domingo, 30 de agosto de 2020

Portugal | Ai os velhos, senhor, os velhos


Domingos De Andrade | Jornal de Notícias | opinião

"Então morrem 18 pessoas e ninguém é responsável?" A pergunta de Adrian Istratuc, pai de três filhos órfãos de mãe, filhos de Ludmila, funcionária há oito anos do lar de Reguengos de Monsaraz que morreu lentamente tratada a ben-u-ron até ser tardiamente internada, que morreu lentamente aconselhada pela Linha de Saúde 24 a tomar o remédio comum, a pergunta de Adrian sem resposta, insistimos, devia cobrir-nos, a nós, filhos, netos, sobrinhos de todos os velhos despejados em lares, de uma vergonha sem fim.

Regressar a Reguengos dois meses depois da tragédia que vitimou 18 pessoas com covid-19, como o fazemos na edição deste domingo da "Notícias Magazine", é expor o abandono e desprezo a que votamos as gerações que empecilham a dinâmica social, ou o chamado progresso. Mas é sobretudo perceber que não aprendemos nada, com a cadência quase diária de novos casos de infeção em dezenas de lares.

Os dramas atuais expostos pela pandemia diluem-se na responsabilidade coletiva passada do Estado e na outra pergunta sem resposta: como permitimos que isto fosse acontecendo? Mas a irresponsabilidade do presente cabe-nos exclusivamente, que não nos indignamos, a começar pelo Governo, a quem não basta apresentar uma e outra vez um programa carregado de milhões a serem despejados sem estratégia.

Os lares, dezenas deles, são hoje depósitos de velhos doentes, muitos insuportáveis para se viver até à eventual visita condescendente e apressada de um familiar, sem cuidados de saúde adequados, sem mais do que a longa espera pela morte.

Num momento em que se discute na praça pública a arquitetura da aprovação do próximo Orçamento no já desgastado braço de ferro com o Bloco de Esquerda, a aparente apatia do PCP ou as preocupações legítimas do presidente da República perante as ameaças de uma crise política, os partidos têm a obrigação de se debruçarem sobre o essencial. E o essencial é perceber que os alicerces de um Estado de direito, hoje tão ameaçado pelos extremismos, assentam, e muito, nos princípios de Estado social e não assistencialista. Muitos poderiam começar por ir ler o que significam ambos.

*Diretor

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