sábado, 12 de setembro de 2020

Portugal | Orçamento sem injecção no Novo Banco e com uma auditoria -- BE


Catarina Martins ao Expresso: “Não há injecção no Novo Banco e faz-se uma auditoria com uma comissão pública”

Catarina Martins elege o Novo Banco como um dos principais eixos para uma negociação do Orçamento do Estado: não aceita transferências diretas para o Fundo de Resolução e recusa todas as alternativas. Quer uma auditoria feita pelo Banco de Portugal, Tribunal de Contas e Inspeção-Geral das Finanças.

Catarina Martins elege o Novo Banco como um dos principais eixos para uma negociação do Orçamento do Estado (OE) que será dura (ver texto pág. 12): não aceita transferências diretas para o Fundo de Resolução e recusa todas as alternativas (como o financiamento através dos mercados). A coordenadora do BE faz depender a viabilização do OE do fim do financiamento do banco e de uma nova auditoria levada a cabo por instituições públicas. Objetivo final: denunciar o contrato com a Lone Star.

“Não há injecção no Novo Banco e faz-se uma auditoria com uma comissão pública”

Catarina Martins elege o Novo Banco como um dos principais eixos para uma negociação do Orçamento do Estado: não aceita transferências diretas para o Fundo de Resolução e recusa todas as alternativas (como o financiamento através dos mercados). A coordenadora do Bloco faz depender a viabilização do OE do fim do financiamento do banco e de uma nova auditoria levada a cabo por instituições públicas. Objetivo final: denunciar o contrato com a Lone Star.

Disse que não aprovava “nem mais um tostão” para o Novo Banco no Orçamento do Estado. Se houver lá um cêntimo vota contra?

O BE opôs-se sempre à solução para o Novo Banco, à forma como foi feita a resolução e à entrada da Lone Star. Já não é só uma divergência sobre o que devemos fazer à banca de uma forma geral: é haver indícios fortíssimos de que a gestão do Novo Banco está a lesar objetivamente o Estado português e que tem negócios preocupantes do ponto de vista do crime económico. É preciso fazer escolhas claras. E uma escolha clara para nós é o caminho para a denúncia do contrato com a Lonestar.

O que é que essa denúncia implicaria? Com que bases?

Todo o negócio com a Lone Star foi à margem do Parlamento e não conhecíamos sequer o contrato. Só quando foi injetado dinheiro, antes de uma auditoria é que de repente aparece o contrato. Onde está o contrato? Entre o contrato que foi assinado com a Lone Star e o que foi comprometido com a Comissão Europeia estamos numa situação em que o buraco não tem fundo. Temos uma gestão do Novo Banco que está a imputar perdas ao erário público aparentemente num negócio que lesa o interesse público diretamente: vendas de imobiliário muito abaixo do preço de custo, vendas a compradores que não são idóneo, vendas escondidas em offshores. Temos uma série de gente a ganhar dinheiro à conta de fazer buracos no Novo Banco pago pelo Fundo de Resolução. O Fundo está no perímetro do Estado para o défice.


Não aceitam outra solução: de o Fundo de Resolução ir ao mercado, de os bancos porem o dinheiro ou outra alternativa?

Não há soluções alternativas.

O ministro das Finanças falou em soluções alternativas embora não especificando...

Para nós, a solução alternativa é fazer o caminho para a denúncia do contrato de maneira a defender o Estado português. É óbvio, para início de conversa, que o Fundo de Resolução tem de ser demitido: fez tudo o que a Lone Star queria, que não viu nada e que está a deixar o Estado ser roubado em milhares de milhões de euros.

Então qual é a solução?

Não queremos no próximo Orçamento do Estado qualquer tipo de injeção no Novo Banco, nem que haja transferência direta do OE para o Fundo de Resolução, nem naturalmente que o Fundo de Resolução se endivide para injetar dinheiro no banco, porque vai sempre a défice. Num momento de crise, quem se preocupa com a trajetória do défice quando estamos a falar de investir mais no SNS, tem de se preocupar com a trajetória do défice para continuarmos a dar dinheiro à Lone Star. Não tem nenhum sentido. Mas isto tem de ser feito de forma prudente, não queremos criar nenhum problema maior ao Estado.

Denunciando o contrato, ou há uma resolução, ou uma nacionalização...

O contrato deve ser denunciado com bases sólidas. O Estado não pode colocar mais dinheiro no Novo Banco até ter uma auditoria séria que não é a da Deloitte. Compreendemos que há um problema grande de conflito de interesses com as quatro maiores empresas deste género, porque todas andaram a ganhar dinheiro à conta do Novo Banco.

