#Publicado em português do Brasil
Investigação revela: instituições
financeiras continuam injetando dinheiro em commodities associadas à derrubada
da mata. Crédito cresceu 40% desde 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris.
Só frigoríficos receberam R$ 235 bilhões
Pedro Papini, Fernanda
Wenzel e Naira Hofmeister, em O
Eco | em Outras
Palavras
Ao mesmo tempo em que cobram
medidas do governo federal contra o desmatamento da Amazônia, instituições
financeiras no Brasil e no exterior seguem investindo bilhões de dólares em
atividades associadas à destruição da floresta. Levantamento da Forests and
Finance (F&F), uma coalizão de ONGs que investiga financiamentos associados
à destruição das principais florestas tropicais do mundo, revela que os frigoríficos recebem
mais recursos de bancos do que outras commodities no país.
A F&F rastreou R$ 990 bilhões
investidos entre 2016 e 2020 na produção de carne bovina, óleo de palma, papel
e celulose, borracha, soja e madeira em três regiões do mundo. O valor é
referente a operações de crédito e de compra de ações e títulos de dívida e foi
convertido em reais pela cotação do dia 28 de agosto.
Mais da metade do total, R$ 560
bilhões, veio para o Brasil, sendo 42%, ou R$ 235 bilhões destinados à criação
e abate de gado em áreas onde o boi suplanta a mata nativa. Na Amazônia, onde
dois terços de tudo o que é desmatado anualmente vira pasto, os três
frigoríficos com maior capacidade de abate (JBS, Marfrig e Minerva), receberam
investimentos de R$ 59,5 bilhões entre 2016 e abril de 2020.
Uma das descobertas mais
preocupantes da F&F é que, ao invés de diminuir, o financiamento de
commodities associadas ao desmatamento aumentou 40% desde dezembro de
2015, quando foi assinado o Acordo de Paris. Um fluxo financeiro que vai na
contramão do pacto assumido por 195 países para conter o aumento da temperatura
do planeta em até 2°C
acima dos níveis pré-industriais.
“Apesar dos compromissos do setor
financeiro com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o Acordo de Paris,
sua busca por lucros está nos levando a um desastre climático e de saúde
pública”, afirma Merel van der Mark, coordenadora da Coalizão Florestas e
Finanças.
Nos seus cálculos, o grupo de
ONGs considera apenas a fatia dos valores que está diretamente relacionada com
as atividades associadas ao desmatamento. Se uma empresa de proteína animal
industrializa tanto carne de frango como a bovina, como é o caso das gigantes
que operam na Amazônia, a coalizão contabiliza apenas a parte diretamente
relacionada à compra, abate e processamento de gado.
Com base nos dados da F&F,
((o))eco apurou que, dos R$ 235 bilhões investidos na indústria da carne, 25%
foram investidos nas empresas JBS, Marfrig e Minerva – respectivamente a
primeira, quinta e a décima mais expostas ao desmatamento na Amazônia, segundo
levantamento do Imazon. A JBS abocanha quase metade desse valor – R$ 25,5
bilhões – dos quais quase R$ 11 bilhões dizem respeito à participação acionária
do BNDES. O banco público de desenvolvimento é o segundo maior acionista da
companhia, com 21,3% de participação, atrás apenas da família Batista,
fundadora da companhia. O dinheiro investido em ações não vai diretamente para
o caixa da JBS, mas ajuda a aumentar o valor de mercado da companhia.
Além do investimento direto
através da compra de ações, ((o))eco apurou, com base nos dados divulgados
nesta terça (1), que o BNDES injeta recursos indiretamente nessas empresas
através de empréstimos feitos com dinheiro público mas operados por bancos comerciais.
Dos R$ 105,3 milhões destinados à JBS, Marfrig e Minerva nessa modalidade, 12%
vieram através de linhas de crédito financiadas pelo banco de desenvolvimento
do Brasil, porém executadas por outras duas instituições financeiras, a
Volkswagen Financial Services e a Mercedes Finance, que aparecem na lista da
F&F, mas na verdade não estão repassando recursos próprios.
Os outros 88%, entretanto, tem
origem em um único contrato, um empréstimo de R$ 93,3 milhões do Bank of
America para a Marfrig, realizado em 2017.
