domingo, 20 de setembro de 2020

Portugal | Enxotado como cão com pulgas

Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião

O episódio do apoio do primeiro-ministro a um candidato à presidência do Benfica mostrou, uma vez mais, que os interesses dos homens do futebol prevalecem sobre o interesse geral. O mais importante acabou por ser a defesa de Luís Filipe Vieira. Já António Costa podia ser tratado como acabou por ser, enxotado como cão com pulgas. Não é de excluir (é até muito provável) que a expulsão dos políticos da comissão de honra tenha sido concertada, mas imaginar que o primeiro-ministro se deixou subalternizar deve deixar-nos ainda mais perplexos. Política e futebol são como água e azeite, não se misturam. Como a água, a política é mais densa e sempre que alguém insiste em misturá-los acontece que o futebol, como o azeite, fica por cima. A perversidade destas relações revela-se nisso mesmo, na pouca importância dos representantes do povo quando aceitam fazer parte do séquito.

As ligações de políticos no ativo a clubes de futebol não começou agora e não é um exclusivo de António Costa e do Benfica. Recentemente, por exemplo, vários autarcas entraram para o conselho superior do FCP e isso inibe-os (é suposto) de tomar decisões em que o clube tenha interesse. E, assim sendo, não estão a cumprir com eficácia a função para a qual foram eleitos. Tudo isto é verdade, mas não deveria servir para sossegar os espíritos dos cidadãos adeptos do clube de António Costa e Filipe Vieira. Tanto mais que este episódio tem uma gravidade acrescida.

Portugal | PS e PSD em queda, com Costa e Rio a pique na popularidade

CDS no fim da tabela

Cerca de 14 pontos percentuais separam socialistas (37,6%) e social-democratas (23,9%) que registam quedas de quase 3 pontos em relação a julho. Pequenos partidos sobem, CDS tomba para 1,1%.

PS inverte a tendência de subida e cai 3 pontos percentuais. Nesta sondagem de setembro, os socialistas registam 37,6% de intenções de voto, quando, em julho, passavam os 40%.

O PSD não aproveita o deslize do PS porque também desce os mesmos 3 pp e está agora com 23,9% (em julho estava perto dos 27%).

Estabilizado em terceiro, o Bloco de Esquerda recolhe 8,3% de intenções de voto. E Catarina Martins junta-se a António Costa como as únicas lideranças partidárias que recolhem mais avaliações positivas do que negativas.

Mas é de registar que, como líder partidário, e já depois de ser conhecido o caso da comissão de honra de Luís Filipe Vieira,  António Costa vê descer o número de avaliações positivas enquanto crescem as negativas. São 13 pontos percentuais perdidos desde julho.

No caso de Rui Rio, a descida é ainda maior, são 16pp que cai nas opiniões positivas.

Questionados sobre em quem depositam mais confiança para exercer o cargo de primeiro-ministro, 48% escolhem António Costa, contra os 17% que indicam Rui Rio. Mas 25% dos inquiridos não preferem qualquer um destes nomes.

No campeonato de perda de popularidade e, eventual reflexo da polémica sobre a Festa do Avante, Jerónimo de Sousa com uma subida de 10pp é o líder partidário com maior número de avaliações negativas, logo seguido por André Ventura que só recolhe opiniões positivas junto dos eleitores do CDS.

Nas intenções de voto, o Chega está em quarto, ultrapassa a CDU e regista 6,8% de intenções de voto (na sondagem de julho registava 5,3%).

A CDU está em quinto deslizando ligeiramente para os 5,6%.

Judith Menezes e Sousa | TSF

Portugal | Emergência exige negociação

Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

No contexto da gestão dos impactos da pandemia e em nome de políticas de emergência que facilitem a reorganização das empresas e serviços - no necessário incremento da retoma de atividades - o Governo vem impondo medidas de legislação laboral que estão a empurrar os sindicatos para fora do sistema socioeconómico e a aumentar a exploração dos trabalhadores.