Quem poderia fazer essa auditoria?

Tem de ser feito por uma comissão pública. Há três instituições que têm os ténicos e a capacidade para criar uma comissão pública para essa auditoria que são o Banco de Portugal, a Inspecção-Geral das Finanças e o Tribunal de Contas. O que o Estado deve fazer é um caminho sério de audição por entidades públicas do que aconteceu. O Estado não pode pedir a quem andou a ganhar com o prejuízo do erário público para dizer que está tudo bem feito. Dirão sempre que está tudo bem feito. É preciso sair deste circulo vicioso e defender o interesse público e para o fazer é preciso criar a comissão pública. Juntando as capacidades destas instituições era possível fazer uma auditoria pública às contas do Novo. Todos os dias é notícia a forma como o Estado tem sido assaltado. O Estado não pode ficar de braços cruzados a achar que isto é normal.

Isso significa a nacionalização do banco?

Essa é a propostas do BE desde o início. Sempre soubemos que a resolução do BES ia ficar cara ao país. Há duas formas de fazer isto: uma é o Estado não controlar e deixar que o sistema financeiro continue a assaltar os cofres públicos, a outra é o Estado controlar as perdas e pôr um banco ao serviço da economia.

Quanto é que o Estado teria de gastar com esse processo?

Na altura disseram-nos que ficaria muito mais caro do que entregar à Lone Star, mas também nos garantiam que entregar à Lone Star nunca custaria oito mil milhões de euros. Já limpámos este banco muitas vezes e está na altura de começar a geri-lo bem e gerir bem os seus ativos. O que a Lone Star faz é vender carteiras de crédito muito abaixo da avaliação, regista essa perda e vai buscar o dinheiro dessa perda. Ganha quanto quer.

Para a posição do BE no OE qual é o pressuposto? Basta o Governo não fazer a injeção, é dizer que vai fazer a auditoria ou que vai nacionalizar o banco?

A nossa proposta é simples. A nossa convicção é que o contrato está errado e há dois caminhos: ou vamos continuar a injetar dinheiro no Novo Banco quando não se sabe em que quantidade. Cruzando o contrato com o que foi negociado com a Comissão Europeia, pode não parar no capital contingente que tinha sido anunciado por Mário Centeno. Pode ser mais de oito mil milhões.

A pergunta é: o que é que o Governo tem de fazer no OE sobre o Novo Banco para o BE ficar confortável?

No OE basta que não haja nenhuma transferência para o Novo Banco nem nenhuma autorização de transferência para o Fundo de Resolução — que aumenta o défice. Mas isso não chega.

É uma linha vermelha?

No momento em que estamos numa enorme crise e com indícios tão fortes de que a gestão do NB está a lesar o interesse público em milhões e milhões, seria uma irresponsabilidade termos um Orçamento para 2021 que continuava a fazer transferências ou a autorizar transferências para o Novo Banco. Isso não pode acontecer. Mas o Estado não pode simplesmente fechar essas transferências e não fazer mais nada. Isso também seria irresponsável. A proposta do BE é esta: não há nenhuma injecção no Novo Banco e faz-se uma auditoria com uma comissão pública com vista ao processo de denúncia do contrato com a Lone Star.

O tempo que isso demoraria poderia levar ao dia em que seria necessário, para cumprir o contrato, fazer a transferência, ou haveria um problema com o banco...

O que não podemos aceitar é isso. O que me está a dizer é assim: o Estado fez um contrato — como sabem o BE não conhecia o contrato até há bem pouco tempo e achamos o contrato desastroso —, a outra parte não cumpre o contrato. E o que me está a dizer é que não se pode travar a sangria porque tem de cumprir aquele contrato? Não, tem de investigar o que se está a passar, temos de nos levar a sério.

O primeiro-ministro enviou um pedido à Procuradoria-Geral da República (PGR) por causa das denúncias de gestão danosa por parte do Novo Banco. A PGR respondeu que não iria travar vendas futuras porque não encontrou indícios...

Mas a PGR não o pôde fazer. Por isso queremos uma comissão para essa auditoria. O que a PGR diz é que não consegue saber o que lá se passa. Mas a PGR não investigou. Alguém investigou? A única auditoria que conhecemos é a da Deloitte que foi parte num dos negócios. Já se percebeu que estas grandes auditoras internacionais estão todas ligadas aos fundos.

