Isabel
dos Santos está a ser investigada em sete processos autónomos em Portugal, onde
foram realizadas novas buscas e apreensões judiciais. Jurista
"estranha" que empresária angolana não tenha sido constituída arguida.
O
Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) segue, em sete
processos autónomos, os rastos de eventuais crimes de branqueamento de capitais
relacionados sobretudo com o financiamento e a compra da Efacec – empresa
portuguesa que opera nos setores da energia, engenharia e da mobilidade –,
incluindo outras participações do universo das sociedades de Isabel dos Santos em Portugal. Os
inquéritos em curso, que se seguem às operações de arresto dos bens da
empresária, são independentes dos processos que decorrem em Angola.
Na
quarta e quinta-feira da semana passada, a Polícia Judiciária (PJ) portuguesa
realizou buscas de norte a sul de Portugal, incluindo a residência de Jorge
Brito Pereira, ex-advogado da milionária
angolana, e um escritório em Lisboa onde trabalhava até à data. As
autoridades portuguesas avançaram com as investigações que contam com a
colaboração da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola, ao abrigo da
cooperação judicial entre os dois países.
Para
João Paulo Batalha, da Transparência e Integridade – Associação Cívica, estas
buscas a muitas das empresas de Isabel dos Santos indiciam que se está numa
nova fase das investigações. "Agora tudo indica que há, de facto, vários
processos autónomos a correr em Portugal por iniciativa das autoridades
portuguesas por causa da atuação de muitas das empresas de Isabel
dos Santos, nomeadamente em suspeitas de lavagem de dinheiro, que já tinham
sido amplamente denunciadas várias vezes às autoridades portuguesas e sobre as
quais ainda não tinha havido ação visível", diz.
Segundo
a imprensa portuguesa, a empresária "escapou" à constituição como
arguida na mega-operação de buscas e apreensões judiciais a casas e escritórios
em Lisboa, Porto e Algarve, uma vez que se encontrava fora de Portugal nos dias
das diligências.
O
jurista português Rui Verde considera "um pouco estranho" Isabel dos
Santos não ter sido ainda constituída arguida. "Através de uma red
notice da Interpol [Organização Internacional de Polícia Criminal]
podia-se fazer um mandado mundial para a constituir arguida de qualquer forma.
Há fórmulas de direito internacional para que isso aconteça. Não se percebe
exatamente porque é que não se estão a seguir essas fórmulas", comenta.
"E
sabemos que no mundo globalizado, com acordos de cooperação judiciária, com participações
na Interpol, na Europol [Serviço Europeu de Polícia], não é difícil fazer
chegar a alguém uma notificação para ser constituído arguido", lembra o
professor de Direito na Universidade de Oxford (Inglaterra).
"Perseguição
política"
Rui
Verde ressalva que o processo está numa fase "muito preliminar",
porque "não há sequer acusação", nem os factos são conhecidos do
grande público. "E a experiência em Portugal em relação a este tipo de
processos é ambígua. Portanto, as acusações têm que ter factos, têm que ter uma
história, que seja suportada por documentos, por testemunhos, por provas",
sublinha.
Entretanto,
a empresária já refutou as acusações através das redes sociais e afirmou,
recentemente, que tem sido vítima de "perseguição política". Rui Verde
diz que esta "é uma mera técnica de defesa".
Por
sua vez, João Paulo Batalha considera que, "de facto, houve uma viragem na
política angolana que fez com que o Estado angolano se decidisse a perseguir
judicialmente os crimes eventualmente cometidos por Isabel dos Santos,
nomeadamente à forma como ela enriqueceu. Mas esse enriquecimento de Isabel dos
Santos é ele próprio político, porque aconteceu na presidência do seu pai,
através de concessões, contratos e muitas simpatias dadas pelo Estado angolano
a Isabel dos Santos."
Na
sua análise, Paulo Batalha reforça: "Se a origem do seu património é ela
própria política, desmontar esse património e perseguir crimes cometidos é
também uma decisão e, portanto, aí Isabel dos Santos não tem do que se
queixar". Acrescenta que as investigações em curso em Portugal estão a ser
feitas de acordo com a lei, seguindo todas as regras do processo penal
português."
Portanto,
conclui, "é absolutamente inverossímil que ela venha a ter qualquer
vencimento de causa alegando questões políticas ou de abuso de direitos
humanos. Não é nada disso que está em causa. É preciso aguardar que estas
investigações se completem e que os tribunais decidam o que haja a
decidir."
O
que acontece – acrescenta Paulo Batalha – é que finalmente se está a aplicar a
lei, depois de muitos anos de cumplicidades políticas, quer em Angola quer em
Portugal, em relação ao enriquecimento ilícito de Isabel dos Santos.
"Mundialização
dos processos" contra Isabel dos Santos
A
filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos anunciou que iria contestar
junto do Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos a decisão de arresto de bens pela justiça
portuguesa. Para Rui Verde, as possibilidades da empresária ganhar o recurso
são completamente nulas.
"Este
é um falso problema", avisa. "O Tribunal dos Direitos Humanos de
Estrasburgo, infelizmente, não tem qualquer jurisdição direta sobre os
tribunais portugueses. Se considerarem que houve alguma irregularidade, o que o
Tribunal dos Direitos Humanos faz é condenar o Estado a pagar uma
indemnização."
Portanto,
"dizer que se recorre para o Tribunal dos Direitos Humanos não tem
qualquer relevância jurídica para os processos que estão em curso, quer em
Portugal quer em Angola", frisa o jurista.
"O
que acontece é que se verifica que há espécie de uma mundialização dos
processos relativamente a Isabel dos Santos", afirma o analista,
recordando as recentes buscas na Alemanha de buscas a um banco alemão ligado ao
financiamento à cervejeira Sodiba, em Angola, igualmente património da
empresária angolana, onde também parece haver ilegalidades.
A
investigação ao suspeito património de Isabel dos Santos ganhou outros
contornos depois da divulgação de documentos confidenciais no âmbito da
investigacção jornalística "Luanda
Leaks", no início deste ano. Em causa está o desvio de dinheiro do
Estado angolano feito através de várias contas sitiadas em paraísos fiscais.
João
Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle
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