quarta-feira, 24 de junho de 2020

Portugal | TIREM AS MÃOS DA TAP!


A novidade trazida pela pandemia é que o Estado é chamado a meter dinheiro para salvar a empresa, mantendo-se sem poder de decisão sobre a estratégia. Trocado por miúdos, paga mas não manda. Inaceitável.

Luís Monteiro* | opinião | Esquerda

O governo PSD-CDS, nos últimos dias da sua governação, vendeu a TAP a preço de saldo. 10M€ foi o valor que não se importaram de receber em troca de uma das empresas mais estratégicas e históricas do país. Entregou de bandeja a nossa companhia aérea de bandeira a um fundo abutre capitaneado por David Neelman, o encantador de serpentes. À data da privatização, noticiava-se: “Neelman, considerado o empreendedor no negócio da aviação, para além da companhia Azul, também fundou a Morris Air e a Jet Blue. Pode aterrar em Lisboa à boleia da TAP. Na mala traz a promessa de investir na compra de novos aviões, aumentar o número de rotas da companhia portuguesa, em especial para os Estados Unidos, e a possibilidade de vir a distribuir 10% dos lucros pelos trabalhadores, tal como acontece nas empresas por onde tem passado.”1 Não é preciso dizer que não cumpriu nenhuma das promessas e enterrou a TAP para prejuízos, endividamento e capacidade de aviação para indicadores nunca antes experimentados. A crise da transportadora é o momento para corrigir este rumo desastroso.

Em 2015 foi possível recuperar 50% da participação do Estado no capital da empresa. Atualmente o Estado tem 50% da TAP, o consórcio Gateway 45% e os trabalhadores 5%, mas o Governo abdicou de assumir a maioria nas decisões da companhia. A dívida da empresa já ascende a 2,3 mil milhões, se contabilizados os vários contratos de “leasing” de aviões - feitos à Azul (onde Neelman também tem capital) e após a empresa vender parte da sua frota. A dívida já a estamos a pagar todos os dias, quando a TAP não corresponde às necessidades de transporte aéreo que o país tem. É preciso reverter o pacote de privatizações que foi levado a cabo na área do transporte aéreo. A TAP, a ANA e a Groundforce representam instrumentos de coesão económica em todo o território, se utilizadas em articulação num plano estruturado para o setor.


Miguel Sousa Tavares, em entrevista a Catarina Martins na TVI, questionava qual a vantagem de ter de novo a TAP pública já que, em qualquer um dos momentos - antes e depois de ser privatizada, a empresa deu prejuízos avultados aos contribuintes. A afirmação é verdadeira mas talvez mereça uma análise que não apenas pela rama. A primeira grande vantagem do controlo público da TAP (o que se aplica a outras empresas estratégicas) é que o Estado - todos nós - decidimos os destinos da companhia aérea. O sentido de serviço público parte daí: termos a capacidade de decisão sobre a estratégia de uma empresa estratégica. Mas a novidade trazida pela pandemia é que o Estado é chamado a meter dinheiro para salvar a empresa, mantendo-se sem poder de decisão sobre a estratégia. Trocado por miúdos, paga mas não manda. Inaceitável.

É preciso mandar, mas com a estratégia certa. Não chega reivindicar uma justa distribuição de voos entre Lisboa e Porto, falta estratégia. O presidente da Câmara Municipal do Porto tem batalhado nesse sentido, falhando sempre o essencial: se o aeroporto do Porto está, hoje, reduzido a um papel secundário, isso deve-se à visão imediatista que apostou no turismo de massas e nas companhias low-cost como estratégia única para a economia da região norte. Esse também é um erro de Rui Moreira

É bom lembrar que 40% das exportações nacionais são oriundos desta região, mas nem isso deu vistas mais largas a esse lobby. Turismo low-cost paga com salários low-cost e trabalho precário, não é um projeto sustentável de desenvolvimento para a região. Para esse futuro, faz falta a TAP e uma visão de futuro.

Para o país, para a região norte, para uma justa distribuição do serviço aéreo em Portugal, precisamos de dizer: Tirem as mãos da TAP!

Nota:

Museólogo. Deputado e membro da Comissão Política do Bloco de Esquerda.

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