Operação “apaga” participação nos
negócios desmatadores
A partir dos dados da F&F,
((o))eco verificou que a maior parte do dinheiro chega aos
frigoríficos por uma operação financeira chamada “subscrição”, que
acontece quando a empresa contrata um banco para intermediar uma nova investida
sua no mercado de capitais. Ward Warmerdam é pesquisador sênior da Profundo,
empresa responsável pela obtenção dos dados na F&F, e explica que a
subscrição pode acontecer em duas situações: quando uma empresa quer lançar
novas ações na bolsa de valores ou quando quer pedir dinheiro emprestado no
mercado financeiro, através da emissão de títulos de dívida.
“A maioria das empresas não pode
emitir títulos no mercado de capitais por conta própria. Eles precisam contratar
os serviços de bancos como subscritores de emissão. O banco compra todos os
títulos emitidos pela empresa, garantindo que a empresa receba o financiamento
que precisa. Então o banco vende esses títulos a compradores que previamente
assumiram o compromisso de comprá-los, além de outros potenciais compradores”,
explica.
Para os bancos, este é um ótimo
negócio por vários motivos. Eles são pagos pela empresa por este serviço e
possivelmente vão vender as ações ou títulos a um preço mais elevado do que
pagaram, obtendo lucro nesta operação. Além disso, essa operação é temporária e
não fica registrada no balanço financeiro dos bancos – ou seja, a partir do
momento em que todos os títulos foram vendidos, é como se a operação nunca
tivesse acontecido.
“Este último fator é importante
porque significa que a subscrição de títulos não deixa o banco exposto a riscos
da mesma forma que a concessão de um empréstimo”, resume Warmerdam.
Através desta modalidade de
financiamento – temporária, lucrativa e de baixo risco – os bancos injetaram R$
35,9 bilhões na JBS, Marfrig e Minerva entre 2016 e 2020.
Bancos brasileiros precisam fazer
o dever de casa
Se quiser mesmo conter o
desmatamento, o Brasil vai precisar fazer o dever de casa. Segundo os dados
analisados pelo ((o))eco, 55% do dinheiro investido em empresas associadas ao
desmatamento no Brasil é ofertado por instituições brasileiras. O campeão é o
Banco do Brasil, com R$ 156 bilhões, seguido pelo Bradesco, com R$ 39 bilhões –
o mesmo cujo presidente foi ao encontro do vice-presidente Hamilton Mourão para
apresentar um plano integrado para contribuir com a conservação da floresta.
Octavio de Lazari Júnior estava acompanhada de executivos do Itaú e do
Santander, respectivamente o 6° e o 7° maior credores das empresas associadas
ao desmatamento no Brasil.
No caso de JBS, Marfrig e
Minerva, os R$ 59,5 bilhões vieram de 365 instituições de 27 países. Ainda
assim, mais da metade desse valor, R$ 32 bilhões, teve origem no Brasil. Em
seguida vem os Estados Unidos (R$ 11,3 bilhões), Reino Unido (R$ 6,3 bilhões) e
Espanha (R$ 4,2 bilhões). Juntos, esses quatro países somaram 91% do total
investido.
Para Merel van der Mark, da
F&F, é impossível dissociar o fogo que se alastra nos biomas brasileiros
destes valores vultosos. Apesar de ter registrado uma queda de 6% na Amazônia e
12% no Cerrado, os focos de incêndio aumentaram 220% no Pantanal desde o
início do ano, segundo dados do Inpe.
Merel também lembra que a
queimada é só a parte final do processo de destruição da floresta. No caso
da Amazônia, em dois terços das áreas o fogo serve para queimar as árvores
derrubadas e preparar o solo para a criação de gado. Mesmo as queimadas tendo
diminuído, talvez em função do decreto do governo federal que proibiu o uso do
fogo na região por 120 dias – o desmatamento na Amazônia registrou um leve
aumento de janeiro a julho deste ano na comparação com o mesmo período do ano
passado, passando de 4.701 km² para 4.739 km², segundo dados do Inpe.
“Neste momento, incêndios
provocados intencionalmente estão queimando as últimas florestas tropicais
remanescentes do mundo. Trata-se de uma ação ‘barata’ para limpar territórios
já desmatados para a produção de commodities. Bancos globais e investidores
estão conscientemente financiando as gigantes do agronegócio, produtoras desses
commodities, que estão justamente alimentando os fogos”, acusa van der Mark.
A coalizão Forests and Finance
surgiu em 2016, quando as organizações RAN, Profundo e TuK Indonesia se uniram
para rastrear quem financiava setores de alto risco de desmatamento no Sudeste
Asiático. Agora, o grupo somou esforços com o time de jornalistas investigativos
da Repórter Brasil e com as ONGs Amazon Watch e BankTrack para expandir seu
escopo para todo o Brasil e para a África Central e Ocidental.
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