Pandemia espalha-se pelo interior
do país — onde condições médicas são piores. Mas ministro fica sabendo pela
mídia das decisões de Bolsonaro sobre covid-19. Leia também: hospitais privados
exigem depósito para internar pacientes da doença
Maíra Mathias e Raquel Torres
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MAIS UM NÓ
O presidente Jair Bolsonaro havia
dado a dica no domingo, quando anunciou a apoiadores que em breve aumentaria a
lista de profissões “essenciais” durante a pandemia. Na tarde de ontem,
detalhou a medida: “Tá pra publicar agora, se bobear já saiu. Eu coloquei hoje,
porque saúde é vida: academia, salão de beleza e cabeleireiro também. Isso aí é higiene, é vida (…) E barbearia
também”. Depois, completou: “Academia é vida. As pessoas vão aumentando o
colesterol, têm problemas de estresse, vão ter uma vida mais saudável. A
questão do cabeleireiro também. Fazer cabelo e unhas é questão de higiene”. O decreto saiu logo depois, em edição extra do Diário
Oficial.
A reação do ministro da
Saúde Nelson Teich, ao saber da novidade por meio da imprensa durante a
coletiva de ontem, foi constrangedora. “Saiu hoje, isso?”, perguntou, meneando levemente a cabeça
em sinal negativo e pedindo mais detalhes. Tentou justificar o fato de que
sequer foi consultado: “Isso não é atribuição nossa, é do presidente”. Segundos
depois, alertado pelo secretaŕio-executivo do Ministério, o general Pazuello,
corrigiu-se: “É do Ministério da Economia”. À sua Pasta, disse ele, cabe apenas
“ajudar a desenhar os fluxos” para fazer isso “de uma forma que proteja as
pessoas”. É até engraçado, porque o texto do decreto diz que salões,
barbearias e academias passam a ser serviços essenciais “obedecidas as
determinações do Ministério da Saúde”…
À primeira vista, a decisão
de Bolsonaro parece inviabilizar medidas de isolamento impostas por municípios
e estados (inclusive lockdowns). Porém, é preciso lembrar que há tempos o
STF julgou que esses entes federativos têm autonomia para definir suas estratégias
e fixar os serviços que devem seguir funcionando. E os governadores já começaram a mandar seus recados: pelo
menos Rui Costa (BA), Camilo Santana (CE), Helder Barbalho (PA), Flavio Dino
(MA) e Renato Casagrande (ES) anunciaram que não vão seguir a orientação
federal. A lista ainda pode crescer.
Então o decreto não serve para
nada? Serve: para fazer as confusões que o presidente tanto adora, para
deixar a população ainda mais perdida sobre em quem confiar, para colocar mais
pressão nos governos locais pelo fim do isolamento; em suma: para incentivar o
desrespeito às quarentenas.
Aliás, ontem dezenas de
caminhoneiros fecharam duas faixas da mais emblemática via da capital de São
Paulo, a avenida Paulista. Protestavam contra as medidas de isolamento da
prefeitura e do govero estadual. Antes houve uma carreata de vans, e o protesto
incuía um caixão com as imagens do prefeito Bruno Covas (PSDB) e do governador
João Doria (PSDB)… Como sabemos, os caminhoneiros são uma categoria com quem
Bolsonaro faz questão de manter boas relações. Houve cenas preocupantes,
descritas na Folha: “Diante do caminhão vermelho, [um capitão da PM]
conversou com um dos homens, que disse que não arredaria pé. Escutou uma
resposta atravessada do capitão da PM e devolveu no mesmo tom. Diante do apoio
dos demais manifestantes, criou-se um impasse. Sentindo que tinha respaldo, o
homem vociferou que era oficial do Exército e exigia respeito de um oficial da
PM. Em seguida, virou as costas e agiu como se o policial não existisse“.