Muito do trabalho essencial para o normal funcionamento da sociedade não tem o mínimo de segurança e é mal remunerado, mas isso não está a provocar um combate efetivo à precariedade e aos baixos salários; reconhece-se que o trabalho é central na sociedade, mas não se promove a sua dignificação e valorização. As turbulências e impactos imediatos da pandemia estão a ser aproveitados para justificar despedimentos, em muitos casos de forma oportunista, para agravar escandalosamente desigualdades, para impor unilateralmente formas de prestação de trabalho mais desprotegidas.

O Governo andou muito mal ao avançar com um diploma que possibilita às empresas promoverem unilateralmente (a consulta prévia é um simulacro) significativas alterações nos horários e organização dos períodos de trabalho das empresas das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. O tempo pertence às pessoas, que têm o direito e o dever de organizar a vida em todas as suas dimensões. E o princípio da conciliação do trabalho com a vida familiar e pessoal deve ser salvaguardado.

O Governo devia ter negociado com os sindicatos o diploma e, acima de tudo, tem o dever de garantir que as alterações a introduzir, em cada setor ou empresa, sejam obrigatoriamente negociadas. Todos temos consciência de vivermos tempos que exigem medidas excecionais e por vezes urgentes. Isso não dispensa o respeito pela efetividade da negociação. Pelo contrário, é nestes tempos difíceis e propícios ao aumento de vulnerabilidades que é preciso demonstrar a importância da partilha de responsabilidades e implementar compromissos equilibrados.

Quando os sindicatos são esquecidos, desvalorizados, marginalizados na elaboração da legislação laboral e lhes é diminuído o direito à negociação coletiva, a sociedade toda perde o contributo de competências e poderes estruturais e institucionais determinantes para proteger os trabalhadores, para induzir fatores de equilíbrio na reorganização das empresas e para influenciar positivamente a gestão, até tornando-a menos permeável a compadrios e corrupção. O Governo tem a obrigação de conhecer e assumir tais factos.

O Plano de Recuperação Económica que o Governo tem de apresentar na União Europeia, e de que o país precisa, corporizará inúmeros projetos de investimento estruturantes, envolvendo empresas privadas e subsetores do Estado. Em todo este processo os sindicatos não podem deixar de ser chamados a participar e têm de preparar-se para isso. As opções quantitativas e qualitativas quanto ao emprego ou as condições sociais inerentes ao trabalho digno devem estar sobre a mesa desde o primeiro momento das discussões.

Fala-se muito da digitalização da economia e da Administração Pública que vai acontecer, mas esquece-se que os instrumentos de trabalho devem ser negociados quando são introduzidos. O mesmo se passa com o incremento do teletrabalho, que traz problemas novos para as relações de trabalho a necessitarem de verdadeira negociação.

*Investigador e professor universitário

Julgamento de Julian Assange: a máscara do Império caiu

Pepe Escobar [*]

O conceito de "Momento histórico" foi pressionado ao extremo quando se vê o extraordinário serviço público que está a ser desempenhado pelo historiador, antigo diplomata britânico e activista de direitos humanos Craig Murray 

Murray – literalmente e a um nível global – está agora posicionado como o nosso homem na galeria pública, pois ele documenta cuidadosamente em pormenores vívidos o que poderia ser definido como o julgamento do século no que se refere à prática do jornalismo: o tribunal canguru que julga Julian Assange em Old Bailey, Londres.

Vamos centrar-nos nos três relatos de Murray desta semana – com ênfase em dois temas entrelaçados: o que os EUA estão realmente a perseguir e como os media corporativos do ocidente estão a ignorar este processo que corre no tribunal.

Aqui , Murray relata o momento exacto em que a máscara do Impériu caiu, não com um estrondo, mas sim como uma lamúria:

Todos os jornalistas são enquadráveis

"As luvas foram removidas na quinta-feira quando o governo dos EUA argumentou explicitamente que todos os jornalistas são passíveis de processo sob a Lei de Espionagem (1917) por publicar informação classificada ". (itálicos meus).

"Todos os jornalistas" significa todo jornalista legítimo, de qualquer nacionalidade, a operar em qualquer jurisdição.

