#Publicado em português do Brasil
EUA amargam crise e brutais
desigualdades. Para adiar “bomba-relógio”, financiam novos golpes e tentam
retomar controle da região. Objetivo: derrubar governos não-alinhados e pilhar
recursos como o petróleo brasileiro e o lítio boliviano
José Álvaro de Lima Cardoso | Outras Palavras
Os números da crise da economia
mundial são impressionantes. O PIB dos EUA encolheu 32,9% no trimestre
abril/maio/junho, a uma taxa anualizada. Foi a maior queda desde a Grande
Depressão. Na Alemanha, motor da economia europeia, o PIB de abril a junho recuou
10,1% em relação ao trimestre anterior. É a queda trimestral mais acentuada
desde 1970, quando os registros começaram a ser realizados. Se comparado ao
mesmo período do ano passado, o recuo do produto alemão foi de 11,7%. O PIB da
China subiu 3,2% no segundo trimestre na comparação com o mesmo período de
2019. No confronto com os três primeiros meses do ano, quando a economia do
país parou, a alta foi de 11,5%. O crescimento chinês no segundo trimestre,
baixo para o seu padrão histórico, destoa do resto do mundo. Mas a China é um
ponto fora da curva, e a “fábrica do mundo”.
No centro capitalista, não se
trata somente de uma crise econômica, é também uma crise política brutal. Os
Estados Unidos, mesmo usufruindo de todas as vantagens de ser o principal país
imperialista da Terra, enfrentam grandes contradições internas, porque o seu
modelo de desenvolvimento gera imensa desigualdade social. Pelo menos desde o
governo Ronald Reagan (1981/1989), o estado de bem-estar norte-americano, que
já era fraco, foi sendo paulatinamente destruído. Se estima que atualmente
existam mais de 40 milhões de pobres nos EUA. Cerca de 40% dos estadunidenses
se queixam de que não conseguem cobrir despesas inesperadas com emergências,
que ultrapassem 400 dólares. Quase 30 milhões de pessoas nos EUA (quase 10% da
população) vivem na chamada insegurança alimentar, não têm o suficiente para
comer. A exemplo do Brasil, a insegurança alimentar nos EUA vem aumentando
bastante com a pandemia. Além disso, os EUA têm cerca de 500 mil pessoas em
situação de rua (morando na rua ou em abrigos públicos). A grande maioria são
negros ou latinos.
O fato de que os EUA tenham um
número tão grande na condição de pobreza representa uma verdadeira
bomba-relógio. Uma revolta geral dos trabalhadores dentro do país imperialista
mais rico do mundo teria um efeito político, econômico e social, simplesmente
imprevisível. Este risco, inclusive, talvez tenha influenciado a decisão dos
EUA, há mais de uma década, de retomar para sua área de influência os governos da
América Latina, naquele momento ocupados por governos progressistas. A partir
de Honduras, em 2009, os EUA foram derrubando, um a um, todos os governos
progressistas eleitos na América Latina.
Por conta da crise econômica e
dos golpes de Estado, que atingiram quase todo o continente, a situação
política na América Latina é instável e caracterizada por grande polarização.
Com a crise mundial, para o imperialismo não foi mais possível conviver com
governos reformistas e nacionalistas, que atrapalhavam (ou atrapalham) as
intenções dos EUA no subcontinente. A crise econômica mundial tornou imperativa
uma política geral de guerra contra o povo. Governos de esquerda, mesmo que
moderados, são sempre obstáculos importantes a implementação deste tipo de
política, mesmo porque chegaram ao poder respaldados pelo voto. Obviamente que
esse tipo de política gera uma instabilidade muito grande, na medida em que uma
parcela expressiva da população (mais consciente) se nega a seguir para o
matadouro, sem reagir.
No Brasil, os golpistas diziam
que era tirar Dilma Rousseff que o crescimento econômico e os investimentos
internacionais retornariam, como num passe de mágica. Dado o golpe, com a
grande farsa do impeachment, o governo Michel Temer foi um verdadeiro show de
horrores, com entreguismo sem limites e um retumbante fracasso na economia.
Para “fechar” o processo golpista, fraudaram as eleições de 2018, apoiados numa
operação gestada no Departamento de Estado norte-americano (cada vez mais
desmoralizada pelo oceano de denúncias), entrou Bolsonaro e a coisa só piorou.
Com o advento da pandemia, logo de saída ficou evidenciado que Bolsonaro é o
pior governo da história do país, uma penitência cruel, que o povo brasileiro
jamais mereceria.
Quando afirmávamos em 2014, que a
Lava Jato nada tinha a ver com corrupção e que era uma operação do governo
estadunidense para roubar petróleo, água, recursos naturais em geral,
biodiversidade da Amazônia, e para interromper um limitado processo de
construção de um projeto nacional de desenvolvimento, nos acusavam de estar
alimentando uma “teoria da conspiração”. Esses seis ou sete anos, desde a intensificação
da construção do golpe, mostraram que a conspiração é muito mais grave do que
qualquer teorização do fenômeno. Nessa altura dos acontecimentos as
“confissões” dos crimes cometidos pelos responsáveis pela Lava Jato seria mais
do que suficiente para anular toda a farsa do processo de impeachment. O fato
de que isso não tenha ocorrido mostra que os golpistas ainda estão no poder
(nos vários poderes).
Os golpes na América Latina,
desde o de Honduras, em 2009, possuem dois eixos comuns: a) desenvolvimento de
uma política de guerra contra a população; b) saqueio da região. Uma esquerda
reformista no poder, por mais moderada que seja, atrapalha a implementação dos
referidos eixos de governo. Um acontecimento bastante recente, serve para
revelar ainda mais a natureza do processo que se desenvolve na América Latina.
Elon Musk, dono da empresa Tesla e a 5ª pessoa mais rica do mundo,
escreveu em sua conta no Twitter: “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”. A
ameaça foi uma resposta a uma postagem enviada ao bilionário
sobre seu objetivo de impedir que o ex-presidente boliviano Evo
Morales continuasse no poder, pelo interesse no lítio (chamado de Petróleo
Branco, a maior parte das reservas mundiais estão na Bolívia).
A descarada confissão do
bilionário revela que a América Latina está sendo, de fato, saqueada por
autênticos ladrões. Convictos da impunidade, não fazem nem mesmo questão de
esconder o fato. O ex-presidente boliviano Evo Morales (2006-2019), golpeado
inapelavelmente pelo império em 2019, denunciou no dia 07/08/20 que um “novo
golpe de Estado” está sendo gestado em seu país, visando dar poderes absolutos
à ditadura de Jeanine Áñez e impedir que a esquerda volte ao poder, cenário
muito provável, se houverem eleições. Além de apontar os nomes dos golpistas
nacionais, Morales denunciou também a participação dos Estados Unidos, com
consultoria e equipamento bélico para reprimir o movimento popular,
principalmente nas regiões de El Alto e Chapare, onde, segundo consta, haverá
mais resistência ao possível novo golpe de Estado.
Os golpistas na Bolívia tentaram
institucionalizar o processo, através de novas eleições diretas, nas quais Evo
Morales, exilado na Argentina, não pode concorrer. Eleições totalmente fajutas.
Apesar de tudo, o partido de Evo Morales (MAS), inscreveu um candidato para as
eleições, que aparece bem à frente, nas pesquisas eleitorais. Em função da
grande possibilidade do candidato do MAS vencer as eleições, mesmo com todas as
manobras possíveis, provavelmente darão um novo golpe. O que acontece na
Bolívia segue um script, que, adaptado em cada país, está sendo seguido em
todo o subcontinente latino-americano.
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