Bom dia, este é o seu Expresso Curto
João Cândido da Silva | Expresso
Bom dia,
Charles Bukowski era peremptório. Não manifestava qualquer dúvida de que o
domingo era “o pior, o mais desgraçado entre todos os dias da semana”. Clarice
Lispector também não alimentava grande respeito por essa sucessão de 24
horas que antecede a igualmente pouco popular segunda-feira. Pelo contrário.
Detestava o domingo “por ser oco”.
Em tempos de pandemia e de restrições à liberdade de circulação, talvez os
dias estejam todos mais parecidos com os domingos. Com a diferença de que
ficar-se encerrado em casa por obrigação naquele que é o primeiro dia da semana
é menos agradável do que fazê-lo por opção, ainda que o objectivo seja o de
recuperar das folias de sábado e das consequentes nevralgias.
Vazio, desditoso ou ambas as coisas, o domingo acaba de revelar uma virtude
para as autoridades que impuseram o recolher obrigatório durante os
fins-de-semana. Dados recolhidos pela consultora PSE indicam que o cumprimento das normas foi mais rigoroso
neste dia. Perto de dois terços dos portugueses não saíram à rua e,
pelas 13h00, quase oito em cada dez estava enfiado em casa. No sábado,
“apenas” 55% se mantiveram entre paredes durante todo o dia. Não surpreende, é
o habitual dia de descompressão.
O grau de obediência foi elevado. Parece ser proporcional ao sentido das
responsabilidades e à consciência dos riscos, que respondem perante a
capacidade de persuasão das mensagens claras ou, quando estas falham, à ameaça
da multa e da repressão. PSP e GNR procederam a 14 detenções e passaram duas
centenas de coimas. Tudo tranquilo.
Infelizmente, os ziguezagues que se acumularam após o primeiro
confinamento precipitaram uma distensão que não foi acompanhada do
planeamento e das medidas preventivas necessárias para enfrentar o embate da
segunda vaga de covid-19. Os apelos ao consumo, ao gozo de férias em Portugal e
à frequência de restaurantes desvaneceram-se com a subida descontrolada das infecções e dos óbitos. O
Governo fez uma pirueta e as actividades que era necessário serem reanimadas,
pilares da economia e do emprego, sofreram mais um golpe duro.
Miguel Pina Martins diz que o fim-de-semana foi “catastrófico para o
retalho e restauração”, que representa mais de 375 mil empregos. O presidente
da Associação de Marcas de Retalho e Restauração faz a estimativa de
que as perdas de facturação nas empresas do sector atingem 76% nos concelhos que se encontram sob as limitações do estado
de emergência.
Há outros exemplos de vítimas de desnorte e descoordenação. Dois
mil reclusos foram libertados e a ideia era a de evitar surtos no interior dos
estabelecimentos prisionais. Ficaram entregues a si próprios e alguns até
pediram para regressar à cadeia. Associações que acompanham esta realidade qualificam o
processo como "um absurdo".
Se a gestão da pandemia falha, as derradeiras esperanças estão onde? Os testes
clínicos da vacina que está a ser desenvolvida pela Moderna apontam para uma eficácia de 95%, incluindo nos
casos mais graves. A Pfizer já tinha anunciado que a imunização que
está a pesquisar oferece garantias de 90%. São boas notícias. Mas ainda decorrerão meses entre a conclusão de todos os testes
de segurança, a validação, a produção, a distribuição e a inoculação de um
número suficiente de pessoas para que a imunidade colectiva seja
alcançada.
"Uma vacina vai complementar as outras ferramentas que temos, não vai
substituí-las", avisou Tedros Adhanom Ghebreyesus durante uma reunião
do conselho executivo da Organização Mundial da Saúde. “Por si só, não
será suficiente" para derrotar a pandemia de covid-19", acrescentou.
Aquilo que o director-geral da OMS está a pedir é uma visão que vá para
além do curto prazo, um recado que devia ser escutado
A mão pesada actual destina-se evitar o colapso do Serviço Nacional de
Saúde e a “salvar o Natal”, mas nada garante que o dia-a-dia não regresse
a uma rotina pardacenta
OUTRAS NOTÍCIAS
Polónia e Hungria ameaçaram e cumpriram. Numa reunião de
embaixadores da União Europeia realizada em Bruxelas, a entrada em vigor do Quadro
Financeiro Plurianual para o período de
Mário Centeno abriu o livro sobre aquilo que pensa dever ser a política
orçamental no actual contexto. Defende que uma crise que qualifica como
temporária deve ser combatida com medidas de duração limitada no tempo e que o
Governo tem de evitar assumir compromissos que façam aumentar, de forma
permanente, a despesa e a dívida das administrações públicas. O ex-ministro das
Finanças e agora governador do Banco de Portugal entrou no debate orçamental
com “estrondo”, escreve Liliana Valente. Uma ajuda para
António Costa ou um embaraço?
A incoerência e o hábito de dar o dito pelo não dito em função das
conveniências de cada momento são um pecadilho vulgar entre os políticos.
Gritam mais alto quando as convicções, e a respectiva contradição, são
proferidas em tom decidido e veemente. Liliana Coelho foi pesquisar
os temas em que André Ventura já se enredou em proclamações que dificilmente se podem
harmonizar.
Na TVI, o líder do Chega, deputado e candidato às eleições
presidenciais, esteve ao ataque. "Campanhas fofinhas já tivemos
durante 46 anos. Agora é altura de campanhas a sério e discurso duro.
Porque é isso que os portugueses querem neste momento. Os portugueses querem
verdade, autenticidade, não querem folclore", disse André Ventura. Ana
Gomes e Marisa Matias foram alvos preferenciais.
