Catarina Martins ao Expresso:
“Não há injecção no Novo Banco e faz-se uma auditoria com uma comissão pública”
Catarina Martins elege o Novo
Banco como um dos principais eixos para uma negociação do Orçamento do Estado:
não aceita transferências diretas para o Fundo de Resolução e recusa todas as
alternativas. Quer uma auditoria feita pelo Banco de Portugal, Tribunal de
Contas e Inspeção-Geral das Finanças.
Catarina Martins elege o Novo
Banco como um dos principais eixos para uma negociação do Orçamento do Estado
(OE) que será dura (ver texto pág. 12): não aceita transferências diretas para
o Fundo de Resolução e recusa todas as alternativas (como o financiamento
através dos mercados). A coordenadora do BE faz depender a viabilização do OE
do fim do financiamento do banco e de uma nova auditoria levada a cabo por
instituições públicas. Objetivo final: denunciar o contrato com a Lone Star.
“Não há injecção no Novo Banco e
faz-se uma auditoria com uma comissão pública”
Catarina Martins elege o Novo
Banco como um dos principais eixos para uma negociação do Orçamento do Estado:
não aceita transferências diretas para o Fundo de Resolução e recusa todas as
alternativas (como o financiamento através dos mercados). A coordenadora do
Bloco faz depender a viabilização do OE do fim do financiamento do banco e de
uma nova auditoria levada a cabo por instituições públicas. Objetivo final:
denunciar o contrato com a Lone Star.
Disse que não aprovava “nem mais
um tostão” para o Novo Banco no Orçamento do Estado. Se houver lá um cêntimo
vota contra?
O BE opôs-se sempre à solução
para o Novo Banco, à forma como foi feita a resolução e à entrada da Lone Star.
Já não é só uma divergência sobre o que devemos fazer à banca de uma forma
geral: é haver indícios fortíssimos de que a gestão do Novo Banco está a lesar
objetivamente o Estado português e que tem negócios preocupantes do ponto de
vista do crime económico. É preciso fazer escolhas claras. E uma escolha clara
para nós é o caminho para a denúncia do contrato com a Lonestar.
O que é que essa denúncia
implicaria? Com que bases?
Todo o negócio com a Lone Star
foi à margem do Parlamento e não conhecíamos sequer o contrato. Só quando foi
injetado dinheiro, antes de uma auditoria é que de repente aparece o contrato.
Onde está o contrato? Entre o contrato que foi assinado com a Lone Star e o que
foi comprometido com a Comissão Europeia estamos numa situação em que o buraco
não tem fundo. Temos uma gestão do Novo Banco que está a imputar perdas ao
erário público aparentemente num negócio que lesa o interesse público
diretamente: vendas de imobiliário muito abaixo do preço de custo, vendas a
compradores que não são idóneo, vendas escondidas em offshores. Temos
uma série de gente a ganhar dinheiro à conta de fazer buracos no Novo Banco
pago pelo Fundo de Resolução. O Fundo está no perímetro do Estado para o
défice.
Não aceitam outra solução: de o
Fundo de Resolução ir ao mercado, de os bancos porem o dinheiro ou outra
alternativa?
Não há soluções alternativas.
O ministro das Finanças falou em
soluções alternativas embora não especificando...
Para nós, a solução alternativa é
fazer o caminho para a denúncia do contrato de maneira a defender o Estado
português. É óbvio, para início de conversa, que o Fundo de Resolução tem de
ser demitido: fez tudo o que a Lone Star queria, que não viu nada e que está a
deixar o Estado ser roubado em milhares de milhões de euros.
Então qual é a solução?
Não queremos no próximo Orçamento
do Estado qualquer tipo de injeção no Novo Banco, nem que haja transferência
direta do OE para o Fundo de Resolução, nem naturalmente que o Fundo de Resolução
se endivide para injetar dinheiro no banco, porque vai sempre a défice. Num
momento de crise, quem se preocupa com a trajetória do défice quando estamos a
falar de investir mais no SNS, tem de se preocupar com a trajetória do défice
para continuarmos a dar dinheiro à Lone Star. Não tem nenhum sentido. Mas isto
tem de ser feito de forma prudente, não queremos criar nenhum problema maior ao
Estado.
Denunciando o contrato, ou há uma
resolução, ou uma nacionalização...
O contrato deve ser denunciado
com bases sólidas. O Estado não pode colocar mais dinheiro no Novo Banco até
ter uma auditoria séria que não é a da Deloitte. Compreendemos que há um
problema grande de conflito de interesses com as quatro maiores empresas deste
género, porque todas andaram a ganhar dinheiro à conta do Novo Banco.
