Bom dia este é o seu Expresso Curto
Luz ao fundo do túnel… da Mancha
Pedro Cordeiro | Expresso
Bom dia!
Estaremos a assistir ao princípio
do fim da pandemia? O primeiro-ministro britânico anunciou ontem à noite que o seu país foi o primeiro
do mundo a aprovar uma vacina contra a covid-19 e que irá iniciar a sua
aplicação em massa já na próxima semana. Em Portugal o Governo divulga hoje os
seus planos na matéria. Marcel Dirsus, CEO da BioNtech, que com a Pfizer é
responsável pela vacina inicialmente disponibilizada em terras de Sua
Majestade, acredita mesmo que estamos a começar a ver a luz.
O Reino Unido receberá as primeiras 800 mil doses da vacina da Pfizer/BioNtech
(de mais de 40 milhões encomendadas aos vários fabricantes) e começará a
aplicá-las, talvez na segunda-feira, em 50 hospitais e mais de 1500 centros de
imunização. Boris Johnson, citado pelo diário “The Guardian”, reivindica “conhecimento
seguro e certo” que lhe permite acreditar num regresso à vida normal até à
próxima primavera.
A vacina será tomada em duas doses, com um intervalo de 21 dias. Segundo o
Comité Conjunto de Vacinação e Imunização do Reino Unido, deve evitar 99% das
mortes causadas pelo coronavírus, que já custou 75 mil vidas no país. O mundo conta
quase 65 milhões de casos e 1,5 milhões de óbitos. Em Portugal são,
respetivamente, 304 mil e 4600. Ciente destas estatísticas e cioso de evitar
que o otimismo suscitado pela vacina faça relaxar as cautelas, Johnson lembra
que as medidas sanitárias são para manter, informa “The Independent”.
Residentes e trabalhadores de lares, pessoas com mais de de 80 anos e
profissionais de saúde serão recetores prioritários, escreve “The Telegraph”. O
jornal sublinha, porém, que na prática será difícil levar a vacina às
residências de idosos esta semana. Transportada a -75ºC (logo, em gelo seco), a
vacina agora licenciada não deve viajar mais de seis horas e só pode ficar
armazenada cinco dias em frigorífico 2-8ºC, pelo que os lares podem ter de
aguardar pelas de Oxford/AstraZeneca ou da Moderna (firma que agradeceu o contributo português para o seu fabrico), que podem
ser guardadas mais tempo a essas temperaturas.
O Reino Unido assegura que chegou mais cedo à aprovação da vacina — dez meses
em vez dos mais habituais dez anos — sem desleixar qualquer dos passos do
processo. O regulador terá aplicado o mesmo rigor de sempre, o que não impede
que continue a haver perguntas
A vacina da Pfizer/BioNtech utiliza uma réplica sintética do código genético do
Sars-CoV-2 para induzir o organismo a produzir anticorpos, em vez do
tradicional uso de vírus mortos ou enfraquecidos (como a de Oxford). Há mais de
100 vacinas em desenvolvimento a nível mundial, com funcionamentos distintos e
vários países têm anunciado planos para proteger as suas populações.
E por cá? “Facultativa e gratuita”, a vacina chegará no início de 2021 e haverá pelo menos 22
milhões de doses, assegurou ontem a ministra da Saúde. O Governo apresenta esta
quinta-feira o seu plano de vacinação, que será gradual e administrado pelo
Serviço Nacional de Saúde. O processo “vai ser longo, não é algo que se
concretize num único dia ou num período de tempo curto”, avisou Marta Temido
após reunir com a equipa responsável. Parece certo que além dos centros de saúde e hospitais, será necessário
contar com entidades como as forças armadas e os bombeiros e, provavelmente,
contratar mais enfermeiros.
Entretanto, soube-se ontem que a diretora-geral da Saúde foi infetada,
apresentando sintomas ligeiros de covid-19. Além de Graça Freitas há três casos confirmados na Direção-Geral da Saúde.
Desde o mesmo dia circula a ideia de que não será proibido circular entre concelhos no Natal,
noticiada pelo “Observador”. A decisão está pendente da reunião com
os peritos de saúde e do Conselho de Ministros desta semana.
Acontecendo além-Mancha a estreia da vacina e faltando menos de um mês para a
consumação plena da saída do Reino Unido da União Europeia (o ‘Brexit’
aconteceu a 20 de janeiro último, mas o período de transição sem grandes
mudanças práticas prolonga-se até final de 2020 e ainda não há acordo sobre as relações futuras), não tardou a
surgir quem associasse os dois factos; no caso, o próprio ministro da
Saúde, Matt Hancock, e o diretor da farmacêutica Sanofi O colunista Ambrose
Evans-Pritchard, eurocético, está de acordo, contrapondo a “inércia legalista e
burocracia” dos 27 à agilidade britânica. Visão diferente tem a diretora do organismo regulador
britânico, ao passo que a embaixadora alemã no Reino Unido alerta contra leituras nacionais de um esforço que é a
todos os títulos coletivo.