No limite, pode acontecer
que os casos de estados e municípios precisem ser decididos individualmente pela Justiça, como explica na Folha o
professor da FGV, Thomaz Pereira. De acordo com ele, se houver conflito entre
as regras de municípios, estados e União e a Justiça for provocada, cabe ao
magistrado de plantão definir qual decreto deve ser seguido. No programa Roda
Viva, o presidente do Supremo Dias Toffoli também foi perguntado sobre isso,
mas evitando criticar Bolsonaro, acabou não dizendo muito: “O STF decidiu de
acordo com a Constituição. Cabe simplesmente um cumprimento disso. Se essa ou
aquela função deve ser definida pelo município, pelo estado ou União, está
definido na Constituição. Casos específicos, como o decreto de hoje, me
desculpe, mas eu não vou analisar até porque é muito possível que haja alguma
judicialização. Me permita não falar fora dos autos“.
TANTAS EMOÇÕES
Não foi só o presidente Bolsonaro
que pegou Nelson Teich de surpresa. Também na coletiva de ontem, o ministro da
Saúde disse que soube pelos jornais que os secretários estaduais e
municipais de saúde haviam rejeitado sua aguardada diretriz sobre medidas de
isolamento social.
A orientação, prometida no dia 24
de abril, foi finalmente divulgada ontem, mas ainda não por completo. Prevê
cinco níveis de restrições e distanciamento, desde “distanciamento social
seletivo I” até “restrição máxima” (mas eles não foram detalhados). Cada nível
deve ser adotado a partir das respostas a um questionário que envolve quatro
eixos: capacidade instalada de leitos, indicadores epidemiológicos (número de
casos, internações, mortes), velocidade de crescimento e mobilidade urbana.
Para ser publicado como portaria,
o documento precisaria de consenso com o Conass e o Conasems, conselhos que
reúnem os secretários. Só que isso não aconteceu: “Para mim foi uma surpresa
enorme. No sábado, a discussão foi absolutamente técnica. O que me foi passado
é que havia um consenso. Naquele momento, não tinha um posicionamento, um
questionamento, alguma crítica, como a que a gente teve hoje do Conass em
relação ao modelo”, disse o ministro.
O Estadão tinha dado
mais cedo a notícia da rejeição. Os conselhos argumentam que é inoportuno
lançar essas regras em meio ao aumento de casos e mortes, porque fazer a
discussão poderia dar a entender que já é possível falar em flexibilização. Eles
colocam também outra dificuldade de ordem prática: para seguir a matriz, devem
se basear em dados como o número de servidores com sintomas de gripe, a
disponibilidade de equipamentos de proteção individual para cada um deles . De
acordo com os secretários, seria inviável levantar esses dados porque eles mudam
diariamente.
Depois da declaração de Teich, o
presidente do Conass Alberto Beltrame disse que a apresentação feita pelo
Ministério foi “incompleta e titubeante” e que a Pasta “esquivou-se das
perguntas, adiando maiores detalhes para quarta-feira”. Falou ainda sobre a
falta de dados: “O Ministério da Saúde não tem capacidade de monitoramento das
informações em tempo real”.
Teich disse à imprensa que
também não esperava a crítica porque “havia quase uma cobrança para o
Ministério se posicionar”. Essa cobrança vinha desde a época do ex-ministro
Mandetta, que até chegou a divulgar critérios às pressas e tardiamente, pouco
antes de ser demitido. Há muito tempo, com o novo coronavírus começando a
avançar mais depressa, gestores e também pesquisadores de fato criticavam a
falta de orientações do governo federal sobre como, quando e o quanto estados e
municípios deveriam se fechar. Agora, quando já reina o caos, a pressão tem
sido outra – no sentido de a Pasta dizer claramente que apoia o isolamento.
O ministro não quis publicizar o
texto inteiro antes de uma nova conversa com os secretários: “Hoje eu
estou assumindo que vamos chegar num consenso. Se isso não acontecer, vamos ver como vai encaminhar“. A reunião será amanhã.