Quem poderia fazer essa
auditoria?
Tem de ser feito por uma comissão
pública. Há três instituições que têm os ténicos e a capacidade para criar uma
comissão pública para essa auditoria que são o Banco de Portugal, a Inspecção-Geral
das Finanças e o Tribunal de Contas. O que o Estado deve fazer é um caminho
sério de audição por entidades públicas do que aconteceu. O Estado não pode
pedir a quem andou a ganhar com o prejuízo do erário público para dizer que
está tudo bem feito. Dirão sempre que está tudo bem feito. É preciso sair deste
circulo vicioso e defender o interesse público e para o fazer é preciso criar a
comissão pública. Juntando as capacidades destas instituições era possível
fazer uma auditoria pública às contas do Novo. Todos os dias é notícia a forma
como o Estado tem sido assaltado. O Estado não pode ficar de braços cruzados a
achar que isto é normal.
Isso significa a nacionalização
do banco?
Essa é a propostas do BE desde o
início. Sempre soubemos que a resolução do BES ia ficar cara ao país. Há duas
formas de fazer isto: uma é o Estado não controlar e deixar que o sistema
financeiro continue a assaltar os cofres públicos, a outra é o Estado controlar
as perdas e pôr um banco ao serviço da economia.
Quanto é que o Estado teria de
gastar com esse processo?
Na altura disseram-nos que
ficaria muito mais caro do que entregar à Lone Star, mas também nos garantiam
que entregar à Lone Star nunca custaria oito mil milhões de euros. Já limpámos
este banco muitas vezes e está na altura de começar a geri-lo bem e gerir bem
os seus ativos. O que a Lone Star faz é vender carteiras de crédito muito
abaixo da avaliação, regista essa perda e vai buscar o dinheiro dessa perda.
Ganha quanto quer.
Para a posição do BE no OE qual é
o pressuposto? Basta o Governo não fazer a injeção, é dizer que vai fazer a
auditoria ou que vai nacionalizar o banco?
A nossa proposta é simples. A
nossa convicção é que o contrato está errado e há dois caminhos: ou vamos
continuar a injetar dinheiro no Novo Banco quando não se sabe em que
quantidade. Cruzando o contrato com o que foi negociado com a Comissão
Europeia, pode não parar no capital contingente que tinha sido anunciado por
Mário Centeno. Pode ser mais de oito mil milhões.
A pergunta é: o que é que o
Governo tem de fazer no OE sobre o Novo Banco para o BE ficar confortável?
No OE basta que não haja nenhuma
transferência para o Novo Banco nem nenhuma autorização de transferência para o
Fundo de Resolução — que aumenta o défice. Mas isso não chega.
É uma linha vermelha?
No momento em que estamos numa
enorme crise e com indícios tão fortes de que a gestão do NB está a lesar o
interesse público em milhões e milhões, seria uma irresponsabilidade termos um
Orçamento para 2021 que continuava a fazer transferências ou a autorizar
transferências para o Novo Banco. Isso não pode acontecer. Mas o Estado não
pode simplesmente fechar essas transferências e não fazer mais nada. Isso
também seria irresponsável. A proposta do BE é esta: não há nenhuma injecção no
Novo Banco e faz-se uma auditoria com uma comissão pública com vista ao
processo de denúncia do contrato com a Lone Star.
O tempo que isso demoraria
poderia levar ao dia em que seria necessário, para cumprir o contrato, fazer a
transferência, ou haveria um problema com o banco...
O que não podemos aceitar é isso.
O que me está a dizer é assim: o Estado fez um contrato — como sabem o BE não
conhecia o contrato até há bem pouco tempo e achamos o contrato desastroso —, a
outra parte não cumpre o contrato. E o que me está a dizer é que não se pode
travar a sangria porque tem de cumprir aquele contrato? Não, tem de investigar
o que se está a passar, temos de nos levar a sério.
O primeiro-ministro enviou um
pedido à Procuradoria-Geral da República (PGR) por causa das denúncias de
gestão danosa por parte do Novo Banco. A PGR respondeu que não iria travar
vendas futuras porque não encontrou indícios...
Mas a PGR não o pôde fazer. Por
isso queremos uma comissão para essa auditoria. O que a PGR diz é que não
consegue saber o que lá se passa. Mas a PGR não investigou. Alguém investigou?
A única auditoria que conhecemos é a da Deloitte que foi parte num dos
negócios. Já se percebeu que estas grandes auditoras internacionais estão todas
ligadas aos fundos.
