#Escrito
e publicado em português do Brasil
Consciente
de que é portador do coronavírus, Bolsonaro contribuiu para ampliar o contágio
e cometeu crimes (também) contra a Saúde Pública. E mais: a importância da
pesquisa brasileira que eliminou o HIV em paciente pioneiro
Maíra Mathias e Raquel Torres
| Outras Palavras | Imagem: Aroeira
FESTIVAL
DE IGNORÂNCIA
Jair
Bolsonaro escolheu um punhado de emissoras de televisão parceiras para fazer o
anúncio de que, sim, está com a covid-19. Aos jornalistas da CNN, Record e TV
Brasil ele assegurou: “Confesso a vocês, estou perfeitamente bem. Estou
tomando medidas protocolares, para evitar contaminação de terceiros”. A
entrevista aconteceu naquele formato em que os jornalistas seguram os
microfones, bem próximos do presidente. Ao final, ele pediu às equipes que
continuassem filmando. “Espera um pouco que vou afastar aqui para vocês verem minha
cara”, afirmou, se distanciando alguns metros. E retirou a máscara de
proteção do rosto. O objetivo? De acordo com ele, mostrar que está “tranquilo”.
No
anúncio (e ao longo do dia), Bolsonaro acionou o discurso de sempre,
minimizando a pandemia. Mas as ações do presidente são mais eloquentes. De
acordo com o Ministério da Saúde, o que deveria fazer Bolsonaro, ou “qualquer
cidadão brasileiro”, como ele gosta de frisar? Com sintomas, evitar contato com
outras pessoas. Diagnosticado, e com sintomas leves, isolar-se em casa.
Jamais tirar a máscara em espaços públicos. Não há nada que o presidente
tenha afirmado na entrevista que não pudesse ser dito em uma transmissão pelas
redes sociais – que é, aliás, a forma como ele se comunica semanalmente com
seus apoiadores. A entrevista serve a outro propósito: tem uma carga simbólica.
Reforça a narrativa de que as medidas de isolamento não passam de “exagero” e
coloca os jornalistas na posição de cúmplices da irresponsabilidade.
A
Associação Brasileira de Imprensa e o deputado federal Marcelo Freixo
(PSOL-RJ) consideram que houve conduta criminosa por parte do presidente.
Segundo a ABI, que pretende entrar com uma notícia-crime no Supremo, Bolsonaro
infringiu os artigos 131 e 132 do Código Penal e colocou a saúde de terceiros em perigo. Já Freixo vai acionar o Ministério Público Federal para que o
presidente responda por crime contra a saúde pública. Para criminalistas
ouvidos pela BBC Brasil, a conduta é reprovável, mas não preenche os requisitos para sustentar um processo penal.
Mas
tem mais: a Secretaria-Geral da Presidência da República divulgou ontem um
documento em que afirma que “não há protocolo médico, seja do Ministério da
Saúde ou da Organização Mundial da Saúde que recomende medida de isolamento pelo simples contato com
casos positivos”. É mentira. No caso de quem esteve em contato próximo com
pessoas doentes, a OMS recomenda que “o melhor a fazer é ficar em casa”.
Já
o Ministério da Saúde dá essa recomendação a familiares, mas não a colegas de trabalho que estiveram
perto de quem se revelou infectado – o que diz muito sobre a situação de
cerceamento da pasta sob Bolsonaro. No início da pandemia, várias empresas
enviaram para casa funcionários que tiveram contato com outros contaminados. É,
aliás, o que fizeram as emissoras de televisão da entrevista
de ontem: afastaram as equipes que se aproximaram de Bolsonaro. E também um dos
executivos que almoçaram com o presidente na última sexta-feira: Francisco
Gomes, da Embraer, está seguindo o protocolo da empresa, “que prevê quarentena para qualquer pessoa que teve contato com
alguém contaminado”.
Bom
senso que não se aplica à Secretaria-Geral da Presidência, que recomenda
que seus funcionários adotem o isolamento apenas após o surgimento de sintomas.
No Planalto já foram confirmados 108 casos – e mais de 90% deles
se revelaram assintomáticos ou de pessoas que apresentaram sintomas leves. Como
o número representa apenas 3,8% da força de trabalho da Presidência, o vírus
ainda tem muito espaço para correr. Mas testagem em massa e rastreamento de
contatos parecem ser conceitos extraterrestres para o governo.
E,
se a apuração do Estadão estiver correta, há outra obviedade ignorada
por praticamente todo o governo. O jornal informa que ao menos 13 autoridades
que se encontraram com Bolsonaro fizeram exames. Só que oito deles – incluindo
Paulo Guedes (Economia), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Braga
Netto (Casa Civil) – teriam feito testes rápidos, como são conhecidos os exames
sorológicos que servem para detectar se uma pessoa contraiu o vírus (no mínimo
oito dias depois do início dos sintomas), não se está com ele na fase inicial
da contaminação. Para isso, o exame deveria ser o RT-PCR – que foi feito por
cinco ministros, incluindo gente que se abraçou ao presidente no final de
semana, como Ernesto Araújo (Relações Exteriores). De posse do resultado
negativo do teste rápido feito na segunda-feira (que não quer dizer nada nessa
situação), Ramos recebeu pessoalmente dois parlamentares ontem, segundo a Folha.
O
Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal emitiu comunicado pedindo
que veículos suspendam a cobertura presencial no Palácio do Planalto.
Por precaução, o ideal seria fazer o mesmo nos ministérios e órgãos comandados
por pessoas que fizeram os testes errados. Talvez exposto, o governo tivesse de
fazer por si o que não consegue fazer pelo Brasil: testar, isolar,
rastrear.