quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Estaremos a assistir ao princípio do fim da pandemia?

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Luz ao fundo do túnel… da Mancha

Pedro Cordeiro | Expresso

Bom dia!

Estaremos a assistir ao princípio do fim da pandemia? O primeiro-ministro britânico anunciou ontem à noite que o seu país foi o primeiro do mundo a aprovar uma vacina contra a covid-19 e que irá iniciar a sua aplicação em massa já na próxima semana. Em Portugal o Governo divulga hoje os seus planos na matéria. Marcel Dirsus, CEO da BioNtech, que com a Pfizer é responsável pela vacina inicialmente disponibilizada em terras de Sua Majestade, acredita mesmo que estamos a começar a ver a luz.

O Reino Unido receberá as primeiras 800 mil doses da vacina da Pfizer/BioNtech (de mais de 40 milhões encomendadas aos vários fabricantes) e começará a aplicá-las, talvez na segunda-feira, em 50 hospitais e mais de 1500 centros de imunização. Boris Johnson, citado pelo diário “The Guardian”, reivindica “conhecimento seguro e certo” que lhe permite acreditar num regresso à vida normal até à próxima primavera.

A vacina será tomada em duas doses, com um intervalo de 21 dias. Segundo o Comité Conjunto de Vacinação e Imunização do Reino Unido, deve evitar 99% das mortes causadas pelo coronavírus, que já custou 75 mil vidas no país. O mundo conta quase 65 milhões de casos e 1,5 milhões de óbitos. Em Portugal são, respetivamente, 304 mil e 4600. Ciente destas estatísticas e cioso de evitar que o otimismo suscitado pela vacina faça relaxar as cautelas, Johnson lembra que as medidas sanitárias são para manter, informa “The Independent”.

Residentes e trabalhadores de lares, pessoas com mais de de 80 anos e profissionais de saúde serão recetores prioritários, escreve “The Telegraph”. O jornal sublinha, porém, que na prática será difícil levar a vacina às residências de idosos esta semana. Transportada a -75ºC (logo, em gelo seco), a vacina agora licenciada não deve viajar mais de seis horas e só pode ficar armazenada cinco dias em frigorífico 2-8ºC, pelo que os lares podem ter de aguardar pelas de Oxford/AstraZeneca ou da Moderna (firma que agradeceu o contributo português para o seu fabrico), que podem ser guardadas mais tempo a essas temperaturas.

O Reino Unido assegura que chegou mais cedo à aprovação da vacina — dez meses em vez dos mais habituais dez anos — sem desleixar qualquer dos passos do processo. O regulador terá aplicado o mesmo rigor de sempre, o que não impede que continue a haver perguntas em aberto. Dizem respeito, acima de tudo, à duração da imunidade garantida, à travagem ou não da transmissão do coronavírus, a saber se as grávidas podem tomá-la.

A vacina da Pfizer/BioNtech utiliza uma réplica sintética do código genético do Sars-CoV-2 para induzir o organismo a produzir anticorpos, em vez do tradicional uso de vírus mortos ou enfraquecidos (como a de Oxford). Há mais de 100 vacinas em desenvolvimento a nível mundial, com funcionamentos distintos e vários países têm anunciado planos para proteger as suas populações.

E por cá? “Facultativa e gratuita”, a vacina chegará no início de 2021 e haverá pelo menos 22 milhões de doses, assegurou ontem a ministra da Saúde. O Governo apresenta esta quinta-feira o seu plano de vacinação, que será gradual e administrado pelo Serviço Nacional de Saúde. O processo “vai ser longo, não é algo que se concretize num único dia ou num período de tempo curto”, avisou Marta Temido após reunir com a equipa responsável. Parece certo que além dos centros de saúde e hospitais, será necessário contar com entidades como as forças armadas e os bombeiros e, provavelmente, contratar mais enfermeiros.

Entretanto, soube-se ontem que a diretora-geral da Saúde foi infetada, apresentando sintomas ligeiros de covid-19. Além de Graça Freitas há três casos confirmados na Direção-Geral da Saúde. Desde o mesmo dia circula a ideia de que não será proibido circular entre concelhos no Natal, noticiada pelo “Observador”. A decisão está pendente da reunião com os peritos de saúde e do Conselho de Ministros desta semana.

Acontecendo além-Mancha a estreia da vacina e faltando menos de um mês para a consumação plena da saída do Reino Unido da União Europeia (o ‘Brexit’ aconteceu a 20 de janeiro último, mas o período de transição sem grandes mudanças práticas prolonga-se até final de 2020 e ainda não há acordo sobre as relações futuras), não tardou a surgir quem associasse os dois factos; no caso, o próprio ministro da Saúde, Matt Hancock, e o diretor da farmacêutica Sanofi O colunista Ambrose Evans-Pritchard, eurocético, está de acordo, contrapondo a “inércia legalista e burocracia” dos 27 à agilidade britânica. Visão diferente tem a diretora do organismo regulador britânico, ao passo que a embaixadora alemã no Reino Unido alerta contra leituras nacionais de um esforço que é a todos os títulos coletivo.

