinha porque o Governo português ainda não legislou, ou transpôs para a legislação, esse despacho governativo.

Mas não é só nesta zona que a preocupação da União Africana deve prevalecer. Em Moçambique, na província de Cabo Delgado os sucessivos ataques de jihadistas parecem estar a ter algum impacto junto da população. A falta de intervenção credível das forças armadas moçambicanas, o pedido de ajuda a do presidente Nyussi junto de paramilitares sul-africanos – situação que indispôs, de sobremaneira o governo de Ramaphosa – e o facto de alguns moçambicanos começarem a considerar as Forças de Defesa e Segurança estarem mal armados e mal alimentados, continuarem a exercer violência sobre as populações e começarem a ser vistos como ocupantes, enquanto os jihadistas começam a ser olhado como combatentes contra a “corrupção e a arbitrariedade da elite local apoiada por um governo distante” (Público, 21 Abril 2020), torna a situação muito preocupante, não só para Moçambique, mas para toda a área e para os Grandes Lagos. É reconhecida o uso das vias férreas caminho-de-ferro entre Lubumbashi (RDC) e Moçambique para o transporte irregular de armas ligeiras (a rota a kapulana).

Tudo isto, só para recordar que o mundo, e África, em particular, não é só Covid-19…


*Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) e investigação para Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto; Investigador associado do CINAMIL.

**Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado.

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