quarta-feira, 21 de outubro de 2020

O dinheiro para o Novo Banco não faz falta?

Uma das guerras políticas do momento é a da aprovação, ou não, do Orçamento do Estado, o primeiro do atual ministro das Finanças, João Leão. Dentro dessa guerra há várias batalhas em curso e uma delas é a relativa ao financiamento do Novo Banco.

Pedro Tadeu | TSF | opinião

Na entrevista à TSF e ao Dinheiro Vivo deste Sábado, João Leão defendeu uma falácia inventada por Passos Coelho e Maria Luísa Albuquerque: a de que o financiamento ao Novo Banco nada custava aos contribuintes porque era feito pelo Fundo de Resolução. "O que o Estado fez no passado foram apenas empréstimos" disse o ministro, repetindo a ideia de que o Fundo de Resolução paga ao Estado, através da banca, juros por esses empréstimos. E isto serve para se voltar a passar a noção de que os contribuintes não perdem dinheiro com as ajudas ao Novo Banco.

O que vale é que, normalmente, pela boca morre o peixe: quando os jornalistas perguntaram quando é que os 275 milhões de Euros que o Orçamento de 2021 prevê de empréstimo ao Fundo de Resolução - para este entregar ao Novo Banco - acabam de ser pagos ao Estado, João Leão respondeu assim: "Temos um empréstimo que vai até 2046, se não estou em erro, e outro que ainda vai até uns anos depois."

Recordo que estes 275 milhões de Euros irão juntar-se a um total de seis ou sete mil milhões de euros que o Estado já emprestou ao Fundo de Resolução e que, enquanto não forem pagos, estão a fazer falta noutro lado qualquer. E recordo que o Novo Banco já recebeu um total de mais de 11 mil milhões de ajudas e que ainda quer receber quase mil milhões.

Sempre que este assunto vem à baila, o número de políticos, jornalistas e comentadores que teatraliza a indignação é avassalador. Mas sempre que chega a hora de pagar, todos esses indignados se conformam com a explicação mais rústica de sempre: "O Estado, para ser pessoa de bem, tem de cumprir os contratos que celebrou, mesmo que sejam ruinosos"... Só tenho pena que, nos anos da troika, este argumento, tão cândido, não tenha servido para o Estado cumprir o contrato que celebrara, por exemplo, com os inúmeros reformados que viram as regras do contrato que celebraram com o Estado serem mudadas, sem apelo nem agravo.

E nem o perigo de o Orçamento do Estado não passar na Assembleia da República por causa das ajudas ao Novo Banco - e, nesse caso, poder haver uma crise política e orçamental vivida em extrema dificuldade económica e sanitária - altera a narrativa deste filme de terror financeiro, em que pagamos a sobrevivência de um banco sob suspeita, numa incrível opacidade, de gestão pouco esclarecida, com auditorias secretas, cheio de empréstimos duvidosos, e em posse de mãos estrangeiras.

Diz o ministro João Leão que um dos empréstimos deste ano ao Novo Banco só acabará de ser pago em 2046 e o restante ainda mais para diante. Nessa altura é provável que eu e uma parte razoável dos meus ouvintes e atuais contribuintes já não precisemos do Estado para nada, a não ser, para quem não goste de cremações, a disponibilidade de uma vaga no cemitério.

Isto significa que o dinheiro entregue ao Novo Banco indiretamente pelo Estado vai estar, até depois de muitos de nós morrerem, indisponível para ajudar os portugueses em coisas que me parecem bem mais essenciais nesta altura e que os tempos de prolongada crise impõem, como um maior reforço de médicos e enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde, uma melhoria séria do subsídio de desemprego ou a ajuda rápida a quem se arrisca a perder a casa por causa da crise aberta pela Covid-19.

Quando me dizem que o dinheiro emprestado ao Novo Banco será devolvido com juros daqui a mais de 25 anos eu, como contribuinte e financiador do Novo Banco, tal como tantos portugueses, gostaria de assinalar o seguinte: não, não me interessa nada receber juros depois de morto.

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