#Publicado em português do Brasil
Em um mundo dominado pelos avanços tecnológicos, a Europa não tem conseguido acompanhar o desenvolvimento dos Estados Unidos e da China, cujos projetos geopolíticos, acompanhados de perto pelos da Rússia, pretendem a hegemonia global. A solidariedade entre os países diminui e a economia mostra sinais de enfraquecimento. E já não é o mesmo o desejo das populações de integrarem uma Europa única
Celso Japiassu | Carta Maior
O grande projeto da União
Europeia está em crise e mesmo a sua sobrevivência encontra-se ameaçada. Sua
existência é fruto de um processo histórico e do idealismo de alguns políticos
dos principais países, a se destacar a França e a Alemanha. Foi uma ideia que
se destinava antes de tudo a assegurar a paz num continente cansado de tantas
guerras. Sua criação é fruto da experiência vivida com os constantes conflitos
que levaram a duas guerras mundiais. E também das contradições geopolíticas que
conduziram a uma infinidade de choques entre as nações da Europa. Os princípios
que lhe foram definidos são os de cooperação, não discriminação, solidariedade
e democracia. Esses valores são questionados hoje pelos partidos da direita e
da extrema direita que exploram as insatisfações populares para retomar os
discursos nacionalistas, de controle das fronteiras e de protecionismo
econômico.
As grandes esperanças defrontam-se com a grande crise do capitalismo que
eclodiu em 2008 somada ao afluxo de imigrantes vindos do Oriente e da África a
fugir das guerras e da miséria, às ameaças do terrorismo, aos ataques do
ante-europeísmo cultivado pela extrema direita, à crise econômica e ao ataque
do coronavírus que trouxe nesses tempos novas preocupações e mais uma
forte crise anunciada. O Brexit, montado numa fortíssima campanha de notícias
falsas, foi também um sinal de alerta para a União Europeia, que deixou de
contar com uma grande economia. A ação dos partidos da direita em todos os
países pressiona no mesmo sentido de esfacelamento, ao mesmo tempo em que
difunde o racismo, o ódio e a intolerância.
Nas eleições presidenciais de 2017, em importantes países como a França,
a Alemanha e a Holanda, os partidos de extrema direita foram derrotados, mas
apresentaram expressivo crescimento. Marine Le Pen, a candidata à presidência da França pelo neofascista Rassemblement
National, que ficou em segundo lugar, faz parte do movimento anti-União
Europeia. Na Alemanha, o partido Alternativa para Alemanha tornou-se
a terceira maior força política no Bundestag, o parlamento alemão. E, na
Holanda, o Partido para a Liberdade ficou em segundo lugar.
Cresce o consenso de que se encontra em perigo o grande projeto político,
econômico e social que, inaugurado há sessenta anos, pretendia assegurar uma
Europa aberta ao mundo, democrática e livre.
Os riscos
Em um mundo dominado pelos avanços tecnológicos, a Europa não tem conseguido acompanhar o desenvolvimento dos Estados Unidos e da China, cujos projetos geopolíticos, acompanhados de perto pelos da Rússia, pretendem a hegemonia global. A solidariedade entre os países diminui e a economia mostra sinais de enfraquecimento. E já não é o mesmo o desejo das populações de integrarem uma Europa única.
O desemprego, outra causa de
preocupações, está em 7,4% da população de trabalhadores na União Europeia, o
que significa um total de 15,6 milhões de pessoas, sendo 3 milhões de jovens. O
percentual sobe para 8,1% considerada apenas a zona do euro, composta por 19
dos 27 países pertencentes à União Europeia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Zona_Euro).
Para efeito de comparação, no Brasil o desemprego é de 14,1%, segundo o IBGE, o
que corresponde a 13,5% milhões de pessoas em busca de emprego. Com a crise do
coronavírus, 59 milhões de postos de trabalho estão ameaçados de desaparecer na
Europa.
Há também o endividamento elevado, principalmente de países como a Grécia,
Portugal, Espanha, Itália e Irlanda. Observadores também chamam a atenção para
o que consideram falta de coordenação política da União Europeia para resolver
questões de endividamento público das nações do bloco.
As consequências são a fuga de capitais de investidores, escassez de crédito
para as empresas e aumento do desemprego. As medidas adotadas para a redução de
gastos provoca descontentamento popular e baixo crescimento das economias. Este
quadro contamina países fora do bloco que têm relações comerciais com a União
Europeia, como é o caso do Brasil. Uma crise da Europa, dizem alguns
economistas, pode causar uma recessão econômica mundial.
Os eurocéticos
Existem ainda os partidos eurocéticos que ameaçam a unidade do continente. Eles
estão presentes e com voz ativa nos parlamentos, nos governos ou próximos do
poder na Hungria, Polônia, República Tcheca, Romênia, Itália, Áustria,
Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Suécia e Holanda. Na Grã
Bretanha eles venceram e conseguiram o Brexit.
Todos os partidos eurocéticos defendem a saída ou o fim da União Europeia, o
controle das fronteiras, barreiras contra a imigração e protecionismo na
economia. São contra a globalização e a integração econômica dos países. Dizem
querer fortalecer a identidade nacional. Eles representam também uma ameaça às
instituições democráticas, aos direitos humanos e favorecem o crescimento da
xenofobia, do racismo e da intolerância religiosa. Pregam soluções simplistas
para problemas que são por natureza complexos.
Vinte e sete países com vinte e
quatro diferentes idiomas formam hoje a União Europeia. Em março de 2019, havia
seis países candidatos a dela fazer parte: Albânia, Macedônia do Norte,
Montenegro, Sérvia, Bósnia e Herzegovina e Turquia. Para integrar União Europeia
existem várias exigências. Além de estar com as contas públicas em ordem e
equilibradas, os países que desejam candidatar-se devem ser politicamente
democráticos e com um Estado de direito em vigor.
Nos primeiros meses de 2020 os países da Europa estavam a apresentar índices
econômicos considerados ótimos mas a pandemia do coronavírus veio
inesperadamente e liquidou o otimismo que começava a se manifestar. O
crescimento pode, talvez, retornar em 2021.
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