A fechar o dia de ontem, e já que de Europa e coronavírus se fala, surgiu a notícia da morte de Valéry Giscard d’Estaing, vítima de covid-19. O antigo Presidente francês, de 94 anos e com décadas na política, foi um entusiasta da UE e um modernizador da direita gaulesa.

Outras notícias

BAZUCA ENCRAVADA Continua por resolver o impasse sobre os fundos de apoio à reconstrução da economia da UE pós-pandemia. A Comissão Europeia admite avançar sem a Hungria e a Polónia, países que bloqueiam a aprovação do pacote por este estar, na versão atual, condicionado ao respeito pelas regras do Estado de Direito (Rui Rio concorda que não deve haver tal associação). Para a semana há uma cimeira decisiva e, se o executivo comunitário diz que não há plano B, entre nós o “Público” escreve sobre um plano C.

VACINA IMPORTADA Caiu muito mal Ana Gomes ter contado que, face à escassez de vacinas contra a gripe, tomou uma dose trazida de França por mão amiga. Não só é ilegal tomar vacinas vindas do estrangeiro como o gesto mina por completo a crítica que a candidata presidencial fazia à Direção-Geral de Saúde, perguntando se as vacinas nacionais estariam reservadas a privilegiados. É que privilégio é mesmo ter quem traga vacinas de além-fronteiras. A propósito de presidenciais, ouça o mais recente episódio do podcast diário Expresso da Manhã.

FEIRA REMOTA A feira tecnológica Web Summit é este ano virtual, começou ontem e dura até amanhã. Mesmo sem o retorno económico de edições passadas, continua a custar 11 milhões ao Estado, que abdicou de pugnar por uma redução da anuidade. Do primeiro dia destaco intervenções como a do diretor tecnológico do Facebook, que garante que a rede social já deteta 94,5% do discurso de ódio que nela circula, usando inteligência artificial; da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen; do criador da World Wide Web, Tim Berners-Lee, e do chefe da Huawei; e do ex-porta-voz da Casa Branca Anthony Scaramucci, outrora funcionário e hoje critico de Donald Trump.

CAMPOS ESQUECIDOS Em Moria, na ilha de Lesbos, onde ardeu um campo de refugiados e migrantes, houve quem quisesse fazer algo diferente e melhor. A ideia não singrou, como mostra este trabalho multimédia a não perder, prolongado neste podcast.

ESTRELA APAGADA Analisar à lupa os 630 minutos que Diego Armando Maradona jogou no mundial de 1986 é uma bela forma de homenagear o futebolista argentino, desaparecido há dias.

ESTRELA RESSURGIDA Quem, como o autor destas linhas, gosta de histórias de renascimentos tipo Fénix, a história do Estrela que já foi da Amadora é uma leitura obrigatória.

GUERRA SECRETA O Governo da Etiópia e a ONU alcançaram um acordo para socorrer os habitantes da região de Tigray, onde há um mês decorre um conflito armado entre exército central e forças locais, sujeito a blackout informativo total. Foi este o assunto da mais recente conversa no podcast O Mundo a Seus Pés, da secção internacional do Expresso.

OPOSITOR PERSEGUIDO O empresário Jimmy Lai, de Hong Kong, dono do jornal “Apple Daily”, foi acusado de fraude. Defensor da democracia num território cujas liberdades são cada vez mais sufocadas pela China, foi indiciado horas depois de os ativistas Joshua Wong, Agnes Chow e Ivan Lam terem sido encarcerados.

FUNDOS E ELEIÇÕES Israel libertou mil milhões de dólares (824 milhões de euros) de impostos que cobra em nome da Palestina, entregando-os à Autoridade Palestiniana. No mesmo dia o Parlamento israelita deu o primeiro passo para se dissolver, o que pode conduzir às quartas eleições legislativas dos últimos dois anos. As últimas foram há nove meses.