A comissão de inquérito pode ajudar…

A Comissão de inquérito tem um âmbito diferente e deve acontecer. Mas uma auditoria é fundamental e uma auditoria é o primeiro passo até para uma comissão de inquérito funcionar bem.

Quanto tempo demorará a fazer? Tem de ser rápido...

No Orçamento do Estado não se autorizaria nenhuma transferência porque, tal como dissemos antes, não podia haver transferência sem auditoria. Não havendo auditoria, enquanto não houver resultados não há nenhuma transferência. Julgo que seria bom incentivo até para que o NB deixasse os auditores terem acesso às contas.

Reuniram esta semana com o ministro das Finanças sobre o NB. Como é que recebeu a vossa proposta?

As negociações fazem-se à mesa.

Já fez essa proposta?

Temos vindo a fazer propostas ao longo do tempo que têm esbarrado no facto de o Governo nos apresentar meias-soluções.

O Governo já lhe disse se a irá declarar a auditoria nula?

Ainda não respondeu. A auditoria devia ser pública, toda a gente devia poder lê-la porque não diz absolutamente nada, quase nada. Chega a ser ridículo. Limita-se a constatar. Uma auditoria que constata e não investiga não serve para absolutamente nada.

Não aceitam a possibilidade de os bancos o fazerem, como fizeram em 2014?

Não, para já os bancos não têm essa capacidade financeira, vão fazê-lo sempre por via de empréstimo. E quando o Fundo de Resolução se endivida, entra nas contas do Estado, conta para défice.

Dado que não aceitam nenhuma solução e que diz que não há alternativa, se o
Governo não fizer o que estão a propor, não há acordo possível?

Estamos a discutir soluções. Chegamos a um OE, o que vamos fazer?

Continuar a fazer o mesmo de sempre ou travar esse processo?

Não admitem uma solução transitória dado que a auditoria pode demorar algum tempo, para o banco não cair?

Não há nenhuma razão para o Novo Banco receber dinheiro antes de haver auditoria séria.

Até maio, data em que tem de ser feita a transferência anual para o Novo Banco, esta auditoria teria de estar concluída, dado que não convinha deixá-lo cair...

Não queremos nenhuma solução irresponsável. O que não queremos é deixar andar, o que é absolutamente irresponsável.

Uma nacionalização não ia consumir recursos públicos que fossem roubar recursos a áreas que o BE considera fundamentais?

A entrega à Lone Star consumir mais recursos do que qualquer pessoa algum dia podia ter imaginado.

Já chegaram a um acordo com o PS sobre o âmbito da comissão de inquérito?
Não. O BE tem uma preocupação essencial: que o âmbito seja certeiro. Se for sobre tudo, é sobre nada.

O PS está a tentar fazer um inquérito sobre tudo, indo lá atrás...

A auditoria da Deloitte também é um pouco isso, fala de tudo e não investiga nada.

No âmbito que apresentaram, há uma parte que se foca muito neste Governo e em Mário Centeno. Qual a responsabilidade de Centeno neste processo?

Teve a responsabilidade de ser o ministro das Finanças que decidiu entregar o Novo Banco à Lone Star, em sintonia com todo o Governo, com o Presidente da República e com a Comissão Europeia. Foi um erro e tanto o Bloco de Esquerda como o PCP apresentaram alternativas que não vingaram. Essa responsabilidade é de três tipos: de decidir que um banco como o Novo Banco devia ser vendido a um privado ainda que soubesse que iria ter perdas para o Estado; na decisão sobre o comprador, há uma altura em que se aceita vender a um fundo abutre; e foi mau fazê-lo com este tipo de contrato, o que faz não só que seja um buraco sem fundo como o Estado, que é accionista, não tem ninguém na administração e por isso não sabemos o que se passa no banco.

Centeno é por isso um dos principais responsáveis para o BE?

Sim. Dito isto, também é preciso que a comissão de inquérito se debruce sobre a administração.

E enquanto governador?

Não deixa de ser surpreendente que não envie a auditoria interna do BdP que enquanto ministro queria conhecer e queria que fosse pública. Acho que não se devem criar dificuldades ao Estado português, mas soluções, e portanto percebo que eventualmente haja questão legal que tenha de resolver, mas o que Mário Centeno tem de fazer é resolver para tornar público o que sempre quis que fosse.

Liliana Valente | Vítor Martins | Expresso

#Exclusivo Expresso que pode acompanhar e ler na integra AQUI

Sem comentários:

Mais lidas da semana