A propósito, enquanto
milhões de famílias se contentaram com um Dia das Mães por videochamadas para
não colocar ninguém em risco, o ministro decidiu visitar a sua, de quase 90 anos. Na
véspera, tinha ido ao Hospital Federal de Bonsucesso, no Rio. Quando entrou no
elevador do prédio, ouviu de uma menina de seis anos que ele não poderia entrar
ali. Perguntou então qual a capacidade do elevador, e a criança prosseguiu com
a bronca: não se tratava disso, mas da necessidade de entrar só uma família de
cada vez.
NOVA CRISE?
O bolsonarismo não perdoa. Nelson
Teich – que declarou desde o dia zero ter alinhamento total com o
presidente e, como vimos, se esforça ao máximo para evitar questões
delicadas –, foi questionado durante a coletiva de ontem sobre o que o Brasil
possui em termos de medicamentos e vacinas contra o coronavírus. A pergunta,
muito ruim, só poderia mesmo servir para colocar Teich na parede. Para um
ministro da Saúde, dizer que o Brasil “tem” alguma coisa seria um enorme
absurdo, já que a comunidade científica do mundo inteiro sabe que ainda não há
nada conclusivo nesse sentido. “A droga mais promissora é o remdesivir, mas o
Ministério precisa ter um respaldo técnico em tudo o que ele recomenda. Quando
a gente tiver algum estudo que comprove um benefício claro, vamos recomendar
imediatamente. Fora isso, o ideal é que qualquer droga que pareça funcionar seja tratada em um
estudo clínico para colher dados”, respondeu ele.
Os ‘militantes’ da
hidroxicloroquina rapidamente começaram a agir no Twitter. À noite, a
hashtag #ForaTeich já tinha mais de 15 mil menções, em posts que chamam o
ministro de “comunista” (pois é) e pedem a nomeação do deputado
federal Osmar Terra (MDB-RS). Os fãs de Bolsonaro também fizeram subir o
#TeichLiberaCloroquina,
Curiosamente, na mesma entrevista
Nelsno Teich falou que era preciso fazer “uma revisão de como está sendo feita
a abordagem do diagnóstico do começo do tratamento”, em vez de ficar com o foco
só nos pacientes graves: “É possível que a gente trabalhando, abordando a doença no momento mais precoce, que a gente
reduza a evolução para a fase crítica. Com isso a gente não só salva mais
gente, mas também a gente consegue diminuir a necessidade de UTIs, ventilação
mecãnica”. Ele não explicou de que forma isso seria feito, já que justamente
não existe nenhum medicamento com eficácia comprovada, ainda mais para pacientes
com sintomas leves. Até o momento, que se saiba, a única forma de realmente
evitar que pessoas precisem de UTIs é evitar que elas sejam contaminadas:
deixando-as em casa.
Em tempo: mais um estudo,
publicado ontem na revista JAMA, mostrou que a hidroxicloroquina não reduz a mortalidade por covid-19 nos mais de mil
pacientes envolvidos. Apesar de ser a maior pesquisa já feita com o medicamento
até agora, suas evidências não são das melhores, por se tratar de uma pesquisa
observacional (ou seja, olhando para os dados dos pacientes já tratados). Aqui
no Brasil vai começar uma mais consistente, envolvendo 440 pessoas internadas no hospital do Maracanã, no
Rio: metade dos pacientes vai receber a droga, e a outra metade, placebo. O
trabalho é coordenado por pesquisadores da Fiocruz e da Fundação de Medicina
Tropical.
ATRASADO
Ontem finalmente Bolsonaro
lamentou as dez mil mortes (que desde sábado já não mais dez mil) por
coronavírus registradas no país. “Eu lamento cada morte que ocorre, a cada hora. Eu
lamento”, disse, ao ser questionado pela Folha. Mas afirmou que prefere
agir de outra forma: “Em vez de fazer notinha de pesar, que eu acho válido,
tudo bem, eu sou pesaroso a essas questões, mas tem que dar exemplo, pô, gastar
menos, gastar com qualidade recurso”, completou, como se uma coisa excluísse a
outra.
