domingo, 6 de setembro de 2020

O eterno Intendente de Porto Alegre: José Montaury


Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre | Brasil 
   
    Conhecido como o “eterno intendente” (prefeito) da Capital gaúcha, José Montaury de Aguiar Leitão (1858-1939) era natural de Niterói (RJ) onde se graduou, em Engenharia Civil, na famosa Escola Politécnica, na qual estudaram figuras que se tornaram ilustres no cenário nacional.  

   Ao exercer o cargo de funcionário federal, da Comissão de Terras e Estabelecimento de Imigrantes, no Rio Grande do Sul, ele conheceu várias cidades gaúchas. Este fato o motivou a fixar moradia em Porto Alegre. Homem de confiança de Júlio de Castilhos (1860-1903) e de Borges de Medeiros (1863-1961), Montaury militava nas bases do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), tendo sido indicado pela cúpula do poder político, para concorrer ao cargo de intendente municipal.  

    De acordo com a historiadora Margaret Bakos, em seu livro Porto Alegre e seus eternos intendentes (2013), Montaury foi eleito e reeleito, por sete vezes consecutivas, no período de 15 /03/1897 até 15/10 /1924, governando Porto Alegre durante 27 anos.  

     O pioneiro

    No ano 1897, ele criou o serviço de Assistência Pública do País, que incluía postos de primeiros socorros e o atendimento à população carente. Porto Alegre foi a primeira capital, no Brasil, a implantar este serviço. Alguns pesquisadores consideram que esta ideia tenha dado origem ao conhecido Pronto Socorro Municipal., que foi inaugurado, mais tarde, em 19 de abril 1944, por Loureiro da Silva (1902-1964)  

    O progresso da Urbe

    Em sua importante obra, O Príncipe Negro (2007), o jornalista Roberto Rossi Jung nos narra que, neste período, o crescimento econômico e populacional de Porto Alegre ocorreu graças ao comércio do seu porto, ao fluxo de imigrantes alemães, italianos e a uma parcela da população negra que, após a Abolição da Escravatura (1884) ocorrida, na então Província de São Pedro (RS), quatro anos antes da Lei Áurea (1888), dirigia-se à Capital em busca de trabalho. O censo de 1900 registrou 73.474 porto-alegrenses.

    Ao iníciar o século 20, o viajante alemão Schwartz Bernard, quando visitou Porto Alegre, considerou a cidade progressista, aproximando-se do modelo europeu de urbanidade.

     Símbolo da arquitetura positivista

    Durante a administração de Montaury, foi construído o prédio da antiga Prefeitura Municipal, cuja arquitetura, de influência positivista, ficou a cargo do engenheiro João Cattani, tendo sido o autor do projeto o arquiteto veneziano Luiz Carrara Colfosco. Inaugurado em 1901, o prédio representa a hegemonia, na época, do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Neste local, durante anos, Montaury despachou, em um período da nossa história, no qual o voto não era secreto e as mulheres não participavam do pleito.




      A indústria

     Ainda em 1901, ocorreu a importante Exposição Agroindustrial, no Campo da Redenção, atual Parque Farroupilha, exibindo novas tecnologias e os produtos que moviam a nossa economia. Em nossa Capital, foram surgindo nossas primeiras fábricas: a Neugebauer (1891), Gerdau (1901) e a Wallig (1904).  O viajante Wilhelm Lacmann, em 1903, deixou-nos o seguinte registro:

   “Porto alegre possui, proporcionalmente, um próspero parque industrial. Áreas tais como: construção de navios, pregos de arame, móveis, artefatos de vidro sabão, fazendas e chapéus. A indústria porto-alegrense é protegida por elevados impostos para importação, o que proporciona a continuidade de sua prosperidade.”

     Agremiação Literária

   No campo literário, após uma reunião preparatória na casa do jornalista e escritor afrodescendente Aurélio Veríssimo de Bittencourt (1849-1919), foi criada,em 1901, a Academia Rio-Grandense de Letras. Composta a sua diretoria, ele se tornou seu primeiro presidente (FRANCO, 2012).

