quarta-feira, 1 de julho de 2020

Moçambique | Insurgência em Cabo Delgado: Analistas lutam por protagonismo?


Cabo Delgado já faz as manchetes internacionais e domina também webinars internacionais. Há quem aborde a situação segundo princípios éticos e académicos, mas há também quem não o faça e, mesmo assim, passe a ser aceite.

A insurgência em Cabo Delgado deixou de ser apenas um assunto nacional. O recrudescimento da violência armada e a consequente crise humanitária projetam mundialmente o caso. Para além das manchetes de jornais e apelos de ONG humanitárias, a academia tem dedicado especial atenção a Cabo Delgado, com frequentes webinars.

Também há quem individualmente esteja numa corrida para divulgar informações privilegiadas sobre o conflito. Estamos já diante de uma luta por protagonismo quando o assunto é insurgência em Moçambique?

"Sim, de facto nota-se, dentro e fora de Moçambique. Pelo menos, é um sinal bom, de que há vibração académica, que é preciso fazer para alargar o conhecimento", começa por responder o especialista em paz e segurança, Calton Cadeado.

Vale vender gato por lebre?

O analista entende ainda que, "para outros, é também uma tentativa de ter presença nos círculos do poder. Se olharmos para o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) e a Chatham House, que organizou recentemente uma conferência virtual, foi um evento com cobertura mundial. Então, a partir do momento que realizas este tipo de eventos estás a colocar o pézinho dentro do círculo do poder para seres ouvido".

O que não viola nenhum príncipio ético e muito menos representa crime. Contudo, há também quem se paute por meios pouco credíveis para "se fazer ouvir". Recentemente, fotos de outra crise africana terão sido "vendidas" nas redes sociais como algo que teria acontecido em Cabo Delgado.

A contestação dos moçambicanos foi grande, revelando a atenção e o nível de consciência dos internautas para com os seus assuntos e principalmente o seu cometimento para com a verdade.

"A única fonte de informação é tudo o que vem de fora"

Mas esse campo fértil para que as inverdades floresçam foi criado pelo Governo, acusa o académico Elísio Macamo.

"O que existe, e isso infelizmente é muito grave, é a falta de informação oficial. A falta de diálogo entre o Governo, a liderança do nosso país, e a sociedade. Cabo Delgado é um assunto muito sério e a única fonte de informação que as pessoas têm não é o Governo - a única fonte de informação é tudo o que vem de fora, são agências noticiosas de fora, são investigadores de fora", afirma o sociólogo.

No seu entender, "isso é que cria problemas para o país, isso é que é difícil de entender. Não entendo qual é a dificuldade que o Governo e o Presidente da República têm de vir a público dizer que temos um problema em Cabo Delgado e que precisamos de tomar medidas, já pedimos ajuda ou vamos pedir..."

Como se multiplicam e fossilizam inverdades

E tudo se torna uma bola de neve quando fontes duvidosas, que nunca sequer estiveram no terreno, passam a ser referência para quem tem o poder de multiplicar a informação, como por exemplo a imprensa nacional.

Assim, pode surgir um campo propício para a multiplicação e fossilização de inverdades nacionais em nome de interesses individuais suspeitos. Tudo isso acontece porque o Governo propositadamente criou um vácuo na sua relação com a população, entende Elísio Macamo.

"Não somos o único país com esses problemas. O Governo não tem nada a perder, pelo contrário, tem muito a ganhar sendo franco, transparente e aberto com a sociedade moçambicana: fazer um discurso a nação e dizer que estamos mal neste momento em Cabo Delgado", diz o académico.

"Estou mais aberto a ouvir esses investigadores de fora"

Por isso, Elísio Macamo defende que a melhor via é "galvanizar as pessoas para elas estarem com o Governo e o Presidente da República e para terem mais empatia com as difíceis decisões que ele tem de tomar. Mas isso não acontece e o resultado qual é? Especulação, boatos, o surgimento de pessoas que se consideram especialistas".

"Eu estou mais aberto a ouvir o que esses investigadores de fora dizem porque o nosso Governo não é transparente", assume Macamo, para depois exigir: "Eu quero saber o que se está a passar lá, porque Cabo Delgado faz parte de Moçambique. E quero saber isso da parte de quem tem a obrigação constitucional de me informar. Então, fico vulnerável".

Manter tudo no segredo dos deuses é uma prática comum na Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), o partido que governa desde 1975. Mas se, por um lado, isso é benéfico, por manter o chamado segredo de Estado, por outro acarreta elevados riscos - um deles de que as inverdades passem a ser assumidas como realidades.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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