#Publicado em português do Brasil
O que o PM britânico pretende
com sua investida contra o tratado de saída da UE? Só um toque de maluquice
pode explicar um comportamento tão inescrupuloso, opina Barbara Wesel.
Não se pode infringir "um
pouquinho" um acordo internacional, seria como ficar um pouquinho grávida.
No entanto, foi assim que o secretário de Estado para a Irlanda do Norte,
Brandon Lewis, anunciou na câmara baixa do Parlamento britânico a violação do tratado
de saída da União Europeia, e parecia bem tranquilo. Um caso de descaramento ou
estupidez – provavelmente trata-se desta última.
Há muito já foi dito tudo o que
havia para dizer sobre a qualidade da maioria dos secretários no gabinete do
premiê Boris Johnson: ele se cercou de bajuladores inexperientes, de estatura
intelectual questionável, porque eles são muito mais fáceis de manter sob
controle.
No caso do ministro da Saúde Matt
Hancock, isso fez como que o país registrasse o maior número de mortes entre os
países da Europa durante a pandemia de covid-19. Excetuado o chanceler do
Tesouro e o esperto e ambicioso Michael Gove, a equipe de Johnson é formada por
políticos de quinta categoria.
A nova prova disso é que nenhum
dos ministros ousa colocar em questão a estratégia de caos do primeiro-ministro
para o Brexit. A chamada lei do mercado interno proposta por Johnson constitui
uma gritante transgressão jurídica. Seria razoável esperar que esses ministros
respeitassem o juramento de zelar pelo direito e a lei quando assumiram seus
mandatos. Seria...
Contudo o premiê já mostrou o que
pensa do Estado de direito no ano passado, ao determinar que o Parlamento
entrasse em recesso forçado, a toque de caixa. Para Johnson e seu conselheiro
populista-diabólico Dominic Cummings, tais princípios não passam de obstáculos
incômodos, quanto mais rápido a pessoa se livra dessas amarras, mais liberdade
de ação terá.
As soturnas ameaças de
conservadores veteranos como o ex-premiê John Major, de que o Reino Unido corre
perigo de perder a confiança de seus parceiros internacionais, devem funcionar
antes como estímulo para Boris Johnson. Afinal de contas, autocratas sem lei e
Estados-vilões não precisam ter consideração por ninguém, e podem exercer
controle absoluto sobre amigos e inimigos, enquanto estes permitam. E não foi
justamente isso que ele prometeu, com o Brexit?
Os britânicos, porém, observam
atônitos seu chefe de governo seguir a cartilha para populistas de Donald
Trump. As salvaguardas institucionais na assim chamada "pátria da
democracia" se mostram fracas, tradições seculares desmoronam como
castelos de cartas, sem que haja resistência digna de nota. Johnson cria o
maior caos político possível para escamotear seu fiasco na pandemia e
sedimentar seu poder.
É no contexto dessa grande trama
que se desenrola o drama secundário do acordo do Brexit. Os europeus decidiram
não se deixar provocar: em vez de se desesperar e ceder aos britânicos, eles
deram um ultimato e ameaçam com medidas jurídicas, caso a controvertida lei
seja aprovada. E é claro que não pode haver nenhum acordo comercial se o Reino
Unido não acatar o protocolo para a Irlanda do Norte (que tenta evitar a
reinstalação de uma fronteira física entre as duas Irlandas).
O fato de Boris Johnson utilizar
a delicada questão norte-irlandesa para atear fogo ao acordo de saída de UE
simplesmente prova mais uma vez seu desbragamento politico. Ele parece não dar
a mínima para as consequências de suas ações sobre a paz na região, contanto
que os linhas-duras do Brexit em seu Partido Conservador
estejam contentes. Isso é fazer política com bola de demolição.
Mas o que o primeiro-ministro
britânico quer, na verdade? Detonar as negociações comerciais e colocar a culpa
na UE? Ele estará mesmo mirando um "no deal"? Ou quer deixar a UE
nervosa com suas investidas, para que no fim acabe lhe concedendo um acordo
comercial mais vantajoso? Ambas as teorias são discutidas entre os observadores
de Downing Street, e não falta material para quem gosta de apostar.
Toda vez que Johnson fala dos
"amigos e parceiros" na Europa, provoca uma leve náusea. A hipocrisia
é óbvia. Agora, no entanto, ele fornece a prova de que não quer mais nenhuma
relação com a UE, seja amigável ou sequer comercial. Ele destrói toda base de confiança,
e nem se dá por achado.
Trump pode se permitir tal coisa,
como presidente de uma potência mundial. No caso do premiê de um país de porte
médio à margem da Europa, contudo, um comportamento desses sugere certa dose de
maluquice. Com quem ele espera se aliar no futuro, com quem espera fazer
negócios? Como o Reino Unido vai viver depois de um "Brexit duro", se
os europeus partirem para uma guerra comercial, por causa da Irlanda?
Nem mesmo os conhecedores de
Boris Johnson têm resposta para essas perguntas. Todos que estimavam ou amavam
o Reino Unido, porém, não reconhecem mais o país. Os britânicos nos
abandonaram. E de um jeito que vai muito além do Brexit.
Barbara Wesel | Deutsche Welle |
opinião
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