      O Futebol

    Na Porto Alegre de José Montaury, no período de 1903 a 1908, havia apenas dois times: o Grêmio e o Fuss Ball, ambos com a predominância de alemães e seus descendentes. No dia 04 de abril de 1909, fundou-se o Sport Club Internacional por descendentes de italianos.  Estes três clubes, em seus primórdios, não aceitavam negros em seus quadros. Esta discriminação motivou a criação da Liga da Canela Preta, reunindo nove times, na década de 1910, com a participação de negros, mulatos e sararás.

   A Liga da Canela Preta possibilitou aos jogadores das camadas menos favorecidas economicamente, principalmente aos afrodescendentes, o surgimento de um espaço de atuação mais visível, por meio do esporte, e de resistência político-cultural. 

   O quadro desta Liga era composto pelos seguintes times: 8 de setembro, Rio-Grandense, Bento Gonçalves, Primavera, 1º de Novembro, União, Palmeiras, Aquidabã e Venezianos. Os jogadores eram oriundos dos territórios negros de Porto Alegre, como a Colônia Africana (Atual Bairro Rio Branco), antiga Ilhota (imediações do Ginásio Tesourinha e do Centro Municipal de Cultura), Areal da Baronesa (limite entre os bairros Cidade Baixa e Menino Deus) e Mont’Serrat.

     O primeiro Museu

    Criado, em Porto Alegre, em 1903, o Museu do Estado, a partir do decreto de 19 de julho de 1907, passou a denominar-se Museu Júlio de Castilhos. Dirigido, atualmente, pela museóloga Doris Couto, é o mais antigo do estado.  

     Saneamento, eletricidade e transporte

   Associada à modernidade, a necessidade de saneamento levou à Intendência Municipal a comprar, em 1904, a Companhia Hidráulica Guaybense, dando início à construção da casa de bombas na Rua Sete de abril, esquina com a Rua Voluntários da Pátria, para bombear água aos reservatórios localizados em terrenos nos Moinhos de Vento. Em relação ao saneamento da nossa Capital, o viajante Vittorio Bacelli , em 1905, registrou: 

   “O serviço de limpeza urbana de Porto Alegre pode ser apontado como modelo a muitas cidades europeias (…).”

   Em 1906, criou-se a Companhia Força e Luz Porto-Alegrense, que passou a gerar energia elétrica e a implantar novas linhas de transporte dos bondes elétricos, substituindo as antigas maxambombas com atração animal (mulas ou cavalos). Havia, na época, duas empresas de transporte de bondes: a Carris de Ferro e a Carris Urbanos que se uniram, originando  esta  companhia.

      E surge o automóvel ...

   Importado da França e adquirido pelos irmãos Grecco, que eram proprietários do cinema Apollo, o primeiro automóvel – símbolo de modernidade - circulou, na Capital, em abril de 1906. O fato curioso, acerca deste primeiro veículo – um modelo “De Dion Bouton” - é que o único homem que sabia dirigir, em Porto Alegre, encontrava-se preso na Casa de Correção. Por meio de uma solicitação oficial, os irmãos Grecco se responsabilizaram, conseguindo, desta forma, a liberação do detento italiano, cujo nome era Marini Constant. Este os acompanhou, na condição de motorista, a um passeio pelo centro da Capital, onde posaram para fotos. 

  Acompanhando os irmãos Grecco, encontrava-se o famoso fotógrafo amador Lunara, cujo verdadeiro nome é Luiz do Nascimento Ramos (1864-1937). O mais antigo jornal da Capital, ainda, em circulação, o Correio do Povo (1895), publicou, em abril de 1906, a chegada do primeiro “auto” em Porto Alegre. Existe uma fotografia, localizada pela pesquisadora e fotógrafa Eneida Serrano, na qual aparece Lunara e os irmãos Grecco instalados no famoso veículo.


