José Soeiro | Expresso | opinião
1. As ameaças de que foram
vítimas três deputadas e vários ativistas antirracistas são um crime. Como
crime devem ser tratadas. A lei portuguesa já prevê os mecanismos legais para
perseguir e reprimir os criminosos que recorrem à ameaça e à coação. Agora, cabe
às instituições funcionarem exemplarmente: avaliar as ameaças feitas,
investigar os seus autores, deter quem põe em perigo a segurança pública. Não
pode haver nenhuma complacência.
2. Complacência foi o que houve,
contudo, com a banalização do discurso de ódio e com a tentativa de normalizar
a extrema-direita em
Portugal. Não nos esqueçamos do episódio em que a TVI acolheu
candidamente num programa da manhã Mário Machado, o nazi envolvido no
assassinato ao pontapé de Alcindo Monteiro. Do palco dado pelo Correio da Manhã
– e não só – a Ventura. Das tentativas recentes de um investigador de validar
acriticamente as teses do Chega, usando o selo académico, mesmo que para isso
tenha sido preciso atropelar os mais elementares protocolos do campo. Ou, mais recentemente,
das declarações de Rui Rio, que admitiu uma eventual aliança com a
extrema-direita, dependendo do modo como esta evoluísse. A indulgência política
e mediática ajuda a criar o ambiente de à-vontade e o sentimento de impunidade
com que atuam os racistas, mesmo que disfarçados, e o terrorismo da
extrema-direita em geral.
3. O crime de intimidação contra
estes dez combatentes pelos direitos humanos surge num contexto. Há uns meses,
as inscrições racistas à porta de escolas, do SOS Racimo, do Centro Português
de Refugiados ou no mural de José Carvalho. A ridícula manifestação de Ventura.
A parada de um bando neonazi, de rosto tapado e tochas, frente à sede do SOS
Racismo, divulgada pelos próprios nas redes sociais. O assassinato de Bruno
Candé em plena luz do dia, crime que o alegado homicida terá feito acompanhar
de um “preto do caralho, vai para a tua terra!”, afinal de contas uma
versão em vernáculo do que disse Ventura quando propôs que uma deputada
portuguesa fosse “devolvida ao seu país de origem”. É tudo parte do ambiente de
ódio que os criminosos, sejam os de gravata ou os de cabeça rapada, querem
criar.
4. Para combater o ódio e os
crimes racistas da extrema-direita já temos boas leis escritas. Falta-nos é
trabalhar nas leis na prática, no combate à impunidade e à indiferença. Das
instituições exige-se esse compromisso assumidamente antirracista. Às polícias
cabe investigar e agir, extirpando do seu seio criminosos que perfilhem valores
fascistas que violam a Constituição e demarcando-se de qualquer
instrumentalização pela extrema-direita. Às políticas cabe romper sem
hesitações as lógicas que reproduzem os padrões coloniais e ter, nos vários
campos que vão do trabalho à educação, do desporto à cultura ou à habitação,
medidas decididas para combater as desigualdades que têm no racismo estrutural
um dos seus pilares.
Imagem: Daniel Rocha, Público
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