Cabo Delgado já faz as manchetes
internacionais e domina também webinars internacionais. Há quem aborde a
situação segundo princípios éticos e académicos, mas há também quem não o faça
e, mesmo assim, passe a ser aceite.
A insurgência em Cabo Delgado deixou
de ser apenas um assunto nacional. O recrudescimento da violência armada e a
consequente crise humanitária projetam mundialmente o caso. Para além das
manchetes de jornais e apelos de ONG humanitárias, a academia tem dedicado
especial atenção a Cabo Delgado, com frequentes webinars.
Também há quem individualmente
esteja numa corrida para divulgar informações privilegiadas sobre o conflito.
Estamos já diante de uma luta por protagonismo quando o assunto é insurgência
em Moçambique?
"Sim, de facto nota-se,
dentro e fora de Moçambique. Pelo menos, é um sinal bom, de que há vibração
académica, que é preciso fazer para alargar o conhecimento", começa por
responder o especialista em paz e segurança, Calton Cadeado.
O analista entende ainda que,
"para outros, é também uma tentativa de ter presença nos círculos do
poder. Se olharmos para o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE)
e a Chatham House, que organizou recentemente uma conferência virtual, foi um
evento com cobertura mundial. Então, a partir do momento que realizas este tipo
de eventos estás a colocar o pézinho dentro do círculo do poder para seres
ouvido".
O que não viola nenhum príncipio
ético e muito menos representa crime. Contudo, há também quem se paute por
meios pouco credíveis para "se fazer ouvir". Recentemente, fotos de
outra crise africana terão sido "vendidas" nas redes sociais como
algo que teria acontecido em
Cabo Delgado.
A contestação dos moçambicanos
foi grande, revelando a atenção e o nível de consciência dos internautas para
com os seus assuntos e principalmente o seu cometimento para com a verdade.
"A única fonte de informação
é tudo o que vem de fora"
Mas esse campo fértil para que as
inverdades floresçam foi criado pelo Governo, acusa o académico Elísio Macamo.
"O que existe, e isso
infelizmente é muito grave, é a falta de informação oficial. A falta de diálogo
entre o Governo, a liderança do nosso país, e a sociedade. Cabo Delgado é
um assunto muito sério e a única fonte de informação que as pessoas têm não é o
Governo - a única fonte de informação é tudo o que vem de fora, são agências
noticiosas de fora, são investigadores de fora", afirma o sociólogo.
No seu entender, "isso é que
cria problemas para o país, isso é que é difícil de entender. Não entendo qual
é a dificuldade que o Governo e o Presidente da República têm de vir a público
dizer que temos um problema em
Cabo Delgado e que precisamos de tomar medidas, já pedimos
ajuda ou vamos pedir..."
Como se multiplicam e fossilizam
inverdades
E tudo se torna uma bola de neve
quando fontes duvidosas, que nunca sequer estiveram no terreno, passam a ser
referência para quem tem o poder de multiplicar a informação, como por exemplo
a imprensa nacional.
Assim, pode surgir um campo
propício para a multiplicação e fossilização de inverdades nacionais em nome de
interesses individuais suspeitos. Tudo isso acontece porque o Governo
propositadamente criou um vácuo na sua relação com a população, entende Elísio
Macamo.
"Não somos o único país com
esses problemas. O Governo não tem nada a perder, pelo contrário, tem muito a
ganhar sendo franco, transparente e aberto com a sociedade moçambicana: fazer
um discurso a nação e dizer que estamos mal neste momento em Cabo Delgado ",
diz o académico.
"Estou mais aberto a ouvir
esses investigadores de fora"
Por isso, Elísio Macamo defende
que a melhor via é "galvanizar as pessoas para elas estarem com o Governo
e o Presidente da República e para terem mais empatia com as difíceis decisões
que ele tem de tomar. Mas isso não acontece e o resultado qual é? Especulação,
boatos, o surgimento de pessoas que se consideram especialistas".
"Eu estou mais aberto a
ouvir o que esses investigadores de fora dizem porque o nosso Governo não é
transparente", assume Macamo, para depois exigir: "Eu quero saber o
que se está a passar lá, porque Cabo Delgado faz parte de Moçambique. E quero
saber isso da parte de quem tem a obrigação constitucional de me informar.
Então, fico vulnerável".
Manter tudo no segredo dos deuses
é uma prática comum na Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), o partido
que governa desde 1975. Mas se, por um lado, isso é benéfico, por manter o
chamado segredo de Estado, por outro acarreta elevados riscos - um deles de que
as inverdades passem a ser assumidas como realidades.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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