      Lunara

   O trabalho de Lunara foi marcado pelos registros de personagens e lugares, na época, invisibilizados pela elite da nossa cidade, a exemplo da significativa presença africana e de imigrantes. Graças a ele, parte desta história, hoje, compõe nossa iconografia, sendo objeto de estudo acadêmico, visando a recuperar esta memória apagada pela historiografia oficial, por considerá-la, na época, um subproduto cultural.  

     De acordo com os padrões, que eram vigentes, fotografar um detento, entre os ditos “cidadãos do bem”, ou um afrodescendente, era inconcebível, No caso de Lunara, o advérbio de negação, em nome da arte, era descartado.  

    O detento, que conhecia a mecânica e a operação de veículos motorizados, sentiu-se, naquela ocasião, com certeza, o homem mais importante da cidade. Após a sua liberação temporária, Marini Constant retornou à cadeia, mas o seu feito o introduziu na galeria dos nomes que fazem parte da História da nossa Capital.

    A Primeira Greve Geral da Capital e o operariado

     Em outubro de 1906, eclodiu, em Porto Alegre, “A Greve dos 21 dias”, na qual os líderes - o afrodescendente Francisco Xavier da Costa (socialista) e Polidoro Santos (anarquista) -, reivindicavam oito horas de trabalho e melhores salários para os operários. Esta primeira greve geral, no Rio Grande do Sul, obteve conquistas importantes para o operariado, embora os confrontos e prisões ocorridas. Em torno de 3,5 mil operários ocuparam ruas e praças da cidade.

      A Educação

    Na área da educação, durante a gestão de Montaury, surgiram tradicionais estabelecimentos de ensino, como Sevigné (1900), Rosário (1904), Bom Conselho (1905), Parobé (1906) e Nossa Senhora das Dores (1908). Já no campo do ensino superior, foram criadas as nossas primeiras universidades: Faculdade de Farmácia (1896), Engenharia (1896), Medicina (1898) e Direito (1900), dando início à vida acadêmica em Porto Alegre.

   A política de alfabetização, implantada pelo Presidente do Estado Borges de Medeiros, acompanhou também o desenvolvimento da Capital, impulsionado na gestão de José Montaury.

   Ainda no ano de 1906, criou-se, em Porto Alegre, o Instituto Técnico Parobé, visando a qualificar o operário, por meio do ensino profissionalizante e técnico, de acordo com a doutrina positivista de Augusto Comte (1798-1857) que foi adaptada, em nosso estado, com o nome de “Ditadura Científica”, servindo de inspiração a Júlio de Castilhos na elaboração da nossa primeira Constituição Estadual de 1891. 

   No MuseCom, há um exemplar impresso e original desta Constituição, escrita por Júlio Prates de Castilhos, cuja marca é o seu centralismo político, fortalecendo o Poder Executivo, em detrimento do Legislativo,  reeleições sucessivas, além do voto a descoberto , que segundo o  discurso positivista tornava a votação transparente, “às claras”. Na realidade, esta prática facilitava a fraude eleitoral e a perpetuação no poder.

   Segundo o nosso historiador Sérgio da Costa Franco, esta Constituição foi motivo de duas revoluções que deixaram marcas no Rio Grande do Sul: A Federalista (1893-1895) - a mais sangrenta com a presença massiva da prática da degola, totalizando 10.000 mortes -, e a Libertadora ou Assisista (1923) na qual o grupo republicano dissidente - liderado por Assis Brasil (1857-1938) - aliou-se à facção maragata (oposição), para combater o governo de Borges de Medeiros, que se perpetuava no poder por meio de eleições fraudulentas. 