Em fevereiro, seu gasto com
o cartão corporativo foi o maior já realizado por qualquer governo (R$ 1,9
milhão). O dispositivo cobre despesas de urgência pela compra de produtos e
serviços ou pela cobertura de gastos de viagens. De acordo com o presidente, R$
739 mil desse montante foram usados para resgatar 34 brasileiros que estavam em Wuhan. Ele diz que,
tirando isso, seus gastos seguem a média de anos anteriores, mas não é verdade.
Segundo a Folha, desde outubro tem havido crescimento nessas despesas do
cartão corporativo da Presidência da República.
TRANSMISSÃO OCULTA
O novo coronavírus já circulava
em países das Américas e da Europa bem antes de os primeiros casos serem
registrados. Por aqui, a introdução pode ter acontecido no fim de janeiro e a transmissão pode ter começado na primeira semana de
fevereiro – bem antes do primeiro caso oficial, detectado no dia 25
daquele mês – e também do Carnaval. A conclusão é de um estudo da Fiocruz feito
em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo e com a Universidade
da República do Uruguai.
Divulgada ontem, ainda sem
revisão dos pares, a pesquisa olhou para o aumento nos registros de mortes em
diversos países para concluir que havia uma “transmissão comunitária oculta”
acontecendo até quatro semanas antes do SARS-CoV-2 ser detectado pelas
autoridades de saúde. Portanto, enquanto os países monitoravam os viajantes e
confirmavam os primeiros casos importados da covid-19, a doença já tinha se
instalado em seus territórios.
Segundo o trabalho, na Europa, a
circulação começou aproximadamente em meados de janeiro na Itália e entre final
de janeiro e início de fevereiro em Bélgica, França, Alemanha, Holanda, Espanha
e Reino Unido. O começo de fevereiro também foi o período de início da
disseminação na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos.
No Brasil, os pesquisadores
combinaram o exame dos registros de óbitos a outras evidências para concluir
que a transmissão local da covid-19 começou no início de fevereiro. De acordo
com o InfoGripe, sistema da Fiocruz que monitora as hospitalizações de
pacientes com síndrome respiratória aguda grave (SRAG), já havia mais
internações do que o normal desde meados de fevereiro. Além disso, divulgaram,
análises moleculares de amostras de SRAG detectaram um caso de infecção pelo
novo coronavírus no Brasil entre 19 e 25 de janeiro.
A Organização Mundial da
Saúde (OMS) foi avisada pela China sobre a circulação de um provável novo
vírus no dia 31 de janeiro. No dia 2 de janeiro, o organismo ativou o sistema
de gerenciamento de incidentes, que liga o sinal de alerta em seus escritórios
regionais e nacionais. Ou seja, há problemas na vigilância epidemiológica que
precisam ser reconhecidos e solucionados – inclusive nas nações mais ricas.
Ontem, o Centro de Controle
e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, conhecido pela sigla CDC, divulgou
um relatório que aponta justamente a ineficácia da vigilância da Califórnia,
estado que é a maior porta de entrada para viajantes da Ásia naquele país. Por
lá, cerca de 11 mil viajantes vindos da China e, depois, do Irã foram
identificados e monitorados entre 5 de fevereiro e 17 de março. Mas o esforço começou tarde demais. O documento reconhece,
contudo, que é difícil investigar uma doença respiratória como a covid-19, cuja
transmissão começa bem antes do surgimento dos primeiros sintomas. E também que
o fluxo nos aeroportos é enorme, e não há pessoal suficiente que dê conta do
monitoramento. O relatório diz ainda que tudo teria sido mais efetivo se
houvesse informações mais acuradas sobre os viajantes – o que pode apontar para
o início de uma era de grande devassa na vida pessoal dos cidadãos.