Frases

“Há uma fotografia em que apareço, a correr do meu carro para a porta de casa do meu irmão, num dia com mais de 40ºC, de top de alças. E houve quem dissesse: ‘Bolas, a Billie engordou!’. E eu digo: ‘Não, isto é o meu aspeto, vocês é que nunca o tinham visto!’”
Billie Eilish, cantora canadiana, de novo (e bem) contra o body shaming, em entrevista à “Vanity Fair”

“Nem consigo começar a exprimir quão extraordinária é a sensação de finalmente amar suficientemente quem sou para assumir a minha verdadeira identidade”
Elliot Page, ator canadiano que nasceu Ellen, a celebrar a liberdade fundamental de cada um ser quem é

O que ando a ler

Começo por revisitar dois livros que já mencionei aqui, só para informar que já saíram as versões portuguesas de “O espelho e a luz”, de Hilary Mantel; e “Rapariga, mulher, outra”, de Bernardine Evaristo. Este último ganhou o Booker de 2019, ex-aequo com “Os Testamentos”, de Margaret Atwood. A obra de Mantel, terceiro tomo de uma trilogia sobre o poderoso Thomas Cromwell, chanceler de Henrique VIII de Inglaterra, falhou este ano o mesmo prémio, que foi atribuído aos seus antecessores “Wolf Hall” (2009) e “O livro negro” (2012). Em 2020 o vencedor, que já está na minha lista de desejos, é “Shuggie Bain”, romance de estreia, com inspiração autobiográfica, do escocês Douglas Stuart.

Indo agora a leituras recentes, ainda pego na última edição da Revista do Expresso para recomendar este texto do historiador Lourenço Pereira Coutinho sobre o conceito de cidadania; e a entrevista em que Barack Obama fala da solidão de ser o homem mais poderoso do mundo. A conversa vem a pretexto do primeiro volume das memórias presidenciais do 44.º chefe de Estado dos Estados Unidos, “Uma terra prometida”, que já mora na minha mesa-de-cabeceira e que ganha especial interesse quando o vice-presidente desse tempo, Joe Biden, está a mês e meio de tomar posse da Casa Branca.

Comecei há horas a ler “Buracos negros”, que colige as duas preleções do físico Stephen Hawking no ano em que foi convidado a proferir as palestras Reith da BBC (2016). Trata-se de uma pequena obra, com introdução e notas bem úteis, que ajuda leigos a perceber um dos grandes mistérios do Universo. Já agora, as palestras Reith, iniciativa criada em 1948 em que todos os anos a emissora britânica convida uma sumidade a abordar um tema, estão disponíveis gratuitamente. Este ano a distinção coube a Mark Carney, que foi governador do Banco de Inglaterra. Para trás ficam a supracitada Hilary Mantel, o historiador Jonathan Sumption, a política birmanesa Aung San Suu Kyi, o músico Daniel Barenboim, o cientista Robert Oppenheimer ou o filósofo Bertrand Russell.

O que ando a ouvir e ver

Permaneço convicto de que #aculturaésegura e a frequentar militantemente as salas de espetáculos do país. Na calha estão “A ratoeira” de Agatha Christie, no teatro Armando Cortez (a peça está em cena há 68 anos e só a pandemia a interrompeu); e o “Ricardo III” de William Shakespeare na Trindade, com Diogo Infante no protagonista. Também há teatro à distância: este fim de semana o canal The Shows Must Go On propõe no YouTube, à borla, o musical “42nd Street”.

Na música, e tendo a Fundação Gulbenkian revelado o programa para os meses de janeiro a março de 2021 (já comprei alguns bilhetes), está em cena hoje e amanhã “La voix humaine”, obra de Francis Poulenc baseada no monólogo teatral de Jean Cocteau. A mesma que inspirou Pedro Almodóvar a filmar com Tilda Swinton. Ainda na Gulbenkian, sugiro um programa familiar natalício, com o recital narrado “A história do soldado”, de Igor Stravinsky. Esperam-me ainda, na música portuguesa, atuações dos irmãos Sobral no Tivoli e de Sérgio Godinho em Carnaxide, desta vez em jeito de fadista (que grande, já agora, o disco ao vivo com a Orquestra Metropolitana!) .

Já estou, claro, imbuído do espírito da quadra. Não encontrei um koala na árvore de Natal já montada, mas vou ouvindo música numa abordagem eclética, que vai das missas cantadas da BBC a playlists que vão do clássico, com o compositor John Rutter, ao disco de Natal dos Goo Goo Dolls. Para não enjoar, também há sons de todo o ano, como o novo registo ao vivo da Resistência, o sétimo álbum de Miley Cyrus ou, o maior encanto das últimas semanas, esta delícia que vem do Atlântico e tem as cordas vocais da portuguesa Eugénia Melo e Castro.

Agora despeço-me e vou espreitar o novo vídeo de Phoebe Bridgers, que levo muito a sério as sugestões da “Blitz”. É com ela, com a Tribuna e, claro, com o Expresso que vos aconselho a acompanhar toda a atualidade. Boas Festas, apesar das limitações que tocarão a todos, e um excelente 2021. Para ser melhor do que 2020, convenhamos, a bitola não está alta...

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