Até
agora, a PGR apenas se preocupou com os denunciantes de um negócio pouco
transparente envolvendo o Estado e petrolíferas, desviando a atenção do
problema. Porque não investiga a atuação dos supostos transgressores?
Em
março, o jornal Canal de Moçambique revelou um contrato assinado em fevereiro
de 2019 entre as petrolíferas Anadarko e Eni e os ministérios da
Defesa e do Interior, alegadamente para garantir a segurança dos trabalhadores
no contexto da insurgência em Palma, em Cabo Delgado.
Os
documentos aparentemente expõem comportamentos desviantes, em termos de
procedimentos do aparelho do Estado, dos ex-ministros da Defesa e do Interior,
Atanásio Mtumuke e Basílio Monteiro, respetivamente.
O
jornalista e diretor executivo do Canal de Moçambique, Matias
Guente, enumera alguns: "O que publicamos tem um conjunto de situações
de gritante irregularidade, como por exemplo o facto de a conta ser domiciliada
a assinatura do ex-ministro da Defesa e continuar nessa situação até hoje,
o facto de a conta estar domiciliada num banco comercial e não na
conta única do tesouro, o facto de ser uma parceria público-privada e receber
um carimbo de segredo de Estado, em regime de confidencialidade."
Porque
a PGR não investiga os supostos violadores?
Mas
paradoxalmente, os denunciantes das irregularidades é que estão a ser processados.
Matias Guente e Fernando Veloso, proprietário do jornal, são acusados
de violarem o segredo de Estado. Com base nos dados denunciados, não era
caso para a Procuradoria-Geral da República (PGR) já ter aberto uma
investigação à atuação dos ex-ministros?
"A
PGR devia ser diligente e até agradecer ao jornal que expôs esta questão,
porque é sabido que os setor da defesa é um daqueles setores onde grande
trafulhice, os desvios de fundos ocorrem por ser um setor opaco", responde
a ativista social Fátima Mimbire.
E
a ativista chama a atenção para o seguinte: "Se for a verificar ao nível
das organizações da sociedade civil, não só em Moçambique, mas a nível global,
não há um apoio muito grande em relação a alocação de fundos para a defesa e
segurança. Não é que não seja uma setor importante, o problema é a falta de
transparência. E esta denúncia veio mostrar claramente a falta de transparência
neste setor."
O
jornalista Matias
Guente, que já começou a ser ouvido pela PGR, crítica a atuação da órgão,
que é entendido no país pelos setores mais críticos como altamente politizado e
por isso tendencioso: "São vários elementos que a PGR, enquanto garante da
legalidade, devia agir sobre elas, mas não está a agir, pelo contrário está a
agir contra o jornal e contra os jornalistas."
Tentativas
de desviar as atenções do problema?
Moçambique
não é visto como uma referência em termos de transparência governativa, pelo
contrário. O escândalo das dívidas ocultas, avaliadas em cerca de dois mil
milhões de euros, foi a pior mancha em termos de falta de transparência por
parte dos governantes. E o hoje o país enfrenta uma crise financeira sem
precedentes por causa disso.
Esta
ação contra os jornalistas do Canal de Moçambique é uma estratégia para desviar
as atenções de aparentes transvios procedimentais cometidos nos ministérios em
causa?
"Não
sabemos se é ou não uma estratégia das autoridades nacionais para desviar as atenções
em relação ao que foi publicado, mas temos um conjunto de elementos que são
absolutamente estranhos sobre a atuação da justiça neste caso. Ora, se é uma
estratégia não posso afirmar com muita segurança, mas há, de facto, muita
estranheza pelo facto de a PGR estar a agir sobre os jornalistas",
responde Guente.
Há
tentativas de cerceamento da liberdade de imprensa e de intimidação?
Os
jornalistas moçambicanos não vivem melhores momentos no exercício da sua
profissão, principalmente quando o tema é Cabo Delgado. Alguns já foram presos
e há inclusive um que terá sido sequestrado e até hoje, mais de três meses
depois, não
há sinais dele.
Será
esta ação contra o jornal uma tentativa cercear a liberdade de informação e intimidação?
"Se é uma tentativa de intimidação também não tenho grandes certezas para
o afirmar", começa por responder Matias Guente, para depois alterar:
"Mas coloca uma grande pressão sobre os jornalistas, porque os jornalistas
simplesmente fizeram o seu trabalho e neste momento estão pressionados a
responder a processos judiciais e a serem colocados na difícil situação de
decidir o que é segredo de Estado ou não enquanto os jornalistas não estão
veiculados aos segredo do Estado."
E
o jornalista finaliza: "E torna-se a complicar quando é a PGR a vir atrás
dos jornalistas a exigir alguma responsabilidade sobre matérias que são ou não
segredo de Estado."
Nádia
Issufo | Deutsche Welle | Na imagem: Matias Guente, jornalista do Canal de
Moçambique
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