POR TODA A PARTE
Oficialmente, o coronavírus já
circula em 2.869 cidades brasileiras, ou 52% dos municípios do país. A covid já se espalhou por
uma porção do território que abriga nada menos do que 184 milhões de
pessoas — 88% da população brasileira. Além disso, 973 prefeituras já
confirmaram pelo menos um óbito causado pela doença. Os números foram apurados
pela plataforma Brasil.io, que realiza um levantamento a partir de das próprias
secretarias municipais.
Em termos geográficos, os
estados mais afetados pelo vírus são Amapá, onde todos os 16 municípios foram
atingidos, Roraima (que tem 14 de 15 municípios com casos) e Rio de Janeiro,
onde a doença já chegou a 86 dos 92 municípios – ou 93,5% do total. É, de longe, a situação mais preocupante
do Sudeste: em São Paulo ,
62% das cidades foram afetadas e, em Minas, 25%.
Especialistas entrevistados
pelo jornal O Globo alertam que o processo de interiorização do
coronavírus precisa ser enfrentado com medidas mais rígidas de confinamento e
planejamento para atender pacientes de lugares que, muitas vezes, não têm UTIs
ou sequer hospital.
É o caso de Santo Antônio do Iça,
localizada na região do Alto Solimões no Amazonas. Por lá, os casos da doença
dobraram em menos de uma semana: passando de 117 registros no dia 3 de maio
para 245 diagnósticos na última sexta-feira (8). Pelo menos seis pacientes já
precisaram de transferência para a capital, já que a cidade que está a 879
quilômetros de Manaus não tem UTI. Mas cinco morreram por falta de leitos na capital
e de tempo para o transporte – na prática, a viagem leva cinco dias de barco ou
três horas de voo em aeronave pequena.
“Só conseguimos transferir
um para a capital. A gente faz o pedido no sistema de regulação e espera
de uma a duas semanas sem resposta. Manaus já entrou em colapso e não tem mais
leitos para o interior”, contou o secretário municipal de Saúde Francisco
Ferreira Azevedo à Época.
Para ele, o boom de
casos se deve ao fracasso da estratégia de isolamento social a
partir do início de abril, quando a maior parte das pessoas passou a se
aglomerar em filas para receber o auxílio emergencial de R$ 600 do governo
federal. A cidade tem 21 mil habitantes – e quase a metade depende do Bolsa
Família.
DAS IMPOSSIBILIDADES DO GOVERNO
“Dizer que a fila será zero é uma impossibilidade matemática“. A frase é do presidente
da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, e foi dita ontem durante
videoconferência do Congresso Nacional. No início do mês, ele já havia feito
comentário semelhante ao dizer que “não há possibilidade de pagar 50 milhões de
pessoas em três semanas sem fila”. Guimarães prometeu que o calendário do
pagamento da segunda parcela do auxílio emergencial “está muito mais
equilibrado” do que o anterior – a ordem de pagamentos continuará a ser feita
de acordo com o mês de aniversário do beneficiário, mas, agora, ocorrerá em
dias escalonados.
Enquanto isso, as
consequências da crise continuam aparecendo no mercado formal de trabalho. Os
pedidos de seguro-desemprego no Brasil aumentaram 22,1% em abril na comparação com o mesmo
mês do ano passado. Foram 748,5 mil requisições. O governo estima que haja até
250 mil pedidos represados, já que o prazo para a requisição é de 120 dias
depois da demissão – e muita gente está esperando para dar entrada com medo das
aglomerações registradas nas agências da Caixa.
SOBRE A REQUISIÇÃO DE LEITOS
Mais um reflexo da disputa entre
o presidente Jair Bolsonaro com governadores foi percebido ontem, quando os
estados se manifestaram sobre a ação judicial movida pelo PSOL no Supremo
Tribunal Federal (STF) que pede que a Corte obrigue o governo federal a criar e
gerir uma fila única dos leitos públicos e privados de todo o país. Foram
contrários à centralização. “Não somos contrários à requisição”, explicou Rodrigo Maia
Rocha, presidente do Colégio Nacional dos Procuradores-gerais, ao Estadão.
