"Cacheu Cuntum" é o mais recente projeto do realizador guineense Welket Bungué, que mostra a região de Cacheu e o seu passado colonial ligado ao tráfico de escravos.
A cidade de Cacheu, situada nas margens do rio com o mesmo nome, foi, no passado longínquo, um entreposto de grande relevância para o escoamento de pessoas escravizadas. Elas eram capturadas e levadas de vários lugares da costa ocidental de África para serem vendidas às embarcações que ali se iam "reabastecer" de corpos expropriados ao continente africano.
Esta é uma das vertentes de "Cacheu Cuntum", o novo projeto cinematográfico de Welket Bungué, que vai ao encontro do local marcado por um passado histórico recente, ainda no século XX, que o realizador guineense quer mostrar ao mundo.
"Estive na Guiné-Bissau entre maio e junho de 2019 e fui filmando com o telemóvel os diversos lugares por onde passei. E isso resultou numa coletânea de imagens dispersas, de alguma maneira", conta Bungué.
"E a minha ida a Cacheu foi fundamental porque ao mesmo tempo que eu filmei as paisagens e também gravei um encontro que tive com o guia do Memorial para a Escravatura e Tráfico Negreiro."
Escravos para o Brasil
Bungué fez-se acompanhar do guia guineense, Pascoal Gomes, e um ano depois decidiu produzir este filme documentário, que, além de mostrar os bairros populares da Guiné-Bissau, recupera uma parte da história colonial.
"A última fase de decadência de Cacheu aconteceu depois da abolição da escravatura. Naquela altura, todos os escravos saídos da Guiné-Bissau passavam por Cabo Verde e eram enviados depois para o Maranhão, no Brasil. A maior parte era levada para o Maranhão. Naquela altura, o Brasil desenvolvia a produção de cana de açúcar. E era esse o objetivo de levar escravos para lá", descreve.
O Forte de Cacheu, junto ao mar, é um dos lugares importantes que transporta o visitante para o período marcado pela presença colonial portuguesa. O realizador guineense, radicado em Berlim (Alemanha), destaca a figura de Honório Pereira Barreto, um antigo traficante de escravos português.
"Ele foi bastante louvado pela coroa portuguesa na época e isso também lhe deu propriedade de bastantes terras na Guiné-Bissau, o que lhe permitiu, de alguma maneira, capitalizar estas pessoas que eram tidas como escravizadas e daí enviadas para o Brasil, para Cabo Verde", conta.
"É sabido que o Porto de Cacheu, que ficava ali próximo do forte, foi um entreposto de escoamento de pessoas escravizadas, não só retiradas do território da Guiné-Bissau, mas também de grande parte da África Ocidental", explica o realizador.
A nova Guiné-Bissau
Welket Bungué tenta resgatar assim a "soberania histórica" da Guiné-Bissau e as memórias dos lugares que visitou. Mas, para além da necessidade de preservar o passado, pretende igualmente dar a conhecer uma outra Guiné-Bissau.
"Neste filme, o que se pretende é mostrar que a Guiné-Bissau está ainda num processo de transformação profunda por todas as razões que nós sabemos e que são comunicadas pelos Media. Mas há famílias e há crianças que têm essa premissa, que é a de terem um futuro promissor também. Esse futuro promissor não passa só por ser fora de África, mas também é possível ser construído na Guiné-Bissau", entende Bungué.
De acordo com o realizador, o filme, já legendado em português e inglês, tem fortes possibilidades de vir a ser selecionado para festivais internacionais pela temática antropológica e histórica que aborda.
"Provavelmente festivais que estão mais interessados no experimentalismo cinematográfico ou festivais de documentário a nível internacional também."
Entretanto, “Bustagate”, outro
filme do realizador guineense, estreou esta quinta-feira (19/11) em Portugal,
no Festival Caminhos. As produções cinematográficas de Bungué ganham cada vez
mais asas, tal é o caso de “Intervenção Jah”, que marca presença na XII Muestra
Internacional de Cine Africano de Argentina, que decorre de
Welket Bungué foi escolhido, também na quinta-feira, o melhor ator no Festival de Cinema de Estocolmo. O prémio é um reconhecimento pela atuação do luso-guineense no filme "Berlin Alexanderplatz", do realizador alemão Burhan Qurbani. O filme, por sua vez, foi eleito o melhor da competição oficial, anunciou o festival que termina no domingo (22.11).
João Carlos | Deutsche Welle
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