A.N. alega ter sido “duramente perseguido no seu país de origem por
razões políticas” e está “profundamente traumatizado”, segundo afirmam os
advogados. As iniciais referem-se a um cidadão turco que acaba de recorrer ao Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos. Na queixa, equipara a sua experiência, ao ser
reenviado de regresso da Grécia para a Turquia, a um caso de tortura. É o
primeiro caso desta natureza naquela instância judicial, conta Ana França.
A entidade reguladora do sector das telecomunicações acusa a MEO, a NOS e a Vodafone de
terem aumentado, entre Outubro e Novembro, os preços dos serviços de internet,
televisão e voz fixa e reduzido a respetiva qualidade. A NOS rejeita as
acusações e denuncia o “abuso de poder” da Anacom.
James Symington, um dos nomes mais relevantes da actividade vinícola na região
do Douro, morreu esta segunda-feira. Nasceu em 1934, no Porto, numa
família já com ligações à produção do vinho que ostenta o nome da cidade. Margarida
Cardoso conta o percurso do empreendedor, incluindo a história de uma rã que atravessou o
Atlântico na companhia do jovem James.
Esta terça-feira, Portugal cumpre calendário com o jogo final da Liga
das Nações contra a Croácia. Sem nada para ganhar ou para perder, a
selecção portuguesa de futebol enfrenta, em Split, uma equipa que ainda
quer garantir que não será despromovida na competição. “Será um jogo difícil
contra uma boa equipa”, diz Rúben Dias, central da formação nacional.
Quatro filmes tinham sido previamente seleccionados como candidatos à categoria
de Melhor Filme Internacional na próxima edição dos Óscares. Os
membros da Academia Portuguesa de Cinema votaram e “Listen”, de Ana Rocha de Sousa, foi o
escolhido.
FRASES
“Em Portugal não vai ser o preço que vai decidir a vacina que vamos utilizar”, Graça
Freitas
“Tirar Costa do poder não pode originar à direita a tática que a esquerda usou
para tirar Passos do poder: o vale tudo”, Henrique Raposo
“Dormir bem, não dormi, acho que eles também não, azia acho que também tivemos
todos, mas transportar isso para o jogo não serve para nada, não é?”, Fernando
Santos
“Somos confrontados com uma doença, o COVAR, que ninguém entende”, Carloz
Queiroz
O QUE ANDO A LER
Políticas e instituições económicas inclusivas. No essencial, é esta a chave
para o sucesso identificada por Daron Acemoglu e James Robinson em
“Porque Falham as Nações”, a obra em que os professores do Instituto de
Tecnologia do Massachusetts e da Universidade de Chicago, respectivamente,
analisam as razões para os fracassos e para os casos bem sucedidos registados
em diferentes momentos da História e em geografias diversas.
Quando o livro foi publicado, em 2012, as economias desenvolvidas estavam a
sair das crises do subprime e da dívida soberana, a tentar regressar ao
crescimento e à estabilidade depois da Grande Recessão. Agora, vivem-se os
tempos da ameaça do iliberalismo, ampliada pelas tentações que se escondem
por detrás do combate à pandemia de covid-19. Os dois académicos regressam com
um objectivo ambicioso: propõem-se analisar os riscos que as democracias
liberais enfrentam e deixar a sugestão de qual pode ser a via para a
preservação da liberdade, algo que consideram não fazer parte da ordem natural
das coisas.
“O Equilíbrio do Poder” sobre o qual escrevem, novamente com base numa extensa
pesquisa histórica, desenha-se através de um “corredor estreito” entre o poder
do Estado e o poder da sociedade, o frágil “narrow corridor” que surge no
título da versão original. As origens da confederação helvética, o poder
despótico e as atrocidades do rei Leopoldo no Congo belga, a evolução do
autoritarismo na China ou a extinção das tribos africanas da Libéria pelos
escravos norte-americanos libertados, são alguns dos numerosos casos que
ilustram as conclusões de Daron Acemoglu e James Robinson. O resultado é uma
reflexão indispensável sobre um valor difícil de conquistar e que nunca deve
ser visto como um dado adquirido e irreversível.
O QUE ANDO A OUVIR
“Artlessly Falling”, Mary Halvorson’s Code Girl. Guitarrista que tem
produzido música original e desafiante, Mary Halvorson lança o segundo álbum
dedicado às canções, com oito novos temas da sua autoria. Há convidados
especiais nestas gravações, entre os quais Robert Wyatt, uma das fontes de
inspiração de Halvorson, que assegura a voz em três das faixas.
“Albores”, Dino Saluzzi. O músico argentino volta a gravar um álbum a
solo, 32 anos depois da primeira experiência. A sós no seu estúdio
“The Art of Song, Vol I: When Baroque Meets Jazz”, Rita Maria e Filipe
Raposo. A voz límpida de Rita Maria e o piano melodioso de Filipe Raposo
juntam-se num álbum que reúne temas de Bach, Purcell e Rameau, entre outros
compositores do período barroco, reinventados sob a linguagem do jazz.
“Legal Tender”, Cortex. Um quarteto de origem norueguesa que soma
saxofone e trompete a uma secção rítmica composta por contrabaixo e bateria. A
banda vai no sexto álbum e mantém-se em forma assinalável. Fusão de tradição e
modernidade, numa abordagem enérgica e empática.
E é tudo. Acompanhe a actualidade no Expresso, Tribuna e Blitz. Espreite as sugestões do Boa Cama Boa Mesa e
tenha um excelente dia.
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