“O que a ação pretendia era impor a requisição de leitos, o que entendemos ser
inadequado, pois viola a autonomia”.
O Colégio Nacional argumenta
que cada estado pode, caso ache necessário, requisitar os leitos particulares,
e que isso está previsto, inclusive, na lei 13.979, que lista as medidas de
enfrentamento à emergência sanitária sancionada em fevereiro deste ano.
O pedido do PSOL já havia
sido negado pelo relator da ação, ministro Ricardo Lewandowski. O partido
recorreu dizendo que “em um caso de pandemia como a que vivemos – em que
existem milhares de pessoas na iminência de morrer e há uma medida que pode
salvar vidas – uma decisão como essa não é opcional, mas sim um dever do poder
Executivo, uma questão de precaução”.
Mas o debate sobre a
requisição continua quente. Ontem, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou
uma nota técnica que recomenda aos gestores que deem preferência à utilização
de leitos de hospitais particulares ao invés da construção de hospitais de
campanha, que demora muito mais. Caso a rede privada não se interesse em
negociar, o CNJ defende que os leitos sejam requisitados.
Acontece que as empresas querem
receber valores maiores do que a diária-base, de R$ 1,6 mil. E o setor público
não é o único alvo dos hospitais que estão simplesmente passando por cima de
leis para lucrar com a pandemia. É o que mostra uma reportagem do Intercept. Em
Manaus, os hospitais Samel, Checkup e Santo Alberto estão cobrando depósitos
antecipados para aceitar a internação de pacientes com suspeita de covid-19 em
seus leitos de UTI. Os valores variam de R$ 50 mil a R$ 100 mil e são
cobrados pelas redes hospitalares para atender pacientes particulares, que não
contam com planos de saúde. Só que “exigir cheque-caução, nota promissória ou
qualquer garantia” é ilegal em casos de emergência de acordo com a lei 12.653,
de 2012. A
pena para os responsáveis pela cobrança pode variar entre três meses e um ano,
além de multa.
SEGUINDO OS BLOQUEIOS
Ontem, o governo de Pernambuco decretou lockdown em Recife e outras quatro
cidades da região metropolitana: Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e
São Lourenço da Mata. Juntos, os municípios são responsáveis por 77% dos
diagnósticos e 68% das mortes confirmadas por novo coronavírus. Até ontem, o
estado havia registrado 13.768 casos e 1.087 óbitos. “Todas as projeções
mostram que precisamos aumentar o isolamento social para evitar a disseminação
ainda mais acelerada da doença”, disse o governador Paulo Câmara (PSB) em
pronunciamento.
O bloqueio começa a valer no
próximo sábado, 16, e vai até o dia 31 de maio. Pela decisão, as pessoas ficam
impedidas de sair de casa e andar pelas ruas, exceto para trabalhar em serviços
essenciais ou realizar atividades indispensáveis, como comprar alimento ou
retirar benefícios sociais em lotéricas e bancos. Segundo o governo, a
orientação é para que, mesmo nos casos permitidos, moradores só circulem dentro
dos seus bairros.
No Rio, as cidades de
Niterói e São Gonçalo, na região metropolitana, foram as primeiras a adotar o lockdown.
Começou ontem e teve direito a barreiras sanitárias com termômetros. Segundo a
prefeitura de Niterói, três motoristas foram encaminhados para um hospital por
apresentarem febre. A partir de amanhã, os passageiros dos ônibus também suas
temperaturas medidas.
As barreiras sanitárias também
serão adotadas em Belo
Horizonte , segundo anúncio do prefeito Alexandre Kalil (PSD). Começa na semana que vem. Serão 13 postos, nos quais as
condições de saúde de quem acessa a capital mineira serão averiguadas. Ainda
não é lockdown e, na verdade, a reabertura do comércio está marcada
para o dia 25 de maio e, de acordo com o prefeito, acontecerá se a população respeitar
o isolamento social até a data.
