Anselmo
Crespo | TSF | opinião
A
minha primeira grande viagem de trabalho foi ao Brasil, pela TAP e por causa da
TAP. A companhia aérea - à época gerida por Fernando Pinto - falhara a compra
da brasileira Varig, mas tinha conseguido adquirir a VEM (Varig Engenharia e
Manutenção), com oficinas em
Porto Alegre e no Rio de Janeiro. Apesar de altamente
deficitária, a confiança da administração da TAP na recuperação da VEM era
enorme. E o orgulho nesta "conquista" era claramente desmesurado,
como se viria a confirmar mais tarde.
Durante
anos, a VEM foi uma espécie de buraco negro da TAP, um pedregulho que ia
afundando os resultados da empresa de ano para ano. Fernando Pinto - que foi
constituído arguido em 2018 por suspeitas de gestão danosa precisamente por
causa da compra da VEM - veio, entretanto, recordar o óbvio: que a compra da
empresa fazia parte do plano de expansão da TAP e que contou sempre com o apoio
político de sucessivos governos.
E
é este o ponto. Olhar para a TAP e resumir a situação da empresa à pandemia ou
à má gestão dos privados é, no mínimo, hipócrita. Como se, nos últimos quase 30
anos, a empresa não tivesse estado 25 nas mãos do Estado, com administrações
escolhidas pelo poder político e planos estratégicos - como a compra da VEM -
subscritos pelos sucessivos governos. Como se as reestruturações, planos de
saneamento financeiro e tentativas frustradas de privatização (do PSD, mas
também do PS) não tivessem ficado no currículo político dos governos de Cavaco,
de Guterres, de Durão Barroso, de Santana Lopes e de José Sócrates. Como se
pudéssemos assacar também ao novo coronavírus os milhões de euros dos
contribuintes que já foram enterrados na empresa.
Pedro
Passos Coelho privatizou o que podia e o que não devia, mas, no caso da TAP -
apesar do processo ter sido muito polémico -, fez bem. O Estado não só já
provara à evidência que não sabe gerir companhias aéreas, como deve
preocupar-se com outras coisas, bem mais importantes. E é por isso que estou
até hoje para perceber qual foi o benefício para o país da reversão feita por
António Costa em 2016. De que adianta ficar com 50% da TAP se não se interfere
na gestão? E para que serviram, afinal, estes 50% nos últimos quatro anos se só
agora o acionista Estado vem criticar a forma como a empresa foi gerida, como
se não fosse dono de metade?
Não
sei se os atuais acionistas privados da TAP geriram bem ou mal. Mas sei que o
Estado não só nunca geriu bem, como deu quase sempre respaldo político às
decisões que foram sendo tomadas nas últimas décadas. E agora que a TAP
regressa às nossas mãos, vão preparando os bolsos, porque isto vai sair caro.
Muito caro mesmo. Vem aí muito sangue, suor e lágrimas pelo caminho. Vamos
voltar a ouvir falar de reestruturações, planos de saneamento financeiro e
outros jargões económicos que só significam uma coisa: que muita gente vai
sofrer e nenhuma dessas pessoas tem a mínima responsabilidade pela situação a
que chegou a TAP. Por isso, não nos tapem os olhos, que a peneira já está cheia
de buracos.
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