A novidade trazida pela pandemia
é que o Estado é chamado a meter dinheiro para salvar a empresa, mantendo-se
sem poder de decisão sobre a estratégia. Trocado por miúdos, paga mas não
manda. Inaceitável.
Luís Monteiro* | opinião
| Esquerda
O governo PSD-CDS, nos últimos
dias da sua governação, vendeu a TAP a preço de saldo. 10M€ foi o valor que não
se importaram de receber em troca de uma das empresas mais estratégicas e
históricas do país. Entregou de bandeja a nossa companhia aérea de bandeira a
um fundo abutre capitaneado por David Neelman, o encantador de serpentes. À
data da privatização, noticiava-se: “Neelman, considerado o empreendedor no
negócio da aviação, para além da companhia Azul, também fundou a Morris Air e a
Jet Blue. Pode aterrar em Lisboa à boleia da TAP. Na mala traz a promessa de
investir na compra de novos aviões, aumentar o número de rotas da companhia
portuguesa, em especial para os Estados Unidos, e a possibilidade de vir a
distribuir 10% dos lucros pelos trabalhadores, tal como acontece nas empresas
por onde tem passado.”1 Não é preciso dizer que não
cumpriu nenhuma das promessas e enterrou a TAP para prejuízos, endividamento e
capacidade de aviação para indicadores nunca antes experimentados. A crise da
transportadora é o momento para corrigir este rumo desastroso.
Em 2015 foi possível recuperar
50% da participação do Estado no capital da empresa. Atualmente o Estado tem
50% da TAP, o consórcio Gateway 45% e os trabalhadores 5%, mas o Governo
abdicou de assumir a maioria nas decisões da companhia. A dívida da empresa já
ascende a 2,3 mil milhões, se contabilizados os vários contratos de “leasing”
de aviões - feitos à Azul (onde Neelman também tem capital) e após a empresa
vender parte da sua frota. A dívida já a estamos a pagar todos os dias, quando
a TAP não corresponde às necessidades de transporte aéreo que o país tem. É
preciso reverter o pacote de privatizações que foi levado a cabo na área do
transporte aéreo. A TAP, a ANA e a Groundforce representam instrumentos de
coesão económica em todo o território, se utilizadas em articulação num plano
estruturado para o setor.
Miguel Sousa Tavares, em
entrevista a Catarina Martins na TVI, questionava qual a vantagem de ter de
novo a TAP pública já que, em qualquer um dos momentos - antes e depois de ser
privatizada, a empresa deu prejuízos avultados aos contribuintes. A afirmação é
verdadeira mas talvez mereça uma análise que não apenas pela rama. A primeira
grande vantagem do controlo público da TAP (o que se aplica a outras empresas
estratégicas) é que o Estado - todos nós - decidimos os destinos da companhia
aérea. O sentido de serviço público parte daí: termos a capacidade de decisão
sobre a estratégia de uma empresa estratégica. Mas a novidade trazida pela
pandemia é que o Estado é chamado a meter dinheiro para salvar a empresa,
mantendo-se sem poder de decisão sobre a estratégia. Trocado por miúdos, paga
mas não manda. Inaceitável.
É preciso mandar, mas com a
estratégia certa. Não chega reivindicar uma justa distribuição de voos entre
Lisboa e Porto, falta estratégia. O presidente da Câmara Municipal do Porto tem
batalhado nesse sentido, falhando sempre o essencial: se o aeroporto do Porto
está, hoje, reduzido a um papel secundário, isso deve-se à visão imediatista
que apostou no turismo de massas e nas companhias low-cost como estratégia
única para a economia da região norte. Esse também é um erro de Rui Moreira
É bom lembrar que 40% das
exportações nacionais são oriundos desta região, mas nem isso deu vistas mais
largas a esse lobby. Turismo low-cost paga com salários low-cost e trabalho
precário, não é um projeto sustentável de desenvolvimento para a região. Para
esse futuro, faz falta a TAP e uma visão de futuro.
Para o país, para a região norte,
para uma justa distribuição do serviço aéreo em Portugal, precisamos de dizer:
Tirem as mãos da TAP!
Nota:
Museólogo. Deputado e membro da
Comissão Política do Bloco de Esquerda.
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