Uma projeção da Unicamp indica
que o lockdown no estado de São Paulo será “inevitável” caso a adesão
ao isolamento não aumente nas próximas semanas, começando hoje. Isso porque se
a atual taxa de contágio (R) for mantida em 1,49, no final de junho o estado
registrará 53 mil novas infecções por dia, 20,8 mil só na capital.
TESTAGEM AMPLIADA
A partir dessa sexta-feira, o
estado de São Paulo vai começar a usar testes rápidos mesmo em quem não tem sintomas de covid-19. A meta é fazer um milhão
de exames, e um projeto-piloto com 35 mil policiais militares já começou.
É uma iniciativa bem importante,
mas… Há que se tomar algum cuidado. Como já falamos várias vezes por aqui, há
alguns problemas. Esses testes são os que captam os anticorpos, portanto, só
funcionam dias depois de o vírus se instalar. Se uma pessoa for infectada e
fizer o teste no mesmo dia, vai dar negativo, mesmo que ela esteja contaminada.
Outro problema é o grau de confiabilidade dos testes, que varia tremendamente.
A Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboral avaliou 64 testes que já foram
aprovados pela Anvisa, e encontrou taxas de eficácia que variaram entre 34% e
92%.
TAMBÉM NA LINHA DE FRENTE
Jornalistas que fazem coberturas
na rua, alvos da ira de Bolsonaro e seus apoiadores, estão entre os
profissionais que se expõem ao coronavírus para trabalhar. Pelo menos quatro já morreram, e a reportagem da Agência Pública desvenda
as péssimas condições de segurança em que se encontram. No SBT, a apresentadora
Isabele Benito demorou uma semana para ser afastada depois de contrair
coronavírus. Pior que isso: ao editor de imagens José do Nascimento, que
trabalhava com ela e é hipertenso, não foi permitido se afastar porque
tinha menos de 60 anos. O resultado é que ele foi a primeira pessoa da área a
morrer com covid-19. Além da exposição frequente, esses trabalhadores também
estão enfrentando demissões em massa (desde bem antes da pandemia,
convenhamos), cortes de salários e sobrecarga.
COMO CHEGA AO FIM
A varíola matou seres humanos
durante três mil anos. A doença foi vencida com a descoberta de uma eficientíssima
vacina. Será que a pandemia de covid-19 só vai terminar quando a imunização for
descoberta ou quando houver um tratamento eficaz? Nós aqui abaixo da linha do
Equador esperamos que sim, mas uma reportagem do New York Timesdebate um outro fim possível: o social. Historiadores da
saúde pública avaliam que a mobilização em torno dessa grande crise sanitária
depende, em grande parte, de uma relação entre medo e frustração. “As pessoas
podem ficar tão cansadas das restrições a ponto de declararem o fim da
pandemia, mesmo que o vírus continue a castigar a população sem vacina ou
remédio”, escreve a repórter Gina Kolata, que passeia tanto pelos surtos
pandêmicos da conhecida Peste Negra quanto pela pandemia da “gripe de Hong
Kong”, em 1968, que matou um milhão de pessoas no mundo (cem mil nos EUA) e é
pouquíssimo lembrada. “Esse vírus ainda circula”, observa, mas não desperta medo
nenhum. A reportagem pode ser lida na tradução do Estadão ou do Globo.
FORA DOS HOLOFOTES
Quando todos estão atentos à
pandemia, o governo Bolsonaro segue mexendo seus pauzinhos para promover
retrocessos. No meio ambiente, está para ser votada hoje a MP da Grilagem, que pode legalizar terras ocupadas
ilegalmente e incentivar novos desmatamentos de terras públicas. Há uma forte
pressão para que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não a ponha em votação. Ela caduca
no dia 19.
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