A fechar o dia de ontem, e já que de Europa e coronavírus se fala, surgiu a
notícia da morte de Valéry Giscard d’Estaing, vítima de covid-19. O antigo
Presidente francês, de 94 anos e com décadas na política, foi um entusiasta da
UE e um modernizador da direita gaulesa.
Outras notícias
BAZUCA ENCRAVADA Continua
por resolver o impasse sobre os fundos de apoio à reconstrução da
economia da UE pós-pandemia. A Comissão Europeia admite avançar sem a Hungria e
a Polónia, países que bloqueiam a aprovação do pacote por este estar, na versão
atual, condicionado ao respeito pelas regras do Estado de Direito (Rui Rio concorda que não deve haver tal associação).
Para a semana há uma cimeira decisiva e, se o executivo comunitário diz que não
há plano B, entre nós o “Público” escreve sobre um plano C.
VACINA IMPORTADA Caiu muito mal Ana Gomes ter contado que, face à escassez
de vacinas contra a gripe, tomou uma dose trazida de França por mão amiga. Não só
é ilegal tomar vacinas vindas do estrangeiro como o gesto mina por completo a
crítica que a candidata presidencial fazia à Direção-Geral de Saúde,
perguntando se as vacinas nacionais estariam reservadas a privilegiados. É que
privilégio é mesmo ter quem traga vacinas de além-fronteiras. A propósito de
presidenciais, ouça o mais recente episódio do podcast diário Expresso da Manhã.
FEIRA REMOTA A feira tecnológica Web Summit é este ano virtual, começou
ontem e dura até amanhã. Mesmo sem o retorno económico de edições passadas, continua
a custar 11 milhões ao Estado, que abdicou de pugnar por uma redução da
anuidade. Do primeiro dia destaco intervenções como a do diretor tecnológico do
Facebook, que garante que a rede social já deteta 94,5% do discurso de ódio que nela circula,
usando inteligência artificial; da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen; do criador da World Wide Web, Tim Berners-Lee, e do chefe da Huawei; e do ex-porta-voz da
Casa Branca Anthony Scaramucci, outrora funcionário e hoje critico de
Donald Trump.
CAMPOS ESQUECIDOS Em Moria, na ilha de Lesbos, onde ardeu um campo de refugiados
e migrantes, houve quem quisesse fazer algo diferente e melhor. A ideia não
singrou, como mostra este trabalho multimédia a não perder, prolongado neste podcast.
ESTRELA APAGADA Analisar à lupa os 630 minutos que Diego Armando Maradona jogou no
mundial de 1986 é uma bela forma de homenagear o futebolista argentino,
desaparecido há dias.
ESTRELA RESSURGIDA Quem, como o autor destas linhas, gosta de histórias de
renascimentos tipo Fénix, a história do Estrela que já foi da Amadora é uma leitura
obrigatória.
GUERRA SECRETA O Governo da Etiópia e a ONU alcançaram um acordo para socorrer os habitantes da
região de Tigray, onde há um mês decorre um conflito armado entre exército
central e forças locais, sujeito a blackout informativo total. Foi
este o assunto da mais recente conversa no podcast O Mundo a Seus Pés, da secção internacional do Expresso.
OPOSITOR PERSEGUIDO O empresário Jimmy Lai, de Hong Kong, dono do jornal “Apple
Daily”, foi acusado de fraude. Defensor da democracia num território
cujas liberdades são cada vez mais sufocadas pela China, foi indiciado horas
depois de os ativistas Joshua Wong, Agnes Chow e Ivan Lam terem sido
encarcerados.
FUNDOS E ELEIÇÕES Israel libertou mil milhões de dólares (824 milhões de euros)
de impostos que cobra em nome da Palestina, entregando-os à Autoridade
Palestiniana. No mesmo dia o Parlamento israelita deu o primeiro
passo para se dissolver, o que pode conduzir às quartas eleições
legislativas dos últimos dois anos. As últimas foram há nove meses.
Frases
“Há uma fotografia em que
apareço, a correr do meu carro para a porta de casa do meu irmão, num dia com
mais de 40ºC, de top de alças. E houve quem dissesse: ‘Bolas, a Billie
engordou!’. E eu digo: ‘Não, isto é o meu aspeto, vocês é que nunca o tinham
visto!’”
