Miguel Guedes | Jornal
de Notícias | opinião
O
nosso olhar em plena pandemia muda todos os dias. O fardo carrega-se pesado
perante as opções, pequenas e gigantes, tomadas por cada um de nós na adaptação
aos dias que vivemos sob o jugo dum desconfinamento temerário.
Sem
fim à vista. Dias limpos são aqueles em que o optimismo carrega o fardo e este
quase se faz leve. Dias pesados são alguns outros, torturas reprogramadas por
más condutas de minúcia ou desastrosos comportamentos colectivos. O nosso
ânimo, ao dispor do alcance fatal do desastre económico, movimenta-se na corda
bamba ou no arame, tremido e desequilibrado, entre o número diminuto de
mortalidade e o quase permanente 1% de crescimento diário de casos. Nestes
dias, entre os chavões-sinónimo do #vaificartudobem e do #covidlivesmatter, há
sempre uma visão optimista ou decepcionada em confronto epidémico.
Também
por isso, surpreende pelo timing a decisão concertada entre Marcelo e Costa que
deu por terminados os encontros regulares no Infarmed, mantidos entre políticos,
especialistas em saúde pública, conselheiros de Estado, sindicatos e patrões.
Remeter a informação sobre a evolução da pandemia para os boletins diários da
Direcção-Geral da Saúde, no momento em que se sente que a curva do planalto não
evolui para queda ou ravina, é um alto acordo de Estado cujo nível de
secretismo ultrapassa a transcendência. A surpresa de todos os partidos perante
a decisão dá bem nota do desconforto de terem de esperar (se excepcionarmos o
debate sobre o estado na nação) até final de Setembro para confrontar o
primeiro-ministro presencialmente sobre o que politicamente está a ser feito no
combate à pandemia. Isto, num contexto em que ninguém pode assegurar com rigor
o dia de amanhã. Se o presidente da República considera que se fechou um ciclo,
que novo ciclo se abriu? Impõe-se que o Parlamento receba toda a informação,
rigorosa e atempadamente.
Os
timings movimentam-se de forma misteriosa durante a covid-19. Apesar do
exotismo da facilidade com que Rui Rio prescinde da presença de António Costa
nos debates quinzenais no Parlamento, a cultura de confronto não se extingue e
parece ter migrado para o PS. A opinião própria pode ser um bem escasso dentro
das estruturas partidárias e basta um assomo de coragem para enterrar ministros
em "slots" de candidatos à sucessão. António Costa é tão consensual
que se transformou num paradigma de inamovibilidade. Não é necessária a
chancela de Carlos César para concluirmos que os eventuais candidatos à
sucessão no partido terão de esperar. Mas a incomodidade de tantos socialistas
perante a opinião própria de Pedro Nuno Santos relativamente ao tão maltratado
dossier das eleições presidenciais dá bem nota de como o PS se prepara para
apoiar mais uma decisão concertada entre Marcelo e Costa. O PS prepara-se para
se fingir de morto em Janeiro.
*O
autor escreve segundo a antiga ortografia
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