        Espaços de sociabilidades

    O modelo burguês europeu do “bem viver” era reproduzido nos espaços de lazer da cidade, como as sociedades, os saraus domésticos, as confeitarias, os cafés, os hipódromos, o velódromo (ciclismo), os clubes de remo, as sessões de cinematógrafo e o tradicional “footing” da Rua da Praia. Considerada a mais antiga e tradicional rua da cidade, nela os “cidadãos de bem” passeavam, exibindo o vestuário da moda.  Quanto à sua importância, o viajante Annibal Amorim assim registrou entre 1907 e 1908:

 “Em Porto Alegre cada rua tem dois nomes: um popular outro municipal. É uma confusão diabólica para o recem vindo. A dos Andradas é a mais importante. É mesmo a via publica da moda.“ 

     O porto-alegrense, com menor poder aquisitivo, divertia-se pelos botequins, quiosques, e bailes populares. A elite frequentava espaços antigos, seletivos e tradicionais da cidade, como o Theatro São Pedro (1858) a Sociedade Esmeralda (1873), a Sociedade Germânia (1855) – a mais antiga da nossa Capital - e a Vittorio Emanuelle (1877), além dos banquetes no famoso Grande Hotel (1918) e no Clube do Comércio (1896) e os encontros com os amigos na Confeitaria Rocco (1912).

   A comunidade afrodescendente frequentava a tradicional Sociedade Floresta Aurora (1872). Fundada, por negros alforriados, é a mais antiga no Brasil, ainda, em atividade. Nela, os afrodescendentes buscavam reproduzir o modelo burguês das outras sociedades frequentadas pela elite porto-alegrense. Havia também a Sociedade Os Venezianos, de caráter mais popular, que rivalizava, em seus desfiles carnavalescos, com a Sociedade Esmeralda. 

   Espaço tradicional de encontro e lazer dos porto-alegrenses, o Chalé da Praça XV, construído no ano 1885, na Praça Conde d"Eu,  atual Praça XV, era voltado à venda de sorvetes e de bebidas. Demolido, foi construído, em 1911, no mesmo local, em estilo "Art-Nouveau", um novo chalé durante a gestão do prefeito José Montaury. O prazer de ser fotografado pelos antigos lambe-lambes e encontrar-se com os amigos, nesse local, constituía-se numa prática do cotidiano do porto-alegrense. O Chalé da Praça XV faz parte da nossa história patrimonial e cultural. 

      A rede de esgotos da cidade

   De 1907 a 1912, foi sendo implantado o nosso primeiro sistema de esgotos cloacais. Os resíduos eram recolhidos nas residências, casas comerciais e despejados no Guaíba.          Graças à política de saneamento de Montaury, o percentual da mortalidade infantil, que atingia a faixa de 32,2%, reduziu-se a 17,9%. Em 1914, ano em que eclodiu a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), concluiu-se o primeiro Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre, criado pelo engenheiro-arquiteto João Moreira Maciel. 

     Em 1908, funda-se, em 22 de abril, no salão nobre da Biblioteca Pública do Estado, o Instituto de Belas Artes, assumindo como seu primeiro presidente o Dr. Olímpo Olinto de Oliveira (1865-1956). Ainda neste mesmo ano, o empresário Ganzo Fernandes cria a Cia. Telefônica Rio–Grandense.

     A Gripe Espanhola

   No fatídico ano de 1918, a partir do mês de outubro, surgiram os primeiros casos da Gripe Espanhola, causando, ao longo de três meses, 1.316 óbitos numa população de 192 mil porto-alegrenses. Diante do pequeno percentual de médicos, Montaury dividiu a cidade em 33 quarteirões, onde em cada um havia um médico e estudantes de Medicina, para atender a um número significativo de doentes.

  Muitos profissionais foram contaminados, durante esta epidemia, e faleceram, como registra o livro publicado, em 1998, pela editora PUC / RS, cujo título é “A História de Uma Epidemia: A Hespanhola em Porto Alegre, 1918”, da historiadora Janete Abrão. Durante a sua pesquisa, o acervo do MuseCom, principalmente, por meio de sua importante hemeroteca, foi imprescindível  na conclusão exitosa de seu trabalho. 

