Miguel Guedes | Jornal
de Notícias | opinião
A arte de ultrapassar obstáculos
ocasionais pode inscrever-se num manual sem instruções, elevada a figura de
estilo de um momento, misto de superação acidental ou esporádica. Há quem
assegure que existe uma esperteza padrão, aparentada do desenrascanço, tipologia
chico-esperto, uma espécie de paliativo para nódoas negras eventuais só ao
alcance dos sobreviventes.
Mas lidar com o regresso à vida
de uma comunidade pressupõe muito mais do que a vontade individual de regressar
ou um conjunto de oportunidades de retoma em versão "low-cost".
A percepção de cada um de nós
sobre as decisões que são para todos funda a dimensão do regresso à normalidade
e acrescenta superação. É preciso confiança. Mas não nos podem pedir superação
ou confiança quando se percebe a incapacidade de ler o mundo no primeiro
instinto de quem decide. Ou então, pior ainda, indiferença ou premeditação.
A administração da TAP violou
grosseiramente os mais elementares deveres de bom senso e de respeito pela
coesão territorial. Não pode esperar, agora, ser capaz de convencer alguém de
que ainda é capaz de ler a realidade com o mínimo de equilíbrio. O processo de
"confinamento à inexistência" do Aeroporto Sá Carneiro, por mais que
se pretenda desmanchar o enxoval, foi mais um triste episódio do deslumbre que
alguns iluminados conseguem fazer casar com a sua irresponsabilidade.
Não fosse o levantamento de toda
uma região e de uma parte do país que se quer uno, seríamos todos "lesados
da TAP". Era mesmo verdade que se pretendiam manter mais de 70 rotas no
aeroporto Humberto Delgado e apenas três com partida do Porto. O plano para
eliminação de rotas existia e, apesar das denúncias públicas, foi anunciado sem
qualquer vergonha ou timidez. Reafirmo que, sendo tudo tão obviamente
desproporcional, disfuncional e assimétrico, tem que esconder uma agenda.
Um "mea culpa" sem asas
de voo. Após ter tido a coragem de ignorar todas as denúncias e apelos para
rever o seu plano de retoma de rotas, a TAP faz marcha atrás e assegura agora
querer "viabilizar o maior número de oportunidades" no intuito de
"adicionar e ajustar os planos de rota anunciados" sem esquecer
"todos os aeroportos nacionais onde a TAP opera". Uma ladainha
calcária que só a pressão poderá desfazer e tornar realidade. A administração
da TAP que agora pretende vestir asas de cordeiro, foi a mesma TAP que - há 15
dias e em carta assinada pelo COO da empresa - sugeria aos seus pilotos para
pedirem a transferência definitiva para a base de Lisboa. Como aqui escrevi
recentemente, a TAP quis confinar o Norte. Sabemos agora que, não contente com
isso e como parte do plano, sugeriu um teste de mobilidade geográfica aos seus
pilotos para efeitos de uma "aplicação mais abrangente do conceito de
senioridade". Como cantava Jorge Palma na abertura de "Asas e
penas", "até mais não poder ser". Dúvidas houvesse...
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
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