quarta-feira, 29 de julho de 2020

Portugal | O BES teve um filho bastardo

Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

Em tempos, houve um banco mau abandonado pelo Estado que segurou as elites predadoras do regime. Agora, há um banco bom apoiado pelo Estado que promove negócios sinuosos pagos pelos contribuintes e beneficia investidores que não se sabe quem são. O Novo Banco é um filho bastardo do BES. Apanhou-lhe os vícios despesistas, herdou dele os mais inventivos esquemas de transformação de ativos comuns em fortunas privadas. Só é bom a conseguir ser mau.

Ainda assim, a mais recente operação conhecida representa um aprimoramento no nível de sem-vergonhice. O Novo Banco vendeu 13 mil imóveis a preço de saldo a um fundo anónimo sediado nas ilhas Caimão, emprestou dinheiro para o negócio acontecer e socorreu-se do Fundo de Resolução (que é alimentado pelo dinheiro dos contribuintes) para compensar as perdas de várias centenas de milhões de euros. Ou seja, comprou o cão com o próprio pelo do animal.

A estupefação é natural, mas a verdade é que ninguém minimamente atento ou razoavelmente informado pode dizer-se surpreendido. As campainhas soam há demasiado tempo. Houve (há), inclusivamente, unanimidade partidária em torno da necessidade de apurar responsabilidades.

Isso não impede, porém, que estejamos cansados disto. De sermos vergastados por gente debochada e sem escrúpulos. O problema é que já não temos costas para mais chibatadas da Banca. O Novo Banco é um caso de política, mas é muito mais um caso de polícia. Uma investigação do Ministério Público pode ser determinante para dar o passo necessário que ajude a desatar o nó, enquanto a famigerada auditoria às contas não conhece a luz do dia. O Estado tem de estabelecer como prioridade recuperar tudo o que foi subtraído ao erário público. Porque isto já não vai lá com falinhas mansas nem audições parlamentares. Um assalto só deixa de o ser quando os sacos de dinheiro roubados são recuperados sem mácula. Para tornar tudo ainda mais pitoresco, o ministro das Finanças que autorizou a mais recente transferência de 850 milhões de euros do Estado para o Novo Banco vai agora supervisionar os desenvolvimentos do caso sentado na cadeira de governador. Não passamos disto.

*Diretor-adjunto

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