    O visual citadino / arquitetos e engenheiros

   Com o apoio da burguesia, muitos prédios que, atualmente, são importantes patrimônios culturais de Porto Alegre -, foram construídos nesse período. De 1908 a 1930, o arquiteto teuto Theo Wiederspahn (1878-1952), realizou inúmeros projetos, na Capital, a exemplo da Delegacia Fiscal da Fazenda no Estado (1914), que, desde 1978, é sede do Museu de Arte Ado Malagoli (MARGS) e do antigo Hotel Majestic (1916-1933) onde, a partir de 1990, passou a funcionar a Casa de Cultura Mário Quintana. 

    No ano de 1909, chegou à Capital, vindo da França, o arquiteto Maurice Gras, que assinou o contrato para a construção do atual Palácio Piratini. No ano de 1912, o eng. Affonso Hebert, deu início às obras da Biblioteca Pública, cuja continuidade da construção ficou sob a responsabilidade do engenheiro Teófilo Borges de Barros. Suas fachadas se tratam de uma verdadeira obra de arte, onde podemos apreciar o “Calendário Positivista”, cujo conjunto escultórico é composto de bustos dos grandes vultos da humanidade. Atualmente, este nobre espaço cultural é dirigido por Morgana Marcon. Ainda em 1912, em nossa cidade, foi fundado o tradicional Colégio Militar. 

   Porto Alegre pela lente de Virgílio Calegari

  As transformações que mudaram o visual citadino e o comportamento dos porto-alegrenses, sob a influência do positivismo, foram registradas pela lente de um dos grandes nomes da arte de fotografar: o ítalo-brasileiro Virgílio Calegari (1868-1937).     O seu famoso atelier se localizava na Rua da Praia, entre a Caldas Júnior, antiga Payssandu, e a General João Manoel, que era, na época, conhecida como a quadra dos italianos. Frequentar seu estúdio era símbolo de status. Suas fotografias ilustram revistas importantes que circularam, naquela época, como Máscara (1918-1928), Kodak (1912-1923) e a Revista do Globo (1929-1967). Enquanto o fotógrafo Lunara privilegiou os personagens e espaços invisíveis, na época, aos olhos da classe dominante, Virgílio Calegari registrou as transformações da Urbe e personalidades de destaque social, como a esposa de Borges de Medeiros, chamada Dona Carlinda, entre outras.

     A nova sede do jornal que apoiava o correligionário Montaury  

   Durante a sua gestão, a ampliação da antiga Travessa Paysandu, atual Rua Caldas Júnior, na esquina com a Rua dos Andradas, possibilitou a construção da nova sede do jornal A Federação (1884-1937). Órgão do Partido Republicano Rio-Grandense, este prédio foi construído pelo engenheiro Teófilo Borges de Barros, tendo sido inaugurado, em 06 de setembro de 1022, durante as comemorações do Centenário da Independência do Brasil (1822-1922), contando com a presença das autoridades da época, entre outras do presidente do Estado Augusto Borges de Medeiros, e representantes dos principais jornais que circulavam na época. A bela estátua, que representa a Imprensa e decora a fachada principal do prédio, é de autoria do escultor italiano Luis Sanguin (1877-1948).  

    Desde 10 de setembro de 1974, este local abriga o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa (MuseCom), que completará seus 46 anos de atividades culturais junto à sociedade gaúcha. Fundado durante as comemorações do bicentenário (1774-1974) de nascimento de Hipólito José da Costa (1774-1823) - “Patrono da Imprensa no Brasil”- o museu tem como missão a guarda, a preservação e a difusão da memória da Comunicação, sendo, atualmente, dirigido pelo museólogo Welington Silva.

