Os
protestos anti-racistas e a remoção de estátuas são sinais de que é preciso
lidar com injustiças históricas. África tem de decidir se mantém os nomes da
época colonial ou se os elimina, considera Chrispin Mwakideu.
Em
20 de julho de 1969, Neil Armstrong tornou-se o primeiro humano a pisar a lua.
Mais tarde pronunciaria a agora famosa citação: "É um pequeno passo para
um homem, um salto gigantesco para a Humanidade." Nessa altura,
o astronauta americano e o seu compatriota Buzz Aldrin fixaram uma
bandeira americana na lua.
A
bandeira, visível até hoje, não era apenas um símbolo de orgulho para os EUA,
mas também de conquista.
Nessa
altura, em 1969, muitos países africanos já se tinham libertado do domínio
colonial. Porém, mais de cinco décadas depois, o continente africano continua
repleto de relíquias coloniais.
Os
países africanos continuam a ter marcos históricos, ruas, instituições de
saúde, edifícios escolares e até, em alguns casos, quartéis militares com o
nome de governos coloniais.
Apesar
de todos os países africanos poderem agora afirmar com orgulho que são
independentes e içar as suas próprias bandeiras, as "bandeiras
coloniais" continuam firmemente enraizadas no continente, embora não tão
visíveis como antes.
De
que outra forma se pode explicar que o maior lago de água doce de África ainda
tenha o nome da monarca britânica Rainha Vitória?
O
mais irónico é que a população local da África Oriental que guiou o explorador
inglês John Hanning Speke até ao lago se referia a este como Lago Nyanza.
No
entanto, Speke, o primeiro europeu a ver o lago, decidiu dar-lhe o nome de
Vitória. Ou não compreendia a língua ou simplesmente nem se quis dar ao
trabalho porque estava numa "missão de conquista de Sua Majestade" -
neste caso, encontrar a nascente do rio Nilo.
John Speke
até tem uma rua com o seu nome no Uganda, mas isso poderá mudar em breve, uma
vez que o país está a considerar eliminar os nomes de estradas com ligações à
era colonial - que incluem ruas em honra do explorador Sir Henry Johnston, do
comissário Henry Edward Colvile, , da Princesa Ana, do Príncipe Carlos e da
atual monarca britânica, a Rainha Isabel II.
Derrubar
estátuas
É
encorajador ver o Reino Unido a questionar, pelo menos, o seu passado
imperialista e colonialista em África. Mas não foi fácil chegar até aqui. Para
o Reino Unido começar a ajustar contas com o seu passado, foram necessários os
protestos #BlackLivesMatter, que começaram quando George
Floyd, um americano de 46 anos, morreu depois de um agente da polícia
o ter sufocado com o joelho durante uma detenção, por alegadamente utilizar uma
nota falsa de 20 dólares (cerca de 18,00 euros).
Uma
faculadde da Universidade de Oxford anunciou que quer derrubar a estátua de
Cecil Rhodes - cujo apelido deu origem ao nome das antigas colónias da Rodésia
do Sul, atual Zimbabué, e da Rodésia do Norte, atual Zâmbia.
Outra
estátua de Edward Colston, que fez fortuna com o tráfico transatlântico de
escravos, foi deitada abaixo por manifestantes e atirada ao rio. Entretanto,
foi recuperada e será preservada num museu.
Em
África, estátuas da Rainha Vitória, de Cecil Rhodes, do Rei Leopoldo da Bélgica
e outras foram derrubadas ao longo dos anos. Algumas estátuas ou monumentos
como o pilar de Vasco da Gama, erguido pelos portugueses em 1498 em Malindi
(Melinde), no Quénia, para guiar os navios que seguiam a rota marítima para a
Índia, tornaram-se parte da história da cidade.
Como
o pilar é hoje uma atração turística e as pessoas têm de pagar para o ver,
provavelmente não faria sentido destruí-lo, apesar de a rota marítima
descoberta por Vasco da Gama ter posteriormente permitido aos portugueses
estabelecer um império colonial na Índia.
Os
africanos têm de decidir que relíquias coloniais ou dos tempos da escravatura
querem manter e o que querem deitar fora.
Porquê
Cataratas Vitória e não Cataratas de Mosi-Oa-Tunya?
O
nome Cataratas do Iguaçu, na fronteira entre a Argentina e o Brasil, vem das
línguas indígenas tupi-guarani e significa "águas grandes".
Em
África, uma magnífica queda de água semelhante, entre a fronteira do Zimbabué e
da Zâmbia, recebeu o nome de Cataratas Vitória. Porquê mais uma vez Vitória?
Nas minhas aulas de História no Quénia, ensinaram-me que David Livingstone, o
famoso missionário e explorador escocês, o primeiro homem branco a ver esta
maravilha da natureza, lhe deu o nome da Rainha Vitória.
O
que eu não aprendi, no entanto, foi que os zimbabueanos sempre tiveram um nome
para as cataratas: "Mosi -Oa-Tunya", que significa "o fumo que
troveja".
A
Rainha Vitória morreu em 1901. Mais de um século depois, porque deveriam os
quenianos, ugandeses, tanzanianos, zambianos e zambianos usar o seu nome, como
referência aos grandes marcos e símbolos africanos que anteriormente tinham
nomes africanos locais?
Recuperar
nomes africanos de cidades
Muitas
cidades africanas ainda estão demasiado presas aos nomes dados pelas
administrações coloniais. Tomemos como exemplo Port Harcourt, na Nigéria. A
cidade com mais de 3 milhões de habitantes foi batizada com esse nome em 1913
por Frederick Lugard, que quis homenagear Lewis Vernon Harcourt, então
secretário de Estado das colónias.
Antes
do governo imperial britânico, a cidade era conhecida como "Iguocha"
na língua Ikwerre. O povo Igbo chamava à sua cidade portuária "Ugwu
Ocha", que significa "linha do horizonte brilhante".
Lagos,
a capital comercial da Nigéria, antigamente era conhecida como Eko até à
chegada dos portugueses, que mudaram o nome. Aconteceu o mesmo com Joanesburgo,
na África do Sul, Rabat, em Marrocos, Walvis Bay, na Namíbia, Winneba e Cape
Coast, no Gana.
Até
a Serra Leoa deve o seu nome ao explorador português Pedro de Sintra, que lhe
chamou "Serra Lyoa", que significa a "Montanha do Leão".
Reza a história que Sintra ouviu leões a rugir nas colinas que rodeavam o
porto. Por mais criativo e poético que isso possa parecer (e devo admitir que
também gosto do nome Serra Leoa), a população local deveria ter os seus
próprios nomes para as suas terras. É a ela que cabe decidir se querem mudar
ou se querem continuar com o nome Serra Leoa.
Mudar
os nomes coloniais para os nomes africanos originais não é, de forma alguma,
uma tentativa de reescrever a história: isso já foi feito por aqueles que
invadiram África para escravizar e colonizar o continente.
Recuperar
nomes africanos antigos é apenas um passo para recuperar o que foi tirado. E
quando isso tiver acontecido, talvez possamos então começar a falar das fronteiras
artificiais traçadas pelas potências ocidentais na conferência de Berlim de
1884, onde não estava presente nenhum africano.
Chrispin
Mwakideu, ms | Deutsche Welle | opinião
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