quinta-feira, 16 de julho de 2020

Covid-19: "A situação económica e social em Angola é dramática"


O Parlamento angolano aprovou, na generalidade, o Orçamento Geral do Estado revisto para este ano, na sequência da pandemia da Covid-19. Economista Alves da Rocha alerta para o drama do desemprego e da pobreza no país.

Na terça-feira (14.07), durante a discussão no Parlamento sobre o orçamento retificativo para 2020, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) elogiou as medidas do Executivo para equilibrar as receitas orçamentais. O peso da despesa financeira reduziu, por exemplo, de 60,7% para 55,9% do total do Orçamento Geral do Estado.

Face aos efeitos da pandemia na economia angolana, o líder parlamentar do MPLA, Américo Kuononoka, apelou ao Governo de João Lourenço que prossiga "com coragem e determinação o conjunto de ações preconizadas, de maneira a aliviar o sofrimento dos concidadãos, especialmente os mais desfavorecidos."

No entanto, o deputado Adalberto Costa Júnior, do grupo parlamentar da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), avisou que "o Governo está a potenciar os passivos do país no futuro, inclusive empurrando para o amanhã os passivos que eram para resolver hoje e está a devorar os ativos do país, que serviriam para acautelar o futuro".

Em entrevista à DW África, o economista Alves da Rocha, professor na Universidade Católica de Angola, fala sobre as dificuldades no país, que precisará de muito mais que um orçamento retificativo: "A minha preocupação primeira é sobre a qualidade [da despesa pública], porque continuam a existir desvios das verbas afetadas aos setores da saúde e educação".

DW África: Porque é que este orçamento retificativo é necessário?

Alves da Rocha (AR): O país vai viver o quinto ano de uma recessão consecutiva com reflexos absolutamente dramáticos sobre o desemprego e a pobreza. Estamos aqui numa espécie de círculo vicioso da austeridade, que está a ter consequências sobre toda a atividade em Angola. A situação é dramática, com uma taxa de desemprego global de 32% e uma taxa de desemprego dos jovens entre os 15 a 24 anos nos 58,5%; com uma taxa de pobreza 2018-2019 de 41%, que agora deve estar muito mais elevada. É uma situação dramática.

DW África: O Governo tem dito que, com o orçamento retificativo, as despesas sociais representam 40% das despesas orçamentadas - e essas verbas iriam sobretudo para a saúde. São notícias positivas, certo?

AR: Isto não me descansa, porque eu não atento tanto à quantidade de despesa pública que está afetada aos setores sociais - a minha preocupação primeira é sobre a qualidade, porque continuam a existir desvios das verbas afetadas aos setores da saúde e educação, sobretudo a estes dois. Portanto, tenho o direito de pensar que, quanto mais dinheiro se puser no setor da saúde, pior serão os serviços de saúde prestados aos cidadãos, porque há muita verba que se esvai e não sabemos bem por onde.

DW África: Falando dos gastos com o setor da saúde por causa da Covid-19, acha que estes gastos adicionais propostos pelo Governo neste orçamento retificativo são suficientes?

AR: Angola não tem um sistema de saúde, assim como não tem um sistema de previdência social. O sistema de saúde em Angola é muito débil. [O mesmo acontece com o] sistema de educação. O país continua a ter uma quantidade enorme de crianças fora do ensino, a falta de qualidade do ensino em Angola é conhecida. E, naturalmente, esta debilidade levanta algumas dúvidas quanto à nossa capacidade de atacar a pandemia da Covid-19 de uma maneira positiva. O Governo está um bocado aflito e bastante preocupado com esta situação, porque há uma falta de meios em quantidade e qualidade para combater esta pandemia. Nós não temos comparação com os sistemas de saúde na Europa e na América, por exemplo.

António Cascais | Deutsche Welle

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