A comissão de inquérito pode
ajudar…
A Comissão de inquérito tem um
âmbito diferente e deve acontecer. Mas uma auditoria é fundamental e uma
auditoria é o primeiro passo até para uma comissão de inquérito funcionar bem.
Quanto tempo demorará a fazer?
Tem de ser rápido...
No Orçamento do Estado não se
autorizaria nenhuma transferência porque, tal como dissemos antes, não podia
haver transferência sem auditoria. Não havendo auditoria, enquanto não houver
resultados não há nenhuma transferência. Julgo que seria bom incentivo até para
que o NB deixasse os auditores terem acesso às contas.
Reuniram esta semana com o
ministro das Finanças sobre o NB. Como é que recebeu a vossa proposta?
As negociações fazem-se à mesa.
Já fez essa proposta?
Temos vindo a fazer propostas ao
longo do tempo que têm esbarrado no facto de o Governo nos apresentar
meias-soluções.
O Governo já lhe disse se a irá
declarar a auditoria nula?
Ainda não respondeu. A auditoria
devia ser pública, toda a gente devia poder lê-la porque não diz absolutamente
nada, quase nada. Chega a ser ridículo. Limita-se a constatar. Uma auditoria
que constata e não investiga não serve para absolutamente nada.
Não aceitam a possibilidade de os
bancos o fazerem, como fizeram em 2014?
Não, para já os bancos não têm
essa capacidade financeira, vão fazê-lo sempre por via de empréstimo. E quando
o Fundo de Resolução se endivida, entra nas contas do Estado, conta para
défice.
Dado que não aceitam nenhuma
solução e que diz que não há alternativa, se o
Governo não fizer o que estão a
propor, não há acordo possível?
Estamos a discutir soluções.
Chegamos a um OE, o que vamos fazer?
Continuar a fazer o mesmo de
sempre ou travar esse processo?
Não admitem uma solução
transitória dado que a auditoria pode demorar algum tempo, para o banco não cair?
Não há nenhuma razão para o Novo
Banco receber dinheiro antes de haver auditoria séria.
Até maio, data em que tem de ser
feita a transferência anual para o Novo Banco, esta auditoria teria de estar
concluída, dado que não convinha deixá-lo cair...
Não queremos nenhuma solução
irresponsável. O que não queremos é deixar andar, o que é absolutamente
irresponsável.
Uma nacionalização não ia
consumir recursos públicos que fossem roubar recursos a áreas que o BE
considera fundamentais?
A entrega à Lone Star consumir
mais recursos do que qualquer pessoa algum dia podia ter imaginado.
Já chegaram a um acordo com o PS
sobre o âmbito da comissão de inquérito?
Não. O BE tem uma preocupação
essencial: que o âmbito seja certeiro. Se for sobre tudo, é sobre nada.
O PS está a tentar fazer um
inquérito sobre tudo, indo lá atrás...
A auditoria da Deloitte também é
um pouco isso, fala de tudo e não investiga nada.
No âmbito que apresentaram, há
uma parte que se foca muito neste Governo e em Mário Centeno. Qual
a responsabilidade de Centeno neste processo?
Teve a responsabilidade de ser o
ministro das Finanças que decidiu entregar o Novo Banco à Lone Star, em
sintonia com todo o Governo, com o Presidente da República e com a Comissão
Europeia. Foi um erro e tanto o Bloco de Esquerda como o PCP apresentaram
alternativas que não vingaram. Essa responsabilidade é de três tipos: de
decidir que um banco como o Novo Banco devia ser vendido a um privado ainda que
soubesse que iria ter perdas para o Estado; na decisão sobre o comprador, há
uma altura em que se aceita vender a um fundo abutre; e foi mau fazê-lo com
este tipo de contrato, o que faz não só que seja um buraco sem fundo como o
Estado, que é accionista, não tem ninguém na administração e por isso não
sabemos o que se passa no banco.
Centeno é por isso um dos
principais responsáveis para o BE?
Sim. Dito isto, também é preciso
que a comissão de inquérito se debruce sobre a administração.
E enquanto governador?
Não deixa de ser surpreendente
que não envie a auditoria interna do BdP que enquanto ministro queria conhecer
e queria que fosse pública. Acho que não se devem criar dificuldades ao Estado
português, mas soluções, e portanto percebo que eventualmente haja questão
legal que tenha de resolver, mas o que Mário Centeno tem de fazer é resolver
para tornar público o que sempre quis que fosse.
Liliana Valente | Vítor Martins |
Expresso
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