         Aquiles Porto Alegre (1848-1926)

     O jornalista e escritor Achyles Porto Alegre, em seu livro “Através do Passado”, pp  45-6,  narra as transformações do dia a dia da urbe de maneira quase poética, como registra este trecho de uma das suas crônicas:

    “Ao invés da iluminação azeite de peixe – a luz elétrica, ao invés da maxambomba, que não matava ninguém – o elétrico e o auto, que como epidemia, estão sempre fazendo vítimas – eis o que o progresso nos trouxe.  É doloroso – mas é bonito. Não temos mais frades de pau à porta de casa, nem, de pedra às esquinas. Temos postes telefônicos e de luz elétrica, que nos trazem a casa, de longe, num relâmpago, a palavra e a luz”.

       As mudanças políticas e o fim da Era Montaury

     Com o Tratado de Paz de Pedras Altas, assinado em 14 de dezembro de 1923, encerrou-se a Revolução de 23 ou Assisista, ficando estabelecido, em uma das suas cláusulas, que não haveria mais reeleições. Indicado pelo Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954) decidiu concorrer à próxima eleição e venceu, assumindo ,em 1928, o governo do Rio Grande do Sul. Com o final da chamada “Era Borges”, nosso prefeito José Montaury teve seus mandatos sucessivos encerrados, pois já não contava com a sustentação política de Borges de Medeiros, que governou, por mais de 20 anos, o Rio Grande do Sul.  Com a mudança da Lei Orgânica de Porto Alegre, a reeleição se tornou proibida. 

    No ano de 1924, Montaury frente às mudanças políticas e da proibição quanto à reeleição, deixou a Prefeitura, passando esta a ser administrada por seu sucessor Otávio Rocha (1877-1928), que deu continuidade ao projeto de modernização de Porto Alegre, modificando ainda mais a sua paisagem urbana. Apesar do progresso citadino, a oposição, por meio da imprensa, criticava a figura de Montaury pelo fato dele ser solteiro, ter nascido no Rio de Janeiro, ou seja, não ser gaúcho e não possuir uma residência própria em Porto Alegre. Sua administração também enfrentou  acusações, como de pagar altos salários aos funcionários municipais e de fraudular os orçamentos de Porto Alegre.

      A Frente Única Gaúcha  (FUG)

     Somente Getúlio Dornelles Vargas, sucessor de Borges de Medeiros, em 1928, conseguiu, por um período, acalmar os ânimos da dicotomia presente na política local , quando criou a Frente Única Gaúcha, unindo eternos inimigos políticos. Neste contexto, chimangos (lenço branco) e maragatos (lenço vermelho) somaram forças, visando a conquistar o poder federal sob a liderança de Getúlio Vargas. Com a eclosão da Revolução de 30, a partir da formação da Aliança liberal (Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraiba), ele chegou ao cargo máximo da nação, inaugurando a Era Vargas.

    Nosso prefeito, quando faleceu em 1939, era um homem pobre, embora tenha sido um homem, extremamente, caridoso e preocupado com os menos favorecidos na pirâmide social. Diante desta realidade, a acusação, direcionada à sua figura, de fraudular os orçamentos do município, torna-se utópica e irrelevante. 

   Sem herdeiros imediatos, deixou apenas os vencimentos do último mês: 400 mil réis, uma soma inferior a dois salários mínimos da época. No ano de 1922, ele foi homenageado por meio de uma moeda alusiva aos 100 anos da elevação de Porto Alegre à categoria de cidade (1822), e, atualmente, “O Eterno Intendende” - José Montaury - é nome de uma rua em Porto Alegre. 
                                               
*Pesquisador e responsável pelo Núcleo de Pesquisa do MuseCom.

Imagens: 
1-Porto Alegre  bico de Pena
2-Automóvel com a presença do fotógrafo Lunara / ronaldofotografia.blogspot.com
3-A Ilhota - Foto do famoso fotógrafo Lunara / Acervo MuseCom
4-Prefeito José Montaury / Acervo do Museu de Porto Alegre

Bibliografia
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