Billie Eilish, cantora canadiana, de novo (e bem) contra o body shaming,
em entrevista à
“Vanity Fair”
“Nem consigo começar a exprimir quão extraordinária é a sensação de finalmente
amar suficientemente quem sou para assumir a minha verdadeira identidade”
Elliot Page, ator canadiano que nasceu Ellen, a celebrar a liberdade fundamental de cada um ser quem é
O que ando a ler
Começo por revisitar dois livros
que já mencionei aqui, só para informar que já saíram as versões portuguesas de “O
espelho e a luz”, de Hilary Mantel; e “Rapariga,
mulher, outra”, de Bernardine Evaristo. Este último ganhou o Booker de
2019, ex-aequo com “Os Testamentos”, de Margaret Atwood. A obra de
Mantel, terceiro tomo de uma trilogia sobre o poderoso Thomas Cromwell,
chanceler de Henrique VIII de Inglaterra, falhou este ano o mesmo prémio, que
foi atribuído aos seus antecessores “Wolf Hall” (2009) e “O livro negro”
(2012). Em 2020 o vencedor, que já está na minha lista de desejos, é “Shuggie Bain”,
romance de estreia, com inspiração autobiográfica, do escocês Douglas Stuart.
Indo agora a leituras recentes, ainda pego na última edição da Revista do
Expresso para recomendar este texto do historiador Lourenço Pereira Coutinho sobre
o conceito de cidadania; e a entrevista
Comecei há horas a ler “Buracos negros”, que colige as duas preleções do físico
Stephen Hawking no ano em que foi convidado a proferir as palestras Reith da
BBC (2016). Trata-se de uma pequena obra, com introdução e notas bem úteis, que
ajuda leigos a perceber um dos grandes mistérios do Universo. Já agora, as
palestras Reith, iniciativa criada em 1948 em que todos os anos a emissora
britânica convida uma sumidade a abordar um tema, estão disponíveis
gratuitamente. Este ano a distinção coube a Mark Carney, que foi governador
do Banco de Inglaterra. Para trás ficam a supracitada Hilary Mantel, o
historiador Jonathan Sumption, a política birmanesa Aung San Suu Kyi, o músico
Daniel Barenboim, o cientista Robert Oppenheimer ou o filósofo Bertrand Russell.
O que ando a ouvir e ver
Permaneço convicto de que
#aculturaésegura e a frequentar militantemente as salas de espetáculos do país.
Na calha estão “A ratoeira” de Agatha Christie, no teatro Armando
Cortez (a peça está em cena há 68 anos e só a pandemia a interrompeu); e o “Ricardo
III” de William Shakespeare na Trindade, com Diogo Infante no protagonista.
Também há teatro à distância: este fim de semana o canal The Shows Must Go On
propõe no YouTube, à borla, o musical “42nd Street”.
Na música, e tendo a Fundação Gulbenkian revelado o programa para os meses de janeiro a março de 2021 (já comprei alguns bilhetes),
está em cena hoje e amanhã “La
voix humaine”, obra de Francis Poulenc baseada no monólogo teatral de Jean
Cocteau. A mesma que inspirou Pedro Almodóvar a filmar com Tilda Swinton. Ainda na
Gulbenkian, sugiro um programa familiar natalício, com o recital narrado “A história do soldado”, de Igor Stravinsky. Esperam-me
ainda, na música portuguesa, atuações dos irmãos Sobral no Tivoli e de Sérgio Godinho em Carnaxide, desta vez em jeito de
fadista (que grande, já agora, o
disco ao vivo com a Orquestra Metropolitana!) .
Já estou, claro, imbuído do espírito da quadra. Não encontrei um koala na árvore de Natal já montada, mas vou
ouvindo música numa abordagem eclética, que vai das missas
cantadas da BBC a playlists que vão do clássico, com o compositor
John Rutter, ao disco
de Natal dos Goo Goo Dolls. Para não enjoar, também há sons de todo o ano,
como o novo registo ao vivo da Resistência, o sétimo
álbum de Miley Cyrus ou, o maior encanto das últimas semanas, esta
delícia que vem do Atlântico e tem as cordas vocais da portuguesa
Eugénia Melo e Castro.
Agora despeço-me e vou espreitar o novo vídeo de Phoebe Bridgers, que levo muito a sério as
sugestões da “Blitz”. É com ela, com a Tribuna e, claro, com o Expresso
que vos aconselho a acompanhar toda a atualidade. Boas Festas, apesar das
limitações que tocarão a todos, e um excelente 2021. Para ser melhor do que
2020, convenhamos, a bitola não está alta...
Sugira o Expresso Curto a um/a amigo/a
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