terça-feira, 3 de novembro de 2020

Outubro com o triplo das mortes de setembro e mais de 8 mil idosos infetados

Portugal

Aumento exponencial de casos em outubro não poupou idosos. Houve 3,5 vezes mais casos acima dos 70 anos do que em setembro e, só na última semana, mais de 3 mil idosos infetados. Ontem foi batido um novo máximo de óbitos num dia. Mortalidade poderá duplicar nas próximas duas semanas, admite investigador, que alerta que a incidência de casos acima dos 80 anos já é muito superior à da primeira vaga.

“Os nossos comportamentos são a grande barreira entre nós e o vírus”. O apelo foi feito ontem pela diretora-geral da Saúde, no dia em que passaram oito meses desde a confirmação dos primeiros casos de covid-19 no país e diante de um mês que se afigura como particularmente difícil no país, de novo em estado de emergência e a ter conter e responder a uma onda de infeções sem precedentes. Uma “maratona sem fim” e que poderá vir a ter vários picos ao longo dos próximos meses, disse Graça Freitas, vincando a necessidade de achatar a curva. Com as infeções ainda a multiplicarem-se, o balanço do mês de outubro, em que se bateram recordes de casos diários e de doentes internados nos hospitais, mostra a dimensão do agravamento da situação no país e faz prever um aumento ainda acentuado das vítimas mortais da pandemia nas próximas semanas, antevendo-se que o mês de novembro possa superar o máximo de mortes registado em abril.

Os dados divulgados pela DGS, que o i analisou, confirmam já um aumento significativo da mortalidade no último mês. A covid-19 foi associada a 567 mortes no mês de outubro, quando em setembro se tinham registado 153 mortes, já o dobro do mês anterior. Só na última semana morreram 228 pessoas no país com covid-19, mais do que em todo o mês de setembro. O peso da mortalidade por covid-19 no total de mortes ocorridas no país também tem estado a aumentar, uma análise que é possível fazer com base nos óbitos declarados diariamente no país e reportados ao sistema nacional de vigilância de mortalidade (EVM). Em setembro, as 153 mortes por covid-19 representaram 1,7% dos 9012 óbitos que ocorreram no país. Em outubro, o peso da covid-19 subiu para 5,7%, tendo sido reportado um total de 9798 mortes no país.

Idosos não escaparam

Analisando os dados da DGS, constata-se que o aumento exponencial de casos verificou-se em todos os grupos etários, com as infeções a baterem recordes em todas as idades no mês de outubro. Se os mais jovens registam a maioria dos novos casos, e isso não se alterou em outubro – 59,5% as infeções diagnosticadas surgem abaixo dos 50 anos de idade – a percentagem de casos em idosos manteve-se também relativamente estável, o que significa que os casos em idosos foram aumentando tanto e até mais em algumas semanas do que nos grupos da população em idade ativa e com menos risco.

Ao todo, ao longo do mês de outubro, registaram-se 8530 casos em idosos com 70 anos ou mais, o que compara com 2424 casos no mês de setembro. São 3,5 vezes mais e ajudam a perceber o aumento da mortalidae que se tem estado a registar no país mas também o agravamento esperado nas próximas semanas. Destes mais de 8500 casos em idosos, mais de 6 mil foram reportados apenas nas últimas duas semanas. E se há duas semanas foi superado pela primeira vez o patamar dos 2 mil novos casos em idosos com 70 anos ou mais (o máximo de casos nesta faixa etária tinha sido de 1500 casos em abril), na última semana foram notificados à DGS 3455 casos nesta faixa etária, 13,4% dos novos casos reportados no país. Só acima dos 80 anos, o grupo etário onde a letalidade da doença ronda os 20%, foram reportados 1927 novos casos, quando na semana anterior tinham sido 1215.

Mortalidade pode duplicar nas próximas semanas

Óscar Felgueiras, matemático especialista em epidemiologia da Universidade do Porto, que faz a modelação da epidemia desde março, explica que, atendendo à evolução de casos nas últimas semanas, e ao aumento da incidência em idosos, a previsão é de um aumento da mortalidade nas próximas semana, uma vez que as medidas e mudanças de comportamentos não vão alterar infeções que já ocorreram.

E o facto de não haver sinais de uma travagem do aumento de casos em idosos nas últimas semanas, pelo contrário, é uma das preocupações. “O aumento da mortalidade é acima de tudo determinado pela incidência de casos nos idosos, principalmente naqueles a partir dos 80 anos. Nesta faixa etária ocorrem 67% dos óbitos. A incidência a 14 dias neste grupo está agora nos 465 casos por 100 mil habitantes, quando o máximo atingido em abril tinham sido os 278 casos por 100 mil habitantes. Pior do que a incidência estar elevada é o facto de ainda ter atualmente tendência de subida. Os óbitos acompanham a incidência com um atraso de quase duas semanas, ou seja, os óbitos que surgem são consequência daquilo que já aconteceu. Tendo isso em conta é neste momento expectável que a mortalidade duplique nas próximas duas semanas”, afirma. Ontem atingiu-se já o valor mais elevado de mortes em 24 horas desde o início da epidemia, com 46 óbitos em pessoas infetadas com covid-19 declarados no país este domingo. Trinta e sete tinham mais de oitenta anos, sete eram septuagenários e as duas outras vítimas mortais estavam na casa dos 50 e dos 60 anos.

Há duas semanas, ao SOL, Óscar Felgueiras tinha alertado para uma sensação de aparente menor mortalidade nesta nova fase da epidemia e que esta nova onda de infeções poderia ter maior mortalidade do que a que assolou o país em março/abril. O agravamento das últimas semanas aponta neste sentido e o investigador considera que neste momento é quase garantido que este mês seja superado o total de mortes ocorrido em abril. Foi até aqui o mês mais duro da pandemia, com a covid-19 a vitimar 820 pessoas no país. “Não nos podemos esquecer que na primeira vaga todos os lares foram testados, pelo que a população idosa foi particularmente acompanhada. Hoje em dia existe a noção de que há mais casos porque há mais testes, o que até pode ser verdade para as faixas etárias mais jovens, mas isso é algo que não se aplica aos mais idosos”. O investigador considera expectável que o aumento de infeções que se viveu nas últimas semanas leve a mais casos entre idosos, defendendo que o primeiro passo para proteger os grupos de risco será neste momento baixar a incidência geral na população, mesmo que sejam possíveis outras medidas. “O aumento de casos é transversal a toda a população e nenhum grupo etário consegue proteger-se completamente. Especialmente aqueles idosos que por diversas circunstâncias já não têm grande autonomia e são tratados por indivíduos de faixas etárias mais jovens. Mesmo a faixa etária dos 70 aos 79, que tinha conseguido ser a mais protegida ao longo de vários meses, apresenta um aumento considerável na incidência, estando agora nos 269 casos por 100 mil habitantes a 14 dias. É um valor bastante abaixo da média nacional, que está nos 437, mas ainda assim elevado. É sempre possível fazer-se mais, mas neste momento o principal é mesmo baixar a incidência geral da população”, conclui.

Marta F. Reis – jornal i

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