Interpretando o argumento, Murray acrescentou: "o governo dos EUA está agora a dizer, de modo totalmente explícito, em tribunal, que repórteres poderiam e deveriam ir para a cadeia e que é como actuaremos no futuro". O Washington Post, o New York Times e todos os "grandes media liberais" dos EUA não estão no tribunal para ouvir e não informam isto (itálicos meus), devido à sua cumplicidade activa na "alteridade" de Julian Assange como algo sub-humano cujo destino pode ser ignorado. Serão eles realmente tão estúpidos para não entender que são os próximos?
Erro, sim".

A questão não é que os auto-descritos paladinos dos "grandes media liberais" sejam estúpidos. Eles não fazem a cobertura da farsa em Old Bailey porque são cobardes. Eles devem manter o seu lendário "acesso" às entranhas do Império – o tipo de "acesso" que permitiu a Judith Miller "vender" a guerra ilegal contra o Iraque em inúmeras primeiras páginas e que permite ao activo da CIA e super-oportunista Bob Woodward escrever os seus livros com "informação privilegiada".

Nada para ver aqui.

Anteriormente , Murray já havia pormenorizado como "os media de referência da comunicação social estão a fazer vista grossa". Havia três repórteres na galeria de imprensa, um deles um estagiário e outro representando a NUJ [National Union of Journalists]. O acesso público continua a ser restrito e as principais ONGs, incluindo a Amnistia, o PEN e Repórteres sem Fronteiras continuam a ser excluídas tanto fisicamente como de assistir online".

Murray também pormenorizou como "nós os seis autorizados a entrar na galeria pública, a propósito, temos de subir 132 degraus para lá chegar, várias vezes por dia. Como sabem, tenho um coração muito duvidoso; estou com o pai de Julian, John, que tem 78 anos; e outro de nós tem um marca-passo".

Então porque é que ele é "o homem na galeria do público"? "Não minimizo os esforços valentes dos outros quando explico que me sinto obrigado a escrever isto, e com este pormenor, porque de outra forma os factos básicos vitais do mais importante julgamento deste século e de como está a ser conduzido, ficariam quase completamente desconhecidos para o público. Se fosse um processo genuíno, eles desejariam que as pessoas o vissem, não minimizando completamente tanto o comparecimento físico como online".

A menos que as pessoas por todo o mundo estejam a ler os relatórios de Murray – e muito poucos outros com muito menos pormenores – ignorarão aspectos imensamente importantes assim como o contexto geral aterrador do que está realmente a acontecer no coração de Londres. O principal facto, no que se refere ao jornalismo, é que os media corporativos ocidentais estão a ignorá-lo completamente.

Vamos verificar a cobertura do Reino Unido no dia 9, por exemplo.

Não houve nenhum artigo em The Guardian – o qual possivelmente não pode cobrir o julgamento porque o jornal, durante anos, afundou-se sem restrições na difamação e demonização total de Julian Assange.

Não havia nada em The Telegraph – muito próximo do MI6 – e só uma breve notícia da AP no Daily Mail.

Houve um breve artigo em The Independent só porque uma das testemunhas, Eric Lewis, é um dos directores do Independent Digital News and Media Ltd que publica o jornal.

Durante anos, o processo de degradação de Julian Assange a nível sub-humano foi baseado na repetição de um monte de mentiras tão frequentemente que se tornaram verdade. Agora, a conspiração do silêncio acerca do julgamento faz maravilhas para revelar a verdadeira cara dos "valores" liberais ocidentais e da "democracia" liberal.

O imperialismo é uma ameaça à Paz

António Abreu* | AbrilAbril | opinião

Na actualidade, em condições que se foram alterando, em sentido positivo ou negativo, relativamente a décadas anteriores, as ameaças à paz em várias regiões do mundo continuam a existir.

1. Uma ideia foi sendo expressa ao longo dos últimos 45 anos, depois da derrota do nazi-fascismo: a de o crescimento económico e o espantoso crescimento das ciências e das técnicas poderem gerar desenvolvimento, elevação dos níveis educativos, índices de saúde, de educação, cultura e da abrangência de seguração social, de redução do desemprego e do desequilíbrio na distribuição de rendimentos, regimes assentes em diferentes vertentes inseparáveis e complementares da democracia (democracia política, democracia económica, democracia social e democracia cultural), acesso ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, novas condições de paz e cooperação entre os povos e países com regimes políticos e governos de diferentes orientações políticas.

Era uma bela e atractiva ideia, que deu força a anteriores ideais. Mas a permanência do capitalismo e do sistema imperialista, que aquele montara nas relações internacionais, passou a ameaçá-la e apenas uma parte do mundo a assumiu.

Os países socialistas, ultrapassando muitas dificuldades, a partir de novas políticas públicas que foram dando vida a essas ideias. E os partidos comunistas e de esquerda de outros países, que também tinham tido uma luta heróica contra o fascismo e a ocupação nazi.

Estas diferentes atitudes levaram a um grande prestígio internacional destes países e dos ideais comunistas e de esquerda, à perda crescente de atracção do modelo capitalista e à independência dos povos de muitas dezenas de países antes colonizados.

Mas o imperialismo dispunha – e ainda dispõe – de muitos recursos, como a capacidade de ingerência interna, de intervenção militar, de realização de actos terroristas a partir dos seus serviços secretos, de informações e dos corpos diplomáticos. Realiza hoje, até, a sabotagem de organismos da ONU, como a UNESCO e a OMS.

A paz conquistada foi abalada com guerras regionais e em vários casos com ameaças de guerra nuclear.

Por uma Europa Livre de Armas Nucleares

Declaração da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos em apoio da criação de uma Europa Livre de Armas Nucleares

11 de Setembro de 2020

«A WFSW apoia o apelo ao fim da modernização de todas as armas nucleares e seus vectores; insta os governos europeus não signatários do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares a que reconsiderem a sua posição e adoptem o Tratado tão cedo quanto possível. A Federação Mundial de Trabalhadores Científicos apela a todas as organizações europeias filiadas a fazerem campanha por uma Europa livre de armas nucleares e pela abolição de armas nucleares no plano mundial.»

A Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos (World Federation of Scientific Workers – WFSW) saúda e adere à iniciativa tomada por um grupo de activistas amantes da paz e ONG’s que entendem a necessidade de consciencializar os nossos concidadãos da ameaça iminente de um conflito armado nuclear que coloca em risco a sobrevivência da vida no planeta. As tendências actuais no desenvolvimento de equilíbrios geopolíticos não são um bom presságio de um futuro melhor. Os ponteiros do Relógio do Juízo Final, um símbolo que representa a probabilidade de uma catástrofe global provocada pelo homem, nunca estiveram tão perto da “meia-noite” como estão hoje. Na verdade, desde o suposto fim da chamada “guerra fria” no ano de 1991, quando o relógio foi acertado nos 17 minutos para as 12 horas, apenas uma vez os ponteiros foram atrasados, e em apenas 60 segundos. Foi em 2010 no seguimento da assinatura pelos EUA e pela Federação Russa do Tratado Novo Início (New Start Treaty). Desde então os ponteiros do relógio simbólico têm avançado constantemente para a meia-noite e estão agora a meros 100 segundos de distância.

Embora nos dias actuais a guerra nuclear e as alterações climáticas sejam geralmente aceites como as maiores ameaças à sobrevivência da nossa espécie na Terra, a emergência de novas tecnologias desestabilizadoras numa série de campos críticos como a inteligência artificial, o espaço, a hipersónica e a biologia contribuem para uma perigosa e multifacetada instabilidade global. Na verdade, enfrentamos uma crescente ameaça de guerra de informação e outras tecnologias disruptivas.

No que diz respeito às armas nucleares, a situação tem piorado constantemente após a retirada dos EUA do Tratado ABM em 2002 e do Tratado INF em vigor a partir de 2 de Agosto de 2019. O único tratado de controlo e redução de armas nucleares que permanece em vigor hoje em dia é o New Start Deal, que expira em Fevereiro de 2021 a menos que os signatários - EUA e Rússia - cheguem a acordo sobre a opção de prorrogação de até cinco anos prevista no Tratado. Um acordo